Zanin manda ex-cliente provar que Alagoas não usou R$ 1 bi que STF bloqueou
Ministro deu cinco dias para governo de Paulo Dantas (MDB) comprovar bloqueio de 50% de outorga do saneamento de Maceió
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, deu prazo de cinco dias para o governo de seu ex-cliente Paulo Dantas (MDB) comprovar que o Estado de Alagoas mantém bloqueado o montante de R$ 1 bilhão bloqueado pela Corte Suprema, em 2021, em ação que pede a redistribuição aos municípios da Região Metropolitana de Maceió do montante de R$ 2 bilhões da outorga paga pela BRK Ambiental, após leilão para exploração dos serviços de saneamento. A decisão foi tomada ontem (8).
Zanin justifica a medida por não ter havido acordo em duas tentativas de conciliação feitas pelo STF; bem como por ter verificado que “não consta documento hábil a demonstrar os valores efetivamente bloqueados e que estão mantidos em conta do Estado de Alagoas”. O bloqueio foi realizado ainda no governo do antecessor de Dantas, o hoje senador licenciado e ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB).
“Ante o exposto, antes de analisar os pedidos formulados pelos envolvidos, determino que o Estado de Alagoas indique os valores bloqueados em decorrência da decisão cautelar ainda vigente (documento eletrônico 172) no prazo de 5 (cinco) dias”, decidiu Zanin, que herdou o processo em agosto, ao ser empossado ministro, após a aposentadoria de Ricardo Lewandowski.
Em maio do ano passado, quando Paulo Dantas era governador-tampão após a renúncia de Renan Filho, o Plenário do STF concluiu, por unanimidade, que os R$ 2 bilhões da outorga deveriam ser redistribuídos entre todos os municípios da Região Metropolitana de Maceió, deixando de se concentrar totalmente dos cofres estaduais. E ainda retirou do governador de Alagoas o poder de definir a destinação de investimentos resultantes da outorga.
Os ministros seguiram o entendimento do ex-relator Edson Fachin, que já havia bloqueado R$ 1 bilhão do montante, em 26 de novembro de 2021, ao reconhecer o direito das prefeituras da Região Metropolitana de Maceió de ter acesso aos recursos. A conclusão foi de que contrariam a Constituição Federal, tanto o convênio entre o Estado de Alagoas e a Região Metropolitana de Maceió, quanto o Contrato de Concessão firmado entre o governo estadual e a BRK Ambiental.
Roteiro novelesco
Além de envolver o ex-cliente do ministro, quando este era advogado, outra curiosidade deste processo é o fato de a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 863 ter sido proposta pelo Partido Socialista Brasileir0 (PSB), quando a sigla era comandada em Alagoas pelo prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, o “JHC” (PL), rival de Renan Filho e de seu afilhado Paulo Dantas. Hoje, o PSB é presidido pela filha do governador, a secretária estadual da Primeira Infância, Paula Dantas.
A decisão de Zanin contraria as expectativas de que o ministro faria uma autodeclaração de suspeição e não julgaria esta ação, por causa de sua antiga relação contratual com o governador Paulo Dantas, interessado na causa, ou pelo fato de sua esposa Valeska Zanin também ter defendido o gestor do Estado de Alagoas.
O casal Zanin atuou no âmbito da Operação Edema, deflagrada em 2022 para investigar o afilhado político dos Calheiros, suspeito de liderar um esquema de corrupção que desviou R$ 48,3 milhões da Assembleia Legislativa de Alagoas. Em agosto, o cliente dos Zanin obteve uma vitória jurídica importante, quando o ministro Gilmar Mendes anulou buscas e provas apreendidas, e ainda suspendeu medidas cautelares resultantes da operação autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em junho deste ano, a Polícia Federal chegou a indiciar Paulo Dantas como o “principal beneficiário e autor intelectual dos desvios” investigados na Operação Edema, quando ele era deputado estadual, entre 2019 e 2022. O indiciamento também atingiu a primeira-dama de Alagoas, Marina Cintra Dantas, a irmã do governador, Paulline Dantas Koenigkan, e ainda Melquisedec Alexandre de Melo, que a PF concluiu ser um “laranja” de Paulo Dantas.
À época do indiciamento, Dantas era defendido pela esposa do ministro, e alegou inocência, perseguição, além de atribuir o vertiginoso crescimento de seu patrimônio à sua atuação na agropecuária. “A intenção, evidentemente, é produzir novos estragos à imagem do Reclamante [Dantas], deslegitimando-o perante a opinião pública a partir de uma narrativa tecida com as agulhas da imaginação. É preciso, pois, urgentemente restaurar a sua dignidade, com o reconhecimento da incompetência da Autoridade Reclamada”, disse a defesa do governador, quando destacou que o indiciamento da PF reforçaria a tese de que o suposto esquema na Assembleia não teria relação com a atuação de Dantas como governador, mas como deputado estadual.