Itamaraty culpa Netanyahu por mortes a tiros de palestinos famintos
Nota diz que ação militar do governo Netanyahu em Gaza "não tem qualquer limite ético ou legal"
O Itamaraty publicou, nesta sexta-feira (1º), uma nota que reforça críticas do presidente Lula (PT) à morte de civis na guerra de Israel contra terroristas do Hamas na Faixa de Gaza. O texto redireciona o alvo, poupando o Estado de Israel e condenando o governo de Benjamin Netanyahu. Mas condena a ação militar que resultou na morte de mais de 100 civis famintos, ontem (29), alvejados a tiros das tropas das Forças de Defesa de Israel (IDF), quando cercaram caminhões no desespero de obter alimentos e água da ajuda humanitária. As Forças Armadas de Israel negaram disparos contra quem buscava alimentos.
A nota do Ministério das Relações Exteriores do Brasil pede “um basta” da comunidade internacional, ao tratar o caso que também deixou cerca de 700 feridos, no Norte da Faixa de Gaza, como “situação intolerável”.
O texto vai na contramão de pedidos de Israel pela retratação de Lula, que comparou a letalidade da ação militar de Israel em Gaza ao Holocausto de seis milhões de judeus trucidados pelo nazismo de Adolf Hitler, na Segunda Guerra Mundial. E eleva o tom institucional contra o primeiro-ministro israelense, que já considerou Lula persona non grata no país do Oriente Médio.
“O governo Netanyahu volta a mostrar, por ações e declarações, que a ação militar em Gaza não tem qualquer limite ético ou legal. E cabe à comunidade internacional dar um basta para, somente assim, evitar novas atrocidades. A cada dia de hesitação, mais inocentes morrerão. A humanidade está falhando com os civis de Gaza. E é hora de evitar novos massacres”, diz a nota do Itamaraty.
Risco à tropa
As Forças Armadas de Israel chegaram a confirmar que houve mortes decorrentes de um tumulto na entrega da ajuda. E afirmaram que os tiros somente foram disparados por soldados, para o ar e contra as pernas, em direção a um grupo de residentes que se afastou do comboio humanitário e se aproximou de uma unidade militar israelense.
Porém, em coletiva, o porta-voz das Forças Armadas de Israel, Daniel Hagari, relatou apenas disparos de alerta para dispersar a multidão que colocava soldados em risco, ao negar que drones que sobrevoavam a área tenham realizado ataques aéreos. “Apesar das acusações, não disparamos contra aqueles que buscavam ajuda humanitária (…) nem no comboio, por terra ou ar”, conclui Hagari.
Leia a íntegra da nota à imprensa nº 91, do Itamaraty:
Ataque a tiros contra palestinos que aguardavam o recebimento de ajuda humanitária na Faixa de Gaza
Governo brasileiro tomou conhecimento, com profunda consternação, dos disparos por arma de fogo, por forças israelenses, ocorrido no dia de ontem, no Norte da Faixa de Gaza, em local em que palestinos aguardavam o recebimento de ajuda humanitária. Na ocasião, mais de 100 pessoas foram mortas e mais de 750 feridas por tiros, pisoteio ou atropelamento.
As aglomerações em torno dos caminhões que transportavam a ajuda humanitária demonstram a situação desesperadora a que está submetida a população civil da Faixa de Gaza e as dificuldades para obtenção de alimentos no território.
Trata-se de uma situação intolerável, que vai muito além da necessária apuração de responsabilidades pelos mortos e feridos de ontem.
Autoridades da ONU e especialistas em ajuda humanitária e assistência de saúde de diferentes organismos e entidades vêm denunciando há meses a sistemática retenção de caminhões nas fronteiras com Gaza e a situação crescente de fome, sede e desespero da população civil. Ainda assim, a inação da comunidade internacional diante dessa tragédia humanitária continua a servir como velado incentivo para que o governo Netanyahu continue a atingir civis inocentes e a ignorar regras básicas do direito humanitário internacional. Declarações cínicas e ofensivas às vítimas do incidente, feitas horas depois por alta autoridade do governo Netanyahu, devem ser a gota d’água para qualquer um que realmente acredite no valor da vida humana.
O governo Netanyahu volta a mostrar, por ações e declarações, que a ação militar em Gaza não tem qualquer limite ético ou legal. E cabe à comunidade internacional dar um basta para, somente assim, evitar novas atrocidades. A cada dia de hesitação, mais inocentes morrerão.
A humanidade está falhando com os civis de Gaza. E é hora de evitar novos massacres.
Ao expressar sua solidariedade ao povo palestino, sobretudo aos familiares das vítimas, o Brasil reafirma seu firme repúdio a toda e qualquer ação militar contra alvos civis, sobretudo aqueles ligados à prestação de ajuda humanitária e de assistência médica.
O massacre de hoje vem se somar às mais de 30 mil mortes de civis palestinos, das quais mais de 12 mil são crianças, registradas desde o início do conflito, além dos mais de 1,7 milhão de palestinos vítimas de deslocamento forçado. O Brasil reitera a absoluta urgência de um cessar-fogo e do efetivo ingresso em Gaza de ajuda humanitária em quantidades adequadas, bem como a libertação de todos os reféns.
O Governo brasileiro recorda a obrigatoriedade da implementação das medidas cautelares emitidas pela Corte Internacional de Justiça, em 26 de janeiro corrente, que demandam que Israel tome todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de todos os atos considerados como genocídio, de acordo com o Artigo II da Convenção para a Prevenção e a Repressão e Punição do Crime de Genocídio.