Justiça contra covardia

PM pega 53 anos de prisão por matar irmãos com deficiência intelectual em Maceió

Juri condenou Johnerson Simões Marcelino por matar e implantar armas na cena de crime

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Cabo Johnerson Simoes Marcelino é réu pela morte dos irmãos Josivaldo e Josenildo Ferreira Aleixo, em Maceió. Fotos: Reprodução

Após cinco anos e oito meses do crime e depois de 12 horas de julgamento, o sargento da Polícia Militar de Alagoas, Johnerson Simões Marcelino, foi condenado na noite de ontem (25) a 53 anos e um mês de prisão, em regime fechado, pelos assassinatos dos irmãos Josenildo e Josivaldo Ferreira Aleixo, que tinham 16 e 18 anos de idade e deficiência intelectual, quando foram trucidados na noite da Sexta-feira Santa, em 25 de março de 2016, no Conjunto Village Campestre, na periferia de Maceió.

O crime também resultou na morte do pedreiro Reinaldo da Silva Ferreira, que passava próximo à ação policial; fato que também resultou na condenação do réu a pagar indenização mínima de R$ 80 mil para a viúva da vítima.

A condenação no Tribunal do Juri presidido pelo juiz Guilherme Bubolz Bohm foi resultado da atuação do Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL), tendo como titular de acusação a promotora de Justiça Adilza Freitas, auxiliada pelos assistentes de acusação, advogados Thiago Pinheiro e Arthur Lira.

“Minha família foi destruída. Mataram meus filhos, meu marido era doente, piorou e morreu. Os sonhos dos meus filhos, eles diziam, era ser policial; mas a policia foi quem tirou a vida deles”, ressaltou a mãe dos jovens assassinados, Maria de Fátima, que entrou ao recinto e provocou comoção com o seu jeito simples e a forma de amor com a qual descrevia seus filhos especiais. O irmão dela, Cláudio Silva, chorou durante o depoimento, lembrando a inocência dos sobrinhos.

Sargento da Polícia Militar de Alagoas Johnerson Simões Marcelino foi condenado por matar e tentar incriminar Josenildo e Josivaldo Ferreira Aleixo. Foto: Dulce Melo e Flávia Lima/Dicom TJAL

‘Um dos melhores militares’

Em fevereiro de 2017, quase um ano após o crime, a PM de Alagoas e a Secretaria de Segurança Pública do governo de Renan Filho (MDB) abafou notícia da prisão do policial acusado de matar os irmãos especiais. À época, o então comandante do 5º Batalhão da PM, tenente-coronel Carlos Amorim, explicou que a ausência de divulgação da prisão foi uma forma de preservar a imagem de Johnerson Simões Marcelino. E elogiou o policial acusado como sendo “um dos melhores militares” de seu batalhão.

“A gente preserva muito também a situação do nosso policial militar e da família dele, entendeu? Porque, quando é divulgada certas situações, a gente sabe que a força do mal tem conhecimento, que o cara tá preso, aquilo outro. E a gente tenta resguardar também o lado do policial. Também porque o cabo Johnerson, para mim, é um dos melhores militares que tenho no meu 5º Batalhão. Ele está cumprindo a decisão judicial e só quando for transitado em julgado ele será considerado culpado de qualquer situação”, disse o tenente-coronel Carlos Amorim ao Diário do Poder, por telefone, à época, depois de questionar a reportagem “qual o interesse nessa matéria”.

Mãe dos irmãos assassinados no Village Maria de Fátima Ferreira Aleixo depôs durante júri de policial. Foto: Dulce Melo e Flávia Lima/Dicom MPAL

Tratados como criminosos

Um dos pontos mais contraditórios na defesa do réu foi o referente à bolsa e as armas que, segundo o Johnerson, estariam com as vitimas. Todas as testemunhas de acusação asseveraram que os irmãos, na hora da abordagem, não carregavam nenhum objeto. Por isso, o policial que foi promovido de cabo a sargento no decorrer do trâmite das acusações também foi condenado por fraude processual.

A mãe das vítimas ainda garantiu que seus meninos saíram de casa somente com as carteiras de especiais da instituição Pestalozzi e um celular. E que deram entrada no IML como indigentes e as carteiras não mais apareceram.

“O júri é uma resposta da sociedade para dizer que tipo de polícia ela quer, ela escolheu entre a que rasga a Constituição e mata e a polícia que protege. O Conselho de Sentença é formado por seus representantes que sentiram a dor da família, de uma mãe que perdeu os únicos filhos, em seguida, o esposo que teve o problema de saúde agravado em consequência desse barbárie. Fizemos o nosso papel, buscamos a Justiça em nome de dois inocentes e para amenizar a dor de uma família. Provocamos o cumprimento da lei, quem comete crime tem de pagar por seus atos.”, declara a promotora Adilza Freitas.

O assistente de acusação, advogado Thiago Pinheiro, afirma que o dever foi cumprido. “Após cinco anos, acreditamos que as famílias enlutadas se sentiram justiçadas com a condenação e o resultado é para demonstrar que não permitimos mais uma polícia truculenta que sai matando inocentes. As provas foram incontestáveis e a defesa não conseguiu lograr êxito com justificativas totalmente contraditórias aos fatos o conselho de sentença, de uma postura louvável, nada mais fez do que justiça, assim vamos para casa com a convicção do dever cumprido”, enfatiza Pinheiro.

O outro assistente, advogado Arthur Lira, reforça a fala ressaltando o sentimento de justiça após ser lida a sentença. “Não saímos vitoriosos , pois não há vitórias em um júri, mas com o reconhecimento de que a justiça foi feita e pra deixar de lição que os nossos policiais não pratiquem nas ruas delitos como esses”, declarou Lira.

Testemunhas

No julgamento, o motoboy Lucivânio, atingido por um tiro no joelho durante a abordagem policial aos irmãos, afirmou várias vezes que as vitimas não carregavam mochilas ou bolsas e que na primeira abordagem já teriam sido agredidos. Ele também disse ter ficado com medo de morrer.

“Os meninos iam ao ponto de ônibus e quando a viatura chegou já foi batendo neles. E eu afirmo que não estavam com bolsa, com nada. O meu amigo, o pedreiro, assim que foi baleado, correu na minha direção, abriu os braços e disse: negão fui atingido, pega tua moto pra me socorrer e já caiu morto, e eu fui ferido no joelho”, enfatizou.

Versão da defesa

A defesa do sargento Johnerson Simões Marcelino tentou manter a versão de que os jovens eram perigosos e que foram atingidos numa reação por resistência.

Nos depoimentos dos policiais, e também da funcionária do Hospital Geral do Estado (HGE), houve contradição.

“A funcionária disse que recebeu as vítimas por volta das 19h, quando o GPS mostra a chegada da viatura à unidade após as 20h E muitos pontos ficaram obscuros nos depoimentos da guarnição, então estávamos realmente diante de falsos testemunhos, de algo arquitetado, mas prevaleceram o bom senso, a verdade e a justiça”, ressalta a promotora Adilza Freitas. (Com informações da Comunicação do MPAL)

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