PRISÃO IGNORADA

SSP abafou prisão de PM acusado de matar irmãos especiais em Maceió

Cabo acusado de matar e forjar cena é elogiado por comandante

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Sem informações divulgadas pelos órgãos oficiais, nem coletivas ou releases que costumam alardear sobre desfechos de crimes de grande repercussão em Alagoas, o cabo da Polícia Militar, Johnerson Simões Marcelino, se apresentou e permanece preso desde 24 de fevereiro pela acusação de homicídio doloso e duplamente qualificado contra os irmãos Josivaldo Ferreira Aleixo, 18, e Josenildo Ferreira Aleixo, 16, mortos em abordagem policial na periferia de Maceió. O comandante de seu batalhão defendeu o militar e questionou o interesse jornalístico sobre o fato.

O PM protagonista do mais grave caso de violência policial da gestão do governador Renan Filho (PMDB) está preso no Presídio Militar, por decisão do juiz Geraldo Amorim, titular da 9ª Vara Criminal da Capital. E até esta quinta-feira (9), quase duas semanas após a prisão, a Secretaria de Segurança Pública de Alagoas (SSP/AL), comandada por coronel PM, Lima Júnior, ainda não se pronunciou oficialmente sobre o caso.

Além da acusação de matar os irmãos com deficiência intelectual, na mesma ação penal proposta pelo Ministério Público Estadual de Alagoas (MP/AL) em 22 de fevereiro, Johnerson Simões Marcelino também é acusado de homicídio culposo contra o pedreiro Reinaldo da Silva Ferreira, que passava próximo à trágica ação policial na noite de 25 de março de 2016.

O cabo que está preso ainda deverá responder por fraude processual, em conjunto com o soldado Jailson Stallaiken Costa Lima, já que, segundo o MP, ambos teriam implantado armas e munições entre os pertences das vítimas para forjar uma reação armada dos jovens que testemunhas confirmaram estar desarmadas.

Somente nos dois primeiros meses de 2017, foram registradas 32 mortes classificadas como "resistência" à abordagem policial em Alagoas.

Comandante defende preservar acusado (Fotos: Alagoas24Horas)'UM DOS MELHORES'

O Diário do Poder quis saber da SSP o motivo de não ter havido divulgação da prisão relacionada a um dos crimes de maior repercussão da história policial de Alagoas. Mas não obteve resposta.

Foi o comandante do 5º Batalhão da PM, tenente-coronel Carlos Amorim, quem explicou que a ausência de divulgação foi uma forma de preservar a imagem do cabo Johnerson Simões Marcelino, considerado pelo oficial como um dos melhores militares de seu batalhão.

“Porque, na realidade, a gente preserva muito também a situação do nosso policial militar e da família dele, entendeu? Porque, quando é divulgada certas situações, a gente sabe que a força do mal tem conhecimento, que o cara tá preso, aquilo outro. E a gente tenta resguardar também o lado do policial. Também porque o cabo Johnerson, para mim, é um dos melhores militares que tenho no meu 5º Batalhão. Ele está cumprindo a decisão judicial e só quando for transitado em julgado ele será considerado culpado de qualquer situação”, disse o tenente-coronel Carlos Amorim ao Diário do Poder, por telefone.

O primeiro questionamento feito pelo tenente-coronel, ao atender a reportagem, foi: “Qual o interesse nessa matéria no momento?”.

E, quando confrontado com o fato de que a maioria dos cidadãos suspeitos de crimes não têm o mesmo tratamento de preservação por parte da PM, sendo entrevistados pela imprensa dentro de viaturas, a convite de policiais, o oficial respondeu que a reportagem “não poderia estar provocando esse tipo de situação”, abordando as contradições da PM.

“Quando a gente chama a imprensa, é porque a gente tem a imprensa como aliada para o combate ao crime. Nunca chamei. E ninguém que eu chamei jamais, de repente, deixou de responder pela acusação ao qual… Como eu nunca fiz isso, não posso nem tecer comentários sobre isso aí contigo”, disse Carlos Amorim.

Local da abordagem trágica aos irmãos no Village CampestreA DENÚNCIA

Na ação penal da 49ª Promotoria de Justiça da Capital, o promotor José Antônio Malta Marques relata que em 25 de março de 2016, em um ponto de ônibus, no Conjunto Village Campestre II, no bairro da Cidade Universitária policiais militares abordaram os dois irmãos que haviam saído da escola para a casa de familiares. Ambos não possuíam antecedentes criminais e não houve relatos de que os irmãos tenham reagido à abordagem policial.

Segundo o MP, o cabo Johnerson Simões integrava uma guarnição da Polícia Militar e fazia uma patrulha de rotina nas ruas do conjunto Benedito Bentes, quando recebeu a informação que dois assaltantes estavam agindo no Conjuntos Village Campestre II. Ao chegar no local informado, junto aos outros PMs, o denunciado abordou os dois irmãos e, a partir daí, teria ocorrido “uma série de ações desastrosas que culminaram nos homicídios”.

O promotor de Justiça José Antônio Malta Marques relata que depoimentos de testemunhas confirmaram que dois militares da guarnição iniciaram agressivamente as revistas, razão pela qual Josenildo, a vítima de maior idade, ao assistir o irmão ser agredido, passou a defender Josivaldo. Teria sido nesse momento que o denunciado, que assistia à abordagem encostado na viatura, realizou os disparos.

“A ação do cabo Johnerson foi tão desmedida que ao realizar os disparos, de modo consciente, em atingindo Josenildo com dois e Josivaldo com três projeteis, pela mesma ação, ainda lesionou, com tiros de raspão, os policiais militares que estavam próximos das vítimas, e terminou por atingir fatalmente Reinaldo da Silva Ferreira, que estava a cerca de 20 metros de distância, no lado oposto da rua”, diz um trecho da denúncia.

Após o fato, de acordo com o MP, o denunciado pediu apoio a uma segunda guarnição, que fez o socorro dos policias feridos. Enquanto isso, outros policiais ficaram no local. Um deles, o soldado Jailson Stallaiken, teria lhe dado apoio para forjar a cena do crime. “Foi nesse momento que eles implantaram pistola, espingarda e munições entre os pertences das vítimas”, denunciou o promotor de justiça em sua petição.

O Ministério Público pediu a condenação de Johnerson Simões Marcelino pelo crime previsto no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, que trata, do ilícito de homicídio. A acusação é que o assassinato foi praticado com dois agravantes: motivo torpe e por recurso que tornou impossível a defesa das vítimas. Além da acusação pelo crime de fraude processual, previsto no artigo 347 do Código Penal Brasileiro.

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