‘É conveniente à esquerda me atacar’, diz Silvia Waiãpi
A deputada é a primeira mulher indígena a integrar a transição de um governo federal "a convite daquele que o mundo chama de misógino".

Quando o assunto é o entrave econômico que envolve as riquezas naturais do Brasil, a deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) lidera uma ferrenha oposição à exploração da Amazônia e dos povos indígenas, postura que assume protagonismo no avanço da CPI das ONGs.
Dona de estilo próprio e personalidade forte, Silvia seleciona com cuidado os movimentos aos quais se une. O critério, que afasta a parlamentar da ala de esquerda e a consagra como ícone bolsonarista dessa legislatura, cativa desafetos dedicados a buscar seu desgaste de imagem,através de críticas a seus posicionamentos e até mesmo a seu histórico familiar.
“Ninguém nunca me viu, por exemplo, num acampamento Terra Livre. Por quê? Eu sabia que eles iriam invadir prédios, e isso não faz parte do meu perfil. O fato de eu não apoiar esse tipo de movimento, gera uma violência contra mim. No final, isso vai depor contra a imagem do indígena, que já é uma imagem fragilizada diante da sociedade”, defendeu.
Ao Diário do Poder, Silvia Waiãpi (PL-AP) fez revelações, contou sobre seu vínculo com o ex-presidente Jair Bolsonaro, sua trajetória como atleta, fisioterapeuta, militar- hoje 1° tenente do Exército Brasileiro- e sua ascensão ao universo político. Confira a íntegra da entrevista.
1. Redação – Como a senhora lida com a campanha feita para tentar deslegitimar sua origem e história?
Silvia Waiãpi – Bom, vamos ao principal. A gente vê que é uma guerra político-partidária. E aos provocadores de guerras político-partidárias, eu não dou crédito e nem mérito, porque eu sei que é uma “forçação de barra”.
Cinco indígenas foram eleitos para a Câmara Federal. Não é isso? Apresentam apenas as imagens das indígenas da esquerda, nunca a minha. Não é questão de esquerda ou direita. É questão de quem se associa àquele processo ideológico.
É que ninguém nunca me viu, por exemplo, num acampamento Terra Livre. Por quê? Eu sabia que eles iriam invadir prédios, e isso não faz parte do meu perfil. O fato de eu não apoiar esse tipo de movimento, gera uma violência contra mim. No final, isso vai depor contra a imagem do indígena, que já é uma imagem fragilizada diante da sociedade.
Se falarmos: feche o olho e “pense em um indígena”. Você não vai ver uma mulher como eu. Você vai imaginar uma pessoa nua, pintada com jenipapo, na roça, com uma vida bem rupestre, “bem 1500”, nunca neste século.
Todas as políticas públicas realizadas parecem cooperar para manter o indígena no passado, preso a um ideal imaginário. E eu não quero viver presa ao ideal imaginário de ninguém. Eu sou o que eu sou, uma mulher como tantas e tantas mulheres, mas com um diferencial diante de muitos que estão aqui: Eu vivi nas ruas e passei fome.
Quantas vezes as portas se fecharam para mim. Eu me formei, não estudei por cota. Então dizer “ai, está tentando se aproveitar da imagem dos povos indígenas” é um escárnio. Olha para esta cara. Eu não preciso nem estar pintada com urucum para que saibam de onde vim e quem eu sou.
É a minha história: ninguém esteve ao meu lado ou pagou a minha conta de luz, a minha comida ou a comida dos meus filhos quando o meu marido foi sequestrado e assassinado. Ninguém esteve do meu lado para me dar um abraço enquanto eu mendigava nas ruas.
Agora, todo esse ódio, eu acho que é pelo fato de eu ser livre. Eu penso no meu país por inteiro. Eu não segrego classes, povos, dentro do meu país. Eu penso no meu país como por inteiro. Como um povo que precisa da aplicabilidade de políticas públicas, como um povo que precisa da minha participação dentro da política.
2. Redação – Quais eventos de superações mais marcaram sua vida?
Silvia Waiãpi – Eu sempre respondi às adversidades com uma formação. Estudei fisioterapia porque povos indígenas sacrificavam crianças que nasciam com problemas. Estudei transporte médico porque perdi uma amiga, de dez anos, num acidente aéreo, estudei defesa química biológica cardiológica nuclear porque uma amiga morreu vítima de contaminação química dentro da Boate Kiss.
No ano 2000, eu fui estuprada. Tentei correr e não consegui. Então eu prometi para mim mesma que nunca mais ninguém me tocaria daquele jeito. A partir daquele momento, todos os dias eu saía naquele mesmo horário, em que a violência ocorreu, para enfrentar os meus próprios demônios. Eu passei a correr, correr e correr até que alguém me viu e falou: Ei, você não quer correr na minha equipe? Eu pago sua inscrição. Eu aceitei e fui a sétima mulher mais rápida no ranking geral [de uma competição no aterro do Flamengo, Rio de Janeiro].
E aí me perguntaram: quem é seu treinador?
Aí eu – ninguém.
Onde você treina? Eu – na rua.
– Você não quer fazer um teste para o Vasco da Gama?
Eu disse – tá, eu faço. Passei, e me transformei numa atleta profissional. Então eu respondi à uma violência, me transformando numa atleta profissional de corrida. E foi respondendo a todos esses obstáculos, depois de muito estudo, que fui aprovada na Marinha e no Exército. A minha vida sempre foi uma resposta às adversidades.
3. Redação – Como se deu sua relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro?
Silvia Waiãpi – Eu conheci Bolsonaro no hospital, dentro do Exército Brasileiro. Então, quando ele ia se consultar, alguns militares eram convocados para receber a autoridade – um deputado federal, corresponde, no meio militar, a um general quatro estrelas. Eu o recebia. E nisso, trocávamos uma ou outra palavra.
Um dia ele disse assim: “por que que os outros indígenas não podem ter uma qualificação como a sua? Por que que os outros indígenas não podem estudar pela aprovação em uma força armada como você? Isso mexia com ele.
O tempo passou e eu fui a primeira mulher indígena a integrar a transição de um governo federal. A convite dele. A convite daquele que o mundo dizia ser misógino, preconceituoso. Ele não convocou uma indígena, ele convocou um corpo técnico, e era o que ele dizia: para mim tanto faz se é mulher, se é homem. Ele chamou um corpo técnico.
4. Redação – O que foi determinante para o seu ingresso na carreira política?
Silvia Waiãpi – Eu entendi que quando a gente não se dispõe, os maus vão ocupar espaço, então coloquei meu nome à disposição. Eu queria, hastear a bandeira do Brasil. Que foi uma promessa que me fiz quando criança.
Quando eu vi que eu não podia hastear aquela bandeira [excluída na escola], eu olhei para ela e falei: por que não? Eu disse: um dia eu vou hastear essa bandeira, e o meu país vai ter orgulho de mim. Eu hasteei a bandeira. Agora eu quero que o meu país sinta orgulho. Então o que me motiva, o que me faz estar aqui, é esse sentimento.
5. A CPI das ONGS é uma de suas prioridades para esse segundo semestre?
Silvia Waiãpi – Essa CPI é um clamor dos povos da Amazônia. Eu estou falando do ribeirinho, do quilombola, do indígena, do urbano. Porque essas interveniências de Organizações não Governamentais (ONGS) fazem com que a Amazônia brasileira e todo o norte brasileiro, seja condenado à miséria. Se aumenta a pobreza, mulheres se prostituem e crianças são violadas.
Quem impõe essa situação são os organismos internacionais que financiam organizações aqui dentro, para colocar na minha cabeça que eu tenho que ser boazinha e preservar a árvore para que a Europa mantenha a sua estabilidade. Dizem aos povos indígenas que se chegar asfalto e energia em suas terras, a coisa vai ficar violenta, vai haver massacre. Como nas favelas do Rio de Janeiro.
São anos e anos de denúncia e muitas instituições envolvidas: o Instituto Socioambiental (ISA) , o Instituto de Ensino e Pesquisa Indígena (IEPE), ONGs como Saúde e Alegria, o pessoal que recebe dinheiro da Louis Vuitton, gente que recebe dinheiro da Noruega e da França para explorar o nosso território.
A Natura também está sendo investigada. Porque a Natura, conforme o relato de indígenas, paga três reais, por dia, pela coleta de castanhas. Você está na mata o tempo inteiro. Vai passar o dia inteiro, vinte e quatro horas, para ganhar três reais a sua diária? Isso é explorar a pobreza da região. São narrativas construídas para impedir que o Brasil se torne uma potência. E como é que se faz isso? Subjugando um povo, escolhendo castas sociais para manipulá-los.
Esse é o movimento liderado pela esquerda no Brasil, através da dominação cultural, ideológica, do aparelhamento do Estado. Criam narrativas para ampliar impérios e explorar a vulnerabilidade do povo. Nunca farei parte disso. Entede por que é conveniente à esquerda me atacar ?