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Forças Armadas levam dignidade às populações isoladas do Norte

Programa Calha Norte, do Ministério da Defesa, desenvolve ações sociais em mais de 600 municípios

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Operação Acolhida integra iniciativas das Forças Armadas na recepção de estrangeiros. Foto: Ministério da Defesa

MANAUS (AM) – Prosperidade, colaboração, suporte e pertencimento sintetizam a ação das Forças Armadas nas regiões mais isoladas e necessitadas da Região Norte. O Programa Calha Norte, vinculado ao Ministério da Defesa, une forças para dividir conquistas junto à população de 619 municípios.

A atuação do Estado é consolidada em obras para o desenvolvimento econômico e, sobretudo, social da região contemplada. As pequenas comunidades saltam da invisibilidade para o centro de ações assistenciais.

O Calha Norte mantém, neste primeiro semestre de 2022, mais de 1.100 obras em execução distribuídas em 252 cidades, cujos investimentos alcançam R$ 1,6 bilhão. Existem abertos 370 processos de aquisição de bens a serem revertidos ao uso da população de 164 municípios, mais R$ 400 milhões de recursos voltados ao desenvolvimento regional.

O general de Divisão Ubiratan Poty, diretor do Programa Calha Norte, analisa que as atividades são focadas no desenvolvimento em infraestrutura e assistência das menores comunidades, normalmente localizadas em regiões de difícil acesso.

“Eu falo sempre que a lupa do Calha Norte é uma lupa grande para ver o pequeno. Nosso olhar principal, quando recebemos obras que nós sabemos que vai ter um impacto grande na vida daquela pessoa que vive em uma comunidade, nós nos esforçamos mais ainda. São obras de captação, distribuição e tratamento de água, obras de fornecimento de energia, rede elétrica rural, fazendo chegar à pequena população uma energia de qualidade e contínua, escolas, postos de saúde, quadras poliesportivas. Uma infinidade de obras que mudam a vida das pessoas”.

O general Poty elucida ainda que as faixas de fronteira são aquelas que recebem maior atenção, não apenas pelas estratégias de preservação da soberania, mas por abrigarem comunidades carentes, privadas do acesso aos serviços públicos.

“Temos alguns casos nos quais quem está lá representando o Estado Brasileiro é o Exército, ou é a Marinha ou a Força Aérea, devido às dificuldades da região. Então, estamos lá para cumprir a missão de defesa da pátria, contribuindo para a nossa soberania, a garantia da nossa soberania e para a manutenção da nossa integralidade territorial, mas ao mesmo tempo nós estamos olhando também para o desenvolvimento”.

“O programa tem uma capilaridade muito grande, nós estamos em uma cidade no interior do Amazonas [Benjamin Constant], na faixa de fronteira e aqui nós construímos um mercado, onde temos a imagem da população e dos vendedores presentes que contribuem para o fortalecimento da economia local. É a cadeia produtiva do pequeno produtor, então aqui são vendidos os produtos que eles pescam e tiram do rio, trazem aqui para um local adequado e higienizado para vender o seu pescado”, complementa o general.

Assistência Social

Um dos mais importantes braços do programa é a prestação de serviços assistenciais, como ocorre no município amazonense Rio Preto da Eva, cerca de 80 quilômetros da capital Manaus.

O Centro de Convivência do Idoso Antônio Batista Filho é um destes locais de acolhimento construído graças à ação do Calha Norte. Cerca de 400 pessoas são atendidas no espaço que alinha atividades para a promoção da saúde, alfabetização, artesanato e interação.

No momento, as obras da segunda etapa do Centro de Convivência estão em andamento. O engenheiro responsável pelo acompanhamento e fiscalização é o tenente da Marinha Diogo Coelho, que esclarece como são sentidos os impactos do programa federal.

“O que a gente percebe é que por onde o Calha Norte passa cria-se desenvolvimento nas regiões mais longínquas do país, bem como nós temos bastante obras em fronteiras. É interessante que, por mais simples e singelas que pareçam as obras, elas podem nestas comunidades serem a única fonte de lazer, a única fonte de interação, de qualidade de vida que eles têm”, diz.

De acordo com o tenente, para além da melhoria do bem-estar social, as obras também são um incentivo ao desenvolvimento econômico da região. “Os locais que o programa Calha Norte atua são aqueles onde as pessoas não têm acesso a muito, nem à informação, ao saneamento, à saúde pública que a prefeitura tende a oferecer. A partir dessa praça ou dessa quadra, a comunidade passa a se desenvolver nos arredores e impacta na economia. As obras fincam as populações nos locais e geram desenvolvimento”, elucida.

Para os assistidos, a sensação é de pertencimento. Maria Erlandia da Cunha, 65 anos, diz que o apoio é primordial para idosos que não contam com nenhuma outra ajuda. “É muito importante, porque muitos idosos são acamados e eles têm assistência. Quando vão lá visitar, eles levam um médico. Tem a nutricionista, tem a professora, que tem por volta de 26 alunos de alfabetização que estão aprendendo a escrever seu nome”.


Maria Erlandia compartilha sua experiência e integra a equipe de assistência, doando-se um pouco para aqueles que precisam. “Há vezes que eu até vou com elas fazer as visitas, porque eu trabalhei 32 anos na saúde e eu trabalhava com tuberculose e hanseníase. Fazia consultas nas escolas, nas creches, fazia exames de pele. Eu penso que eu senti falta do meu trabalho, mas aqui eu me recuperei, porque a atividade que eu tinha lá, eu consigo ter aqui. Aí não me fez tanta falta, como eu achei que teria”, conclui.

Outro projeto desenvolvido em Rio Preto da Eva, também voltado ao cuidado com a população carente, é o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Flávia Marinho Pacaia, que abre suas portas para cerca de 80 pessoas a cada semana.

A coordenadora do CRAS, Alessandra Rabelo, explica que as atividades são uma parceria com o governo local.

“Aqui a gente realiza atividades socioeducativas, palestras, ações comunitárias, com todos os públicos-alvo: mulheres, crianças e idosos. A gente faz parceria com a Secretaria de Saúde, Assistência Social e atualmente a gente fez uma permuta, uma parceria com a Associação dos Idosos do município”.

Para Alessandra, o espaço era uma necessidade latente. “O Centro Social é de grande relevância para a comunidade porque a comunidade estava desassistida, não tínhamos nenhum espaço para realizar qualquer atividade seja para qualquer política pública, seja assistência, saúde, educação, não tinha espaço para realizar essas atividades. Desde que inaugurou, temos conseguido acessar as famílias e trazer serviço de direito, política pública para as famílias”.

O sentimento de uma segunda família é o relato mais comum dentre aqueles que frequentam o CRAS. Assim como Elde Rabelo, de 68 anos, que diz ter “duas casas”, quando compartilha seus dias com os moradores atendidos.

“Eu me encontrei aqui novamente, porque eu estava travada. Aqui é minha segunda casa, minha segunda família. Além disso, estou realizando o sonho que eu não realizei quando era mais nova, eu queria ser enfermeira, e assim eu faço aqui com os mais idosos que têm maior dificuldade para fazer as coisas. Eu me sinto como se eu estivesse na minha casa”, comenta a aposentada.

O acolhimento faz toda a diferença, comenta José Antônio dos Santos, 72 anos. “Aqui eu só recebo carinho, aqui eu não me sinto mais sozinho, me sinto amparado e eu sou feliz. Para o idoso é tudo alegria quando chega, porque ele é amparado. No meu caso, fico na minha casa também só eu, lá eu sou feliz sozinho, mas aqui sou feliz com todos que me cercam, sou mais uma peça nesta multidão”, diz.

Além dos idosos, o Centro também desenvolve ações com as crianças do município, traçando o acompanhamento do desenvolvimento junto aos pais. Como é o caso de Kezia Rosário da Silva, 36 anos, que leva as duas filhas, Larissa e Elane, 12 e 9 anos, para a convivência no CRAS.

“Eu avalio que é um período da criança não estar na rua, saiu da escola e estão na reunião, eles tiram as crianças das ruas. A gente vê nas horas vagas as crianças nas ruas e nesse horário estão aqui convivendo com os coleguinhas. Creio que isso é que vai ajudando elas a se desenvolverem, ajudando a ser mais expressivas, a dialogar melhor, se comunicarem melhor”, diz a mãe.

Estrangeiros

Nascida há quatro anos, a Operação Acolhida configura como mais uma das ações humanitárias desenvolvidas em parceria com as Forças Armadas do Brasil. O programa é reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um dos mais efetivos no amparo de refugiados e imigrantes no mundo.

O foco da Acolhida são os venezuelanos que cruzam a fronteira com Roraima e buscam apoio no país vizinho. Desde 2017, cerca de 717 mil venezuelanos ingressaram no Brasil, dos quais, 47% deles permaneceram em território nacional.

O general Sérgio Schwingel é o comandante da Operação, que acolhe e administra a situação legal de cerca de 2,5 mil estrangeiros a cada mês. Para o militar, o caráter consistente do Acolhida é o que promove bons resultados.

“A operação tem resultados importantes e significativos, hoje estamos fazendo o ordenamento da fronteira, em Pacaraima, Boa Vista e Manaus, a recepção identificação e triagem. Interiorizamos para mais de 800 municípios, mais de 72 mil venezuelanos, mais de 40 mil venezuelanos já passaram pelos nossos abrigos e já tivemos mais de 2 milhões de atendimentos nas nossas estruturas”.

Com o advento da pandemia, a deterioração da economia do país vizinho foi marcante, este fator é encarado como um desafio ainda maior para a manutenção sustentável do programa assistencial, diz o general Schwingel.

“Estamos com muita dificuldade de capacitação, o nível socioeconômico, intelectual, social dos venezuelanos mudou muito. No início, tínhamos venezuelanos de nível alto, profissionais engenheiros, médicos, hoje o nível já não é tão alto, hoje são pessoas que já viviam nas ruas na Venezuela, e estão acostumadas com as ruas. Convencer que ela não pode ficar na rua e ir a um abrigo não é fácil, não é fácil interiorizar essas pessoas ou integrar na nossa sociedade, estamos tendo esse desafio no dia de hoje”.

O comandante da operação elucida que “a interiorização é o pilar mais importante. Se eu fizer uma comparação de uma torneira de entrada, a torneira aberta é a de entrada. A torneira de saída, que é a interiorização, ela tem que estar mais aberta que a torneira de entrada, porque se não vai colapsar. Se a torneira de saída estiver mais fechada, são abrigos cheios, pessoas nas ruas e a operação vai colapsar, o eixo mais importante é a interiorização, e com a qual nos preocupamos mais”.

Apesar das dificuldades de condução da Acolhida, o programa é um alento e uma nova esperança àqueles que chegam ao Brasil em busca de novas oportunidades e em fuga da pobreza que castiga o país de origem.

Operação Acolhida integra iniciativas das Forças Armadas na recepção de estrangeiros. Foto: Ministério da Defesa

A venezuelana Georgina Castro, 19 anos, atravessou sozinha a fronteira após a pandemia roubar as oportunidades de crescimento profissional e pessoal. Ela está no Brasil há oito meses e, dentro dos próximos três, será enviada a um abrigo localizado no Rio Grande do Sul.

“Aqui no Brasil tem muitas coisas espetaculares, pelo menos porque tenho o privilégio e a segurança daquilo que necessita a nossa comunidade, a comunidade LGTB na Venezuela é alvo de muita homofobia e transfobia, aqui sinto que a minha vida vai mudando pouco a pouco”, diz.

Para Georgina, a decisão de deixar a Venezuela foi triste, mas necessária. “Foi triste e lamentável deixar o meu país, mas o que mais poderia fazer? Eu tinha que tomar alguma atitude para não continuar do jeito que eu estava. Sem trabalho, sem perspectiva de melhoras. Foi desafiador vir para o Brasil, mas na vida temos que estar preparados para enfrentar coisas boas e ruins. Sinto falta do meu país, mas tenho que batalhar pelos meus objetivos”.

O casal Yoselin Arias, 29 anos, e Jonathan Rafael Maita Herrera, 28, trouxeram o filho, o pequeno Santiago Rafael Maita, 6 anos, para o Brasil em busca de condições melhores para criar a criança, longe das dificuldades vivenciadas na Venezuela.

Yoselin está otimista e ansiosa para inaugurar uma nova vida. “Vamos para Brasília, estou feliz e nervosa. Saí da Venezuela, porque queremos uma melhoria para a nossa família, um futuro melhor, uma vida boa, é o que queremos, trabalhar. Estar bem estabilizado como família é só o que queremos”.

A venezuelana lamenta que as condições de vida em seu país eram complicadas. “Na Venezuela não tínhamos trabalho, para conseguir comida era um problema. Já aconteceu de ficarmos muitos dias sem comer. É uma situação horrível, que eu não quero passar nunca mais. Vir ao Brasil significa esperança. Tenho fé de que as coisas serão diferentes aqui”, diz Yoselin.

Meio ambiente

As Forças Armadas estão presentes na Região Norte desenvolvendo mais um importantíssimo papel, o da preservação ambiental. A rica fauna nacional, em especial da Floresta Amazônica, recebe amparo e ações afirmativas de conservação no Calha Norte.

O Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) mantém um zoológico que, além de encantar as visitas, serve de abrigo a animais resgatados e em situação de maus tratos e de perigo.

O Zoo CIGS mantém mais de 300 animais que foram resgatados pelas autoridades ambientais, incluindo IBAMA, ICMBio e polícias ambientais. No momento, existem espécies de aves, mamíferos, répteis e peixes da fauna amazônica.


O processo para o acolhimento é rigoroso, explica o coronel Lustosa, responsável pelos animais mantidos no abrigo. “O animal tem que ser catalogado com guia, pois qualquer coisa diferente disso é tráfico, né? Portanto, os Cetas [Centro de Triagem de Animais Silvestres] recebem os animais e redistribuem”.

Os animais são cuidados, recebem o tratamento de saúde, caso haja necessidade, e passam pela preparação para reintegração à natureza. Em muitos casos, os animais não podem ser reintroduzidos ao seu habitat, devido seu estado físico ou comportamental.

“Por exemplo, o macaco foi capturado onde? A gente faz todo o tratamento com ele, se ele estiver bem, recuperado, leva e solta no mesmo lugar. Mas uma onça que é pegada filhote, 20 dias, 30 dias, ela não tem condição, porque não aprendeu a caçar, a mãe não está junto. O mundo que elas conhecem é esse e nós ficamos com elas aqui”, explica o coronel.

A variedade de animais mostra a situação preocupante de ataques e acidentes ocorridos com os bichos selvagens. Estão abrigadas no Zoo CIGS dez onças pintadas e outras espécies de felinos como jaguatiricas, gatos maracajá, jaguarundi ou gato-mourisco e gato-do-mato. As mais coloridas araras e a majestosa harpia, também conhecida como gavião-real, também integram o plantel de espécies resgatadas.

Repórter viajou a convite do Ministério da Defesa

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