Lula é pressionado a rejeitar acordo por desastre da Samarco em Mariana
Carta aberta de Movimento dos Atingidos por Barragens pede rejeição da proposta das mineradoras Vale e BHP Billiton
Em carta aberta, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) pressionou o presidente Lula (PT) a rejeitar a proposta das mineradoras Vale e BHP Billiton para reparar danos do desastre causado pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015, em Mariana. A associação de vítimas pede ressarcimento de meio trilhão de reais, pela tragédia causada pela Samarco, que matou 19 pessoas e destruiu comunidades e o meio ambiente, no Vale do Rio Doce, poluindo por lama de rejeitos, desde Minas Gerais até sua foz no Oceano Atlânico, no estado do Espírito Santo.
“Defendemos que um acordo coerente deve considerar a centralidade das vítimas e sua reparação integral, não os interesses especulativos e imediatistas de quem há anos segue impune pelos seus crimes. O legado destes prejuízos ficará para os governos resolverem. Quem pagará a conta? Os atingidos? De onde sairá o dinheiro que faltará para garantir a reparação?”, diz um trecho da carta aberta da MAB.
A associação reivindica uma reparação de ao menos R$ 500 bilhões, comparando o ressarcimento ao acordo firmado pela Vale na tragédia de Brumadinho, também em Minas Gerais.
Em junho, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) submeteu às mineradoras Samarco, Vale e BHP uma contraproposta para o pagamento de R$ 109 bilhões para reparação e compensação dos danos ambientais e socioeconômicos causados pelo rompimento de da Barragem de Fundão, em 2015.
O Ministério Público Federal (MPF) e órgãos públicos preveem que o valor seja pago ao longo de 12 anos, para beneficiar diversas cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo, impactadas pelo desastre.
Leia íntegra da carta:
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) solicita que o Governo Federal não aceite a proposta apresentada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton na Mesa da Repactuação Rio Doce e solicita uma audiência para apresentar nossas preocupações e propostas que visam um processo que garanta a participação dos atingidos e respeite a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) com inteira responsabilização das mineradoras.
Os valores apresentados pelas empresas, que buscam um acordo global de aproximadamente R$ 100 bilhões, não serão suficientes para garantir uma reparação integral e justa a todas as famílias atingidas, ou seja, pretendem repassar para o governo federal a obrigação de resolver os problemas não solucionados. Há muito tempo o MAB denuncia que, se comparado ao acordo feito pela Vale em Brumadinho, o valor do acordo de Mariana deveria ser, no mínimo, de R$ 500 bilhões. No exterior, os atingidos estão processando a BHP em busca de indenizações e a conta certamente será muito maior.
Portanto, os valores debatidos nas negociações da Repactuação – cerca de R$ 100 bilhões a serem pagos ainda em 20 anos – são totalmente insuficientes para a reparação dos danos individuais, das compensações coletivas, da recuperação do meio ambiente, tampouco da inclusão de áreas atingidas que nunca foram reconhecidas pelas empresas. É o caso do Sul da Bahia e algumas regiões do litoral capixaba.
Na prática, se comparado com o lucro líquido somente da Vale em 2023, durante 20 anos, o crime custará pouco mais de 10% do lucro de apenas uma das empresas envolvidas. Nestes termos, fica evidente que o crime compensa e que o acordo nos termos que se apresenta é apenas de interesse das mineradoras. Defendemos que um acordo coerente deve considerar a centralidade das vítimas e sua reparação integral, não os interesses especulativos e imediatistas de quem há anos segue impune pelos seus crimes. O legado destes prejuízos ficará para os governos resolverem. Quem pagará a conta? Os atingidos? De onde sairá o dinheiro que faltará para garantir a reparação?
Além do imenso prejuízo para o governo federal e para os atingidos, este acordo será um mau exemplo internacional visto que todas as negociações estão ocorrendo a portas fechadas, coordenadas pelo judiciário brasileiro que nega a participação dos atingidos e mantém os documentos em sigilo. Estamos sendo excluídos dos debates no Brasil e ainda tentam nos impedir de buscar justiça nos países de origem das mineradoras.
Nas últimas semanas, a justiça do Reino Unido revelou que a BHP Billiton incentivou o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) a entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir que municípios movam ações de reparação de danos em cortes estrangeiras. A mineradora concordou em pagar R$ 6 milhões ao IBRAM para tentar calar a voz de dezenas de municípios.
Enquanto isso, BHP e a Vale comemoram recordes de produtividade e distribuem bilhões de reais a acionistas, ano após ano. Lucro que não é utilizado para garantir o mínimo necessário para a reparação: água limpa, tratamento para os crescentes problemas de saúde e indenização justa pelas perdas econômicas, culturais, ambientais e sociais causadas pelo rompimento.
Presidente Lula, a forma como este acordo se encaminha ocorre na contramão ao espírito de reconstrução e união do país, tendo a participação social como um de seus pilares. Somos mais de 1 milhão de atingidos que depositam suas esperanças em busca do que nos foi negado. Não permita que o judiciário, os governos e as instituições de justiça fechem um acordo que decide o futuro de milhares de pessoas sem sequer consultar as vítimas do processo, atingidas e atingidos. Não permita que cometam mais uma violência contra quem já perdeu muito, menos a esperança.
É hora de fazer a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) ser a referência para um acordo justo. Assim, o Brasil pode construir um exemplo internacional a ser apresentado no encontro do G20, no Rio de Janeiro, no mês que marcará os 9 anos do rompimento, e na Conferência do Clima (COP 30), que acontece em novembro de 2025, mês que completa 10 anos do crime do rompimento em Mariana. Uma oportunidade histórica de fazer justiça e mostrar para o mundo como tratar crimes socioambientais para garantir os direitos dos atingidos e a reparação ambiental.
Presidente Lula, diante de tamanho desafio e possibilidades, o MAB solicita uma audiência com Vossa Excelência para apresentar nossas propostas, fruto da experiência de mais de 30 anos de atuação no Brasil e quase 9 anos de lutas do povo atingido na Bacia do Rio Doce e litoral capixaba. Reafirmamos o compromisso com um acordo justo e com participação popular, que amplie direitos e busque a verdadeira reparação integral pelo crime socioambiental em Mariana.