Estudo

Anticorpos associados a doenças autoimunes pode sinalizar a gravidade da Covid-19

Moléculas que atacam células e tecidos do próprio organismo foram detectadas no soro sanguíneo de pacientes infectados pelo coronavírus

acessibilidade:
Foto: Gerd Altmann por Pixabay

Um grupo internacional de pesquisadores encontrou, no soro sanguíneo de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2, um conjunto de moléculas normalmente presente em doenças autoimunes e que podem sinalizar a severidade dos quadros de COVID-19. O estudo foi publicado na plataforma medRxiv, em artigo ainda sem revisão por pares. Futuramente, os resultados podem servir como subsídio para tratar casos graves da doença ou mesmo para evitar a evolução do quadro clínico.

“Uma série de trabalhos tem mostrado que essas moléculas que promovem doenças autoimunes sistêmicas, conhecidas como autoanticorpos, também aparecem na Covid-19. Nós encontramos aqueles associados com pessoas saudáveis e outros cujos níveis aumentam com a gravidade do quadro clínico da Covid-19. Foi possível detectar, por exemplo, autoanticorpos contra duas moléculas com níveis aumentados dias antes do paciente precisar de oxigênio. Com isso, esperamos poder prevenir o agravamento dos casos”, explica Otávio Cabral Marques, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e primeiro autor do artigo.

Marques coordena projeto financiado pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) dedicado a entender como o sistema imune responde à Covid-19. O trabalho é assinado por pesquisadores de Brasil, Alemanha, Estados Unidos e Israel.

O grupo analisou o soro sanguíneo de 246 voluntários recrutados em comunidades judaicas de seis estados norte-americanos que não tinham tomado nenhuma vacina. Destes, 169 tiveram resultado positivo de Covid-19 em testes de RT-PCR, enquanto os outros 77 testaram negativo e não apresentaram sintomas. O grupo de infectados foi subdividido entre quadros leves, moderados e severos.

Ferramentas computacionais mostraram uma associação entre anticorpos e moléculas do sistema renina-angiotensina que, entre outras funções, produz a proteína ACE2 (enzima conversora de angiotensina 2, na sigla em inglês), à qual o vírus se conecta para infectar a célula humana. Os pesquisadores encontraram ainda anticorpos que tinham como alvo os chamados receptores acoplados às proteínas G (conhecidos pela sigla GPCR), que têm funções relacionadas à inflamação e coagulação, entre outras.

Casos moderados e graves tiveram os maiores níveis de autoanticorpos, enquanto o soro do sangue de pessoas saudáveis e com quadros leves registrou níveis consideravelmente mais baixos.

Potencial terapêutico

Autoanticorpos contra 11 moléculas mostraram-se os mais significantes para definir a gravidade dos casos. Dois deles, conhecidos pelas siglas anti-CXCR3 e anti-AT1R, por exemplo, foram detectados em pacientes que alguns dias após a coleta do sangue para o estudo precisaram de oxigênio suplementar.

CXCR3, contra o qual o primeiro deles é direcionado, é um receptor expresso em linfócitos T ativados, sendo alguns deles células imunes de memória. O receptor controla a migração desses linfócitos para um local com inflamação e ajuda no combate à infecção. AT1R, por sua vez, tem função regulatória no sistema circulatório. O anticorpo que atua contra ele aumenta danos no endotélio, a parte interna dos vasos sanguíneos.

Dentre esses autoanticorpos com maior relação com a gravidade dos casos, os pesquisadores chamam a atenção para a presença do anticorpo contra o receptor conhecido como STAB1. Com função de “lixeiro”, o STAB1 elimina restos de células e outras sobras de danos a tecidos. “Não sabemos ainda a função desse receptor no contexto da Covid-19. No entanto, uma vez que ele tem diversas funções relacionadas à homeostase [equilíbrio] tecidual e resolução de inflamação, acreditamos que possa ser relevante para indicar a gravidade da doença”, diz Marques.

Além de trazer mais evidências sobre como a Covid-19 pode evoluir para uma doença autoimune sistêmica, os pesquisadores apontam caminhos para terapias capazes de bloquear a ação desses autoanticorpos. Medicamentos inibidores da ACE2 e da AT1R, por exemplo, têm sido testados em casos graves de Covid-19. No entanto, ainda sem sucesso. O trabalho tem ainda entre os autores brasileiros Paula Paccielli Freire, que realiza pós-doutorado no ICB-USP com bolsa da Fundação; além de Desirée Rodrigues Plaça (20/11710-2), Gabriela Crispim Baiocchi (20/07972-1) e Dennyson Leandro Mathias da Fonseca (20/16246-2), todos com bolsa FAPESP de doutorado direto. (Portal do Governo de São Paulo)

Reportar Erro