Corrupção no futebol

Valcke sabia de US$ 10 milhões para cartola, mas Fifa nega propina

Dinheiro foi repassado a Jack Warner por voto para sede da Copa

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Jérôme Valcke sabia dos pagamentos de US$ 10 milhões (R$ 31,7 milhões) para cartolas no Caribe e foi a ele que uma carta foi direcionada para que a operação fosse realizada e o dinheiro do orçamento regular da Copa desviado. 

Nesta segunda-feira, Valcke foi indicado por uma reportagem do The New York Times como a pessoa que, na Fifa, autorizou o pagamento de US$ 10 milhões (R$ 31,7 milhões) a Jack Warner, um ex-vice-presidente da Fifa e o homem forte do futebol de Trinidad e Tobago.

Os investigadores acreditam que o dinheiro seria uma retribuição ao voto dele pela África do Sul como sede do Mundial, mas em comunicado nesta terça-feira, a Fifa informou que seu ex-diretor financeiro, Julio Grondona, que já faleceu, aliado de Blatter, foi quem autorizou o pagamento do valor, mas não era propina e sim, a pedido do governo sul-africanouma forma de apoiar a "diáspora africana" na região. A entidade garante que não era suborno, mas um programa de desenvolvimento.

Jérôme Valcke, atual secretário-geral, também trabalhava na Fifa naquele momento. Mas, segundo a entidade, não foi ele que assinou a movimentação. 

Numa carta de 4 de março de 2008, porém, é para Valcke que o caso é dirigido. Trata-se de uma comunicação entre a Associação Sul-Africana de Futebol e Fifa (SAFA), sugerindo que o dinheiro fosse colocado sob a administração de Warner. "Prezado sr. Valcke", inicia a carta. O texto pede que ele segure US$ 10 milhões (R$ 31,7 milhões) do orçamento da Copa e depois transfira para o programa mencionado. O documento assinado por M. Oliphant, presidente da SAFA, ainda insiste que Warner seria o "fiduciário" do dinheiro. 

FIFA TEM OUTRA AVALIAÇÃO 

"A pedido do governo sul-africano, e em acordo com a Associação de Futebol Sul-Africano, a Fifa foi solicitada a processar os recursos do projeto ao manter US$ 10 milhões do orçamento do Comitê Organizador Local", disse a nota da Fifa. Segundo a entidade, foram os sul-africanos que instruíram a Fifa a mandar o dinheiro a Warner, naquele momento o presidente da Concacaf. Ele "administraria e implementaria" o projeto. Warner era também o vice-presidente do Comitê de Finanças.

MORTO 

Para a Fifa, quem autorizou o depósito foi "o presidente do Comitê de Finanças" da entidade. Naquele momento, o cargo era de Julio Grondona, o argentino que tinha as chaves do cofre da entidade. "Os pagamentos de US$ 10 milhões foram autorizados pelo então presidente do Comitê de Finanças e executados de acordo com os regulamentos da Fifa", disse. "Nem Valcke nem nenhum outro membro de alto escalão da administração da Fifa foram envolvidos na aprovação, início e implementação do projeto", insistiu a Fifa.

Grondona morreu logo depois da Copa de 2014, num momento que deixou Joseph Blatter abalado. Já Valcke optou por não viajar até o Canadá, um forte aliado dos EUA, para a abertura da Copa do Mundo Feminina, que ocorre no fim de semana. Ele é o principal operador do torneio que, nos últimos anos, ganhou uma nova dimensão na entidade. Fontes em Zurique confirmam que existem temores de que, estando no Canadá, a polícia local possa atender a qualquer momento um eventual pedido de extradição por parte dos EUA.

A vida de Valcke pelo futebol foi marcada por questões judiciais. Ainda fora da Fifa, ele foi citado em um processo na França por chefiar uma empresa citada em casos de evasão fiscal na compra de jogadores. Na Fifa, Valcke teria uma atuação que, em qualquer empresa normal, teria sido severamente punido e condenado. Foi ele que negociou uma troca de patrocinadores de empresas de cartão de crédito. Mas, processado por quem perdeu, viu a Fifa ser obrigada a pagar US$ 90 milhões (R$ 285 milhões) em multas na Justiça americana. Ele era apenas o diretor de Marketing da entidade.

Valcke seria suspenso por alguns meses, mas nunca deixou de receber seu salário. Ao retornar, foi promovido a secretário-geral da Fifa, homem responsável pela organização de todos os Mundiais. Na Copa do Mundo no Brasil, mais uma polêmica. Ele colocou seu filho nas operações do Mundial disputado no País. Sébastien Valcke foi o vice-coordenador-geral para todos os jogos da Copa do Mundo no Maracanã, local do encerramento do Mundial.

A Fifa não respondeu à reportagem. O jornal questionava a entidade sobre as atribuições de Sébastien Valcke no estádio e sobre quem o contratou. Quando o texto foi veiculado, Jérôme Valcke optou por se pronunciar. "Sou pai de quatro crianças, entre eles Sébastien, de 26 anos. Ele é um garoto que foi sempre apaixonado e atraído pelo esporte e ele foi definitivamente marcado por minha carreira", escreveu.

Valcke declarou que ficou surpreso com a dimensão que o assunto ganhou. "Sébastien trabalhou em 2010, na Copa da África do Sul, no estádio da Cidade do Cabo, e ninguém se interessou por isso", disse. "Seu trabalho é saudado por seu coordenador geral e por todos que trabalham com ele". Segundo Valcke, foi o coordenador de competições que entrou em contato diretamente com seu filho com a nova proposta, "levando em conta sua experiência e suas qualidades". "Sébastien aceitou, sem que eu fosse consultado ou que tivesse qualquer intervenção na escolha e em sua decisão final", explicou.

Valcke admite, porém, que essa é uma situação de conflito de interesse e que poderá ser levada à Comissão de Ética da Fifa. "Eu me ofereci de forma espontânea à Comissão de Auditoria e de Conformidade para que me escutassem se quisessem", apontou. "Se eu escutasse uns ou outros, meu filho não deveria estar perto ou longe de uma sociedade que tivesse contatos com a Fifa", disse Valcke. "Mas, de fato, isso significaria um obstáculo para trabalhar globalmente no mundo do futebol, já que a Fifa está em todas as partes. Nunca atuei para ajudar Sébastien negociar um contrato ou, pior, concluir um contrato."

Segundo Valcke, seu filho não trabalha para a Fifa de forma permanente e seu contrato terminava no dia 25 de junho de 2014. "Ele trabalha, por meio de sua empresa que acaba de ser criada, como conselheiro, e isso sem a ajuda minha, do que sou muito orgulhoso". (AE)

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