Argentino teme maior desvalorização do Real frente ao dólar
Guillermo Calvo fala sobre a Argentina e Brasil em entrevista ao jornal Clarín
Calvo é um dos economistas argentinos de maior trajetória acadêmica e renome internacional. Pessimista sobre a economia mundial e sobre seu impacto no país, ele fez um balanço da situação durante a entrevista ao Clarín. E destacou seu temor com uma maior desvalorização da moeda brasileira, que nos últimos dias incrementou sua distância para o dólar. Ele mora em Nova York e esteve em Buenos Aires para dar uma palestra na Universidade de La Plata e aproveitou para ver amigos na capital argentina.
? O senhor vaticinou o efeito Tequila em 1994. E agora vai fazer cinco anos da queda da Lehman Brothers. O que se aprendeu?
? Que os assuntos de liquidez e de bancos são muito importantes para a macroeconomia. E que os países emergentes, como a Argentina, são os mais fracos porque suas moedas são mais frágeis.
Estamos vendo um replay das crises bancárias do século XIX, mas num mundo mais difícil.
Antigamente um país fixava o tipo de câmbio, chegava a um acordo com o FMI, ganhava credibilidade e pronto.
Hoje um país como a Argentina, a que moeda se atrelaria? Ao dólar, ao euro, ao real? Não existe um Banco Central mundial.
? Nesta semana o vice-ministro da Economia da Argentina, Axel Kicillof, disse que é preciso ter uma estratégia caso ocorra uma tempestade internacional.
? Os fatores externos são importantes. E mais importantes são os que vêm do setor financeiro como as taxas de juros dos EUA, por mais que agora estejamos mais isolados.
Ter uma estratégia? Uma vez que os fenômenos são globais, as políticas também devem ser assim. O FMI oferece linhas de crédito contingente que poderiam ser úteis levando em consideração a magnitude dos golpes financeiros latentes.
? E coordenar com o Brasil?
Seria muito importante ter uma região coordenada para enfrentar o mundo que vem aí. Mas não conseguimos fazer isso nestes anos e agora será mais difícil.
? Por quê?
Durante estes anos todos os países da região, exceto o Chile, gastaram dinheiro como se os preços das commodities fossem ficar altos para sempre.
Nesta região somos populistas de alma e meu medo é que ocorram desvalorizações competitivas. A que me refiro? A que o Brasil desvalorize a moeda, depois a Argentina também e assim por diante.
? O governo não obteve o resultado que esperava nas eleições primárias. A economia pode dar uma revanche?
Qualquer pessoa que dirigir esta economia terá um problema sério. Existem desajustes muito fortes e se quiserem consertá-los terão que tomar medidas pouco populares. Levar o tipo de câmbio a um preço de equilíbrio implica uma desvalorização grande. É um problema.
? E o que se pode fazer?
Se o governo me perguntasse o que eu faria com a restrição cambial eu diria ?cuidado ao pensar em fazer reformas pró-mercado ou liberalizantes?.
O mercado funciona quando tem instituições e credibilidade. É a mesma coisa que dar uma Ferrari a um garoto de 17 anos. Eu não dou. Ele pode bater.
? E o que acontece se não há mudanças?
A atividade continuará estancada. E teremos que estar atentos ao que o governo faz. Uma mudança brusca é arriscada. Cristina já não pode dar uma virada pró-mercado.
? Um desdobramento cambial seria uma medida de risco?
Não, isso poderia fazer a economia funcionar melhor porque melhoraria a distribuição de recursos. Veja o que acontece com o déficit no turismo. Sem dúvida deixar o preço do dólar subir em certos setores tem uma virtude e ajuda a aumentar o investimento. Quando a brecha cambial supera 30%, o investimento se distorce.
? A restrição cambial abortou o crescimento da economia? Parecido como o que a coligação política ?Alianza fez em 1999 quando aumentou os impostos?
O governo (de Cristina Kirchner) se meteu com o tipo de câmbio. Proibiu que investidores repatriassem seus lucros e isso é grave porque o país economiza pouco para crescer como vinha acontecendo. A Argentina tem mais problemas do que deveria ter.
Agora, dito isto, é preciso remarcar um aspecto positivo da restrição cambial. E é que Argentina espantou o capital especulativo.
Uma das minhas preocupações é que as taxas de juros baixas no mundo multiplicaram a especulação.
Hoje Honduras, Bolívia e outros países pequenos pedem empréstimos a taxas baixas. Mas cuidado com isso. Tem muito capital especulativo.