'Erro terrível'

Prisão de Guaidó seria ‘último erro’ de Maduro, diz secretária-adjunta dos EUA

Presidente autodeclarado tentará voltar à Venezuela ainda dominada por ditador

acessibilidade:
Kimberly Breier secretaria-adjunta de Estado dos EUA ao encontrar e presidente venezuelano Juan Guaidó, no Brasil. Foto: Twitter de Kimberly Breier

A possível prisão do autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, durante sua tentativa de voltar ao país nos próximos dias, “seria um erro terrível do regime (do ditador Nicolás Maduro), talvez fosse o último erro que o regime cometeria.”

O recado é de Kimberly Breier, secretária-adjunta de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental – na prática, a responsável por políticas para América Latina no departamento de Estado dos EUA, que equivale ao Itamaraty brasileiro.

À reportagem, Breier afirmou que haverá uma “pronta reação da comunidade internacional” se o governo de Nicolás Maduro prender Guaidó -o ditador afirmou que o opositor teria de responder à Justiça quando voltasse ao país, porque estava proibido de deixar a Venezuela.

A secretária-adjunta esteve no Brasil nos últimos dias, preparando a visita do presidente Jair Bolsonaro ao líder americano Donald Trump, que será realizada no dia 19 de março. Ela teve reuniões com o chanceler Ernesto Araújo, com o deputado Eduardo Bolsonaro, e com Guaidó, em Brasília.

​O ditador Nicolás Maduro bloqueou a entrega da ajuda humanitária vinda do Brasil e da Colômbia. Houve cerca de 600 deserções de policiais e militares venezuelanos, número ainda muito pequeno, demonstrando que Maduro ainda mantém o apoio das forças. E agora, quais são os próximos passos?

Kimberly Breier – A ajuda humanitária continua armazenada em Boa Vista, na Colômbia e em Curaçao. Nos próximos dias, continuarão os esforços para fazer a ajuda chegar até quem precisa dela.

Guaidó nos pediu ajuda humanitária para o povo venezuelano, e nós estamos aqui para ajudar e posicionar a ajuda fora da fronteira da Venezuela. Nosso comprometimento continua, hoje [quinta, 28] mesmo pousou mais um avião em Cúcuta com medicamentos, alimentos e água potável.

Já em relação aos militares, a liderança militar precisa decidir se quer ficar ao lado do governo constitucional liderado por Guaidó e ao lado do povo venezuelano.

Mas eu inverteria a sua frase: acho que ter cerca de 500 deserções em uma semana é bastante. E acrescente a isso ter agora 54 países que reconhecem Guaidó, trata-se de uma resposta muito rápida.

Qual seria a maneira de fazer a ajuda humanitária entrar na Venezuela?

Isso depende dos venezuelanos.

Nós entregamos a ajuda que está armazenada em Boa Vista e Cúcuta, e aí os funcionários americanos saem de cena. A partir daí, está nas mãos de Guaidó e ONGs, eles é que precisam ver como fazer a ajuda entrar no país.

Neste momento, como o Brasil poderia ajudar em uma transição democrática na Venezuela?

Um novo grupo emergiu, o Grupo de Lima, e quando forem escritos livros de história sobre a transição democrática venezuelana, eles irão mostrar que o grupo foi decisivo para uma saída pacífica para a crise -e o Brasil foi um membro proeminente do grupo de Lima desde o início.

A liderança do Brasil tem sido extraordinária.

O esforço da região para reagir, unir-se e dizer “chega”, isso vai transformar a maneira pela qual a região trabalha em conjunto. E o Brasil merece muito crédito por seu trabalho, ao receber o presidente Guaidó, concordar em armazenar a ajuda humanitária, e receber migrantes e refugiados.

O que o Brasil pode fazer a partir de agora?

O importante é a região ficar unida e manter a pressão sobre o regime, deixar claro que não há como continuar e que queremos uma transição pacífica.

Guaidó anunciou que voltará para a Venezuela nos próximos dias. Mas Maduro afirmou que o opositor teria de responder à Justiça quando voltasse ao país, porque estava proibido de deixar a Venezuela. O que acontecerá se Guaidó for preso?

Eu me encontrei com o presidente Guaidó na manhã de hoje [quinta] e disse a ele que é uma honra para os EUA poderem apoiar seu governo, e que ele é uma inspiração para nós, sua coragem de enfrentar esse regime tem sido extraordinária. É uma figura transformadora.

Seria um erro terrível para o regime aprisioná-lo, talvez fosse o último erro que o regime cometeria.

Como a comunidade internacional reagiria, se ele fosse preso?

Ele é o presidente da Venezuela e o apoiamos, assim como 54 outros países. Penso que haveria uma pronta reação da comunidade internacional se ele fosse preso.

O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, e o presidente têm dito que as relações entre Brasil e EUA, no atual governo, chegaram a um novo patamar. O que mudou?

Sempre tivemos uma relação muito próxima com o Brasil.

Mas agora temos dois governos que pensam de forma muito semelhante, que encaram da mesma maneira os desafios do mundo de hoje e estão muito animados e dispostos a trabalhar juntos. Temos a visita do presidente Bolsonaro.

Há uma grande oportunidade de avançar em todo o espectro da relação.

Como o Brasil poderia cooperar com os EUA para se contrapor à crescente influência chinesa na região?

A China é a principal questão estratégica para a região.

O envolvimento da China na América do Sul e no mundo não necessariamente segue as regras do sistema internacional.

Há um entendimento emergindo de que todos os países do mundo precisam ficar mais conscientes sobre isso e garantir que instituições internacionais e a OMC fiquem atentos, e estimular os chineses a seguir as regras aceitas internacionalmente.

O secretário (de Estado dos EUA, Mike) Pompeo tem dito que não nos importamos de competir com os chineses, desde que estejamos em condições equivalentes e justas, e que as práticas que eles usam para ganhar licitações e negócios sejam abertas e transparentes.

Se o Brasil puder reforçar essa mensagem, porque chegou à mesma conclusão, será muito positivo.

O novo embaixador chinês, Yang Wanming, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, disse que a empresa Huawei é bem-vinda no Brasil. O diplomata disse também que os EUA estão politizando a questão da Huawei ao pressionar países a restringir a compra de tecnologias da empresa. A senhora acredita que o Brasil deveria se preocupar com a Huawei?

Não existe nenhuma politização.

Trata-se de mais um tema que se relaciona a condições justas e respeito a regras, transparência e abertura, e garantir que qualquer empresa respeite os valores democráticos da nossa sociedade. E é importante por causa da sensibilidade do setor de atuação da Huawei.

A Huawei é um tema de conversa com o governo brasileiro?

Sim, já foi.

Em relação à Base de Alcântara, que negociações estão ocorrendo [para ‘alugar a base’ para lançamento de satélites] e por que é importante os dois países assinarem um acordo de salvaguardas tecnológicas [exigido pelos EUA para garantir a segurança da tecnologia americana de satélites]?

As salvaguardas tecnológicas vêm sendo discutidas entre os dois países por quase duas décadas.

Se conseguirmos chegar a um acordo, seria uma demonstração que a relação foi elevada ao mais alto nível de cooperação.

Os EUA estão prontos para apoiar a entrada do Brasil na OCDE (clube dos países ricos)?

Nós entendemos que essa é uma prioridade clara para o governo brasileiro e temos encorajado o governo a prosseguir com a adesão a vários dos critérios exigidos perla OCDE.

Estamos trabalhando nisso, não quero me adiantar.

Há milhares de agentes da inteligência cubana na Venezuela. Os EUA vêm conversando com Cuba a respeito?

Nós temos sido muito claros, publicamente, ao dizer que Cuba tem atrapalhado bastante no caso da Venezuela, ao sustentar um regime contra a vontade do povo.

Mas não é surpresa que Cuba continue a apoiar esse ditador, considerando se tratar de um país que também não é governado de forma democrática e tem recebido petróleo subsidiado do regime venezuelano.

A senhora acha que o Brasil deveria impor sanções contra o regime de Maduro?

Nós temos usado uma ampla gama de sanções, desde o governo Obama, e estamos aprofundando isso.
Essa abordagem tem como objetivo mudar o comportamento do regime, dificultar que eles continuem fazendo o que fazem, e aumentar a pressão.

Depende do Brasil decidir de que maneira quer pressionar o regime. Mas é importante que exista uma mensagem unificada da região e que a pressão sobre o regime continue.

A dispensa de visto para entrar nos EUA é uma demanda antiga dos brasileiros. Estamos mais próximos disso?

O programa específico (visa waiver, dispensa de visto) é regido por legislação americana, então há uma série de procedimentos que o Brasil teria que adotar para entrar nesse programa.

Mas há outros programas que também facilitam o intercâmbio entre os dois países, como o Global Entry (que agiliza a entrada no país para viajantes pré-selecionados) e o Global Entry para produtos, que temos com México e Canadá, e que seleciona empresas pré-aprovadas.

Estamos examinando diversas maneiras para fazer isso. (Patrícia Campos Mello, da Folhapress)

Reportar Erro