Operação Carne Fraca

PF: salmonela em granjas no PR é consequência de fraudes operadas pela BRF

E-mails indicam suposta 'burla' ao sistema de fiscalização da Agricultura

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O delegado da Polícia Federal Maurício Moscardi Grillo, responsável pela Operação Trapaça, desdobramento da Carne Fraca aberto nesta segunda-feira, 5, afirma que “é razoável afirmar que a contaminação de granjas do Paraná pela bactéria salmonela pullorum é consequência desastrosa das fraudes documentais operadas” pela BRF, empresa do setor de carnes e processados dona das marcas Sadia e Perdigão.

“Além disso, não se tem conhecimento até o momento de o quanto as fraudes relatadas podem estar beneficiando grandes grupos do setor alimentício, em detrimento da saúde pública
e da fiscalização federal sobre seu processo industrial”, escreveu o delegado, no pedido de prisão do ex-presidente da BRF Pedro de Andrade Faria (2015 a 31 de dezembro de 2017) e outras 10 pessoas da empresa, alvos da Trapaça.

As apurações aponta indícios de que diretores e técnicos da BRF adulteravam resultados de análises relativas à presença de salmonela em seus produtos.

O objetivo eraburlar a fiscalização sanitária e continuar exportando para destinos que têm uma tolerância menor à presença da bactéria na proteína, afirmaram os representantes da PF e Ministério da Agricultura, em entrevista coletiva à imprensa na manhã desta terça-feira, em Curitiba.

A salmonela, comum em carnes, é permitida para comercialização até determinados níveis e não é necessariamente é nociva à saúde se a carne for cozida adequadamente. Porém, 12 importadores têm uma exigência mais elevada em relação à presença da bactéria. Estes mercados colocam isso como requisito de restrição para a compra do produto e podem devolver os lotes, caso o nível não seja atendido. Entre os destinos, estão a União Europeia, China, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Rússia e África do Sul.

Burlar. As investigações da Trapaça apontam ser “evidente que o Grupo BRF mantém-se articulado para não permitir que problemas sanitários venham ao conhecimento das autoridades competentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”.

“Articulação esta primorosa, que envolve tentativa de credenciamento de laboratórios junto ao MAPA, não comunicação efetiva aos órgãos responsáveis das irregularidades constatadas, e adulteração fraudulenta de laudos laboratoriais.”

Uma sequência de e-mails, de 23 de fevereiro de 2015, intitulada “Alterações Premix – Auditorias/Fislcalização Mapa”, a funcionária Tatiane Alviero relata para Fabiana Rassweiller de Souza “situação que estava ocorrendo rotineiramente na fábrica de Premix de Chapecó”, sobre necessidade de “burlar” em muitos casos rastreabilidade do material para apresentação em auditorias.

O Premix é “utilizado como complemento vitamínico e mineral às rações fabricadas pela empresa” e a burla estaria em “inserir componentes não permitidos, seja por alterar as porcentagens dos componentes indicadas nas etiquetas”, informa a PF.

O fato integra uma das quatro frentes de fato ilícitos que pesam contra os 11 alvos presos, nesta quinta-feira, assim como os casos de salmonela.

“Tatiane enfatiza que na situação dos lotes enviados no e-mail anterior, dia 20 de fevereiro de 2015, tiveram (Grupo BRF) que alterar 65% dos premixes, além de ter que conferir todos, uma vez que: ‘… como raramente declaramos corretamente os produtos, é necessário reavaliar todos’.”, destaca a representação entregue à Justiça’”

Para a PF, “além das alterações de rastreabilidades para auditorias do MAPA, fica explícito que, ‘com prévio conhecimento’ da empresa, utilizam produtos não declarados em nenhum programa, não sendo possível mensurar quais riscos isso pode acarretar, desde a produção até o consumidor final”.

Fabiana Souza, que seria da área de Assuntos Regulatórios e Registros/Gerência Corporativa de Rações da BRF, manda o e-mail da funcionária com os relatos para Ivomar Oldoni, Augusto Heck e Valter Vivan, descrevendo o relato e enfatiza os pontos “de muita fragilidade”.

A PF destaca o trecho da mensagem em que Fabiane diz “que teme, em algum momento, ser um risco o qual não possa contornar as questões trazidas por Tatiane”.

Na sequência de e-mails, no dia 24 de fevereiro Edenir Medeiros da Silva, que seria gerente de Produção e Operações Agropecuárias à época, desligado da BRF em maio de 2015, escreve para Tatiane Alviero e questiona quem seria o responsável pelas formulações do Premix.

A funcionária responde quem são os responsáveis na empresa e que “existe uma lista do MAPA com os parâmetros mínimos e máximos permitidos por fase de produção, o que por vezes não é atendido, pois utilizam produtos a mais, tendo que ‘BURLAR’ os relatórios encaminhados ao MAPA”.

Nesse trecho do pedido de prisão, a PF destaca que no e-mail Tatiane reforça a Edenir “sobre a utilização irregular de medicamentos por unidades e que precisam ocultá-los nas auditorias”. “Em razão dos questionamentos, Medeiros indaga Tatiane se teria como andarem dentro da lei, no que recebe como resposta: ‘Ter tem, mas hoje é uma estratégia da empresa…'”, conforme e-mail anexado no início dessa reportagem.

“Nesta frase bastante característica, Tatiane demonstra que o Grupo BRF possui um direcionamento no sentido de atuar à margem da legislação, independentemente do risco que
isso poderia trazer ao consumidor”, escreve o delegado.

Trapaça. A operação que prendeu Pedro de Andrade Faria e outros executivos da BRF é resultado das investigações das primeiras fases da Operação Carne Fraca – deflagrada em março de 2017, e tinha unidades da BRF entre os alvos.

Com a análise de delações premiadas e de material apreendido e a descoberta de provas em um processo trabalhista de ex-funcionária, a PF identificou que diretores e equipe técnica do grupo estariam “reiteradamente praticando ações articuladas” para “burlar a fiscalização federal sobre seu processo industrial, especificamente escondendo das autoridades sanitárias federais a contaminação de aves, destinadas ao consumo humano, por agentes patógenos, por meio de adulterações em resultados de exames laboratoriais” – conforme registrou o juiz Andre Wasilewski Duszczak, da 1.ª Vara Federal de Ponta Grossa.

Em sua decisão, o magistrado analisou “a responsabilidade criminal, em tese, de cada uma das pessoas cuja prisão foi requerida” pelo MPF e detalhou quatro conjuntos de fatos ilícitos sob investigação na Trapaça.

“O primeiro conjunto de fatos ilícitos que enseja a prisão cautelar de investigados é a ocultação da ocorrência da bactéria Salmonella pullorum nas matrizes da BRF S/A (contaminação que enseja notificação compulsória às autoridades sanitárias), e de todas as condutas ligadas a essa ocultação, que culminaram com o abate irregular de aves contaminadas e sua ilegal destinação para consumo (em vez de sofrer o descarte sanitário)”, afirmou.

Em 2017, uma granjeira do interior do Paraná procurou a PF, após a deflagração da Carne Fraca e relatou ilícitos na BRF.

O segundo conjunto de fatos ilícitos, trata dos pedidos de prisão dos ex-presidente e ex-vice-presidente da BRF, além das pessoas envolvidas com a ocultação da denúncia feita pela ex-funcionária da área de laboratórios da empresa Adriana Marques de Carvalho, que revelou para a PF a ciência de Pedro de Andrade Faria – que comandou o grupo entre 2015 e 2017 – dos ilícitos e sua suposta atuação ativa para ocultá-los.

O terceiro conjunto de fatos ilícitos que enseja a prisão cautelar de investigados é a utilização sub-reptícia, pela BRF S/A, de laboratórios, inclusive descredenciados pelo MAPA, para viabilizar a operação de plantas industriais que deveriam estar paralisadas por contaminações de patógenos.

O quarto conjunto, é “a prática corriqueira da empresa BRF em adulterar a rastreabilidade do composto Premix”. (AE)

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