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MP usa investigação americana em acusação de cartel

EUA revelaram como consultores foram usados pela Alstom para pagar propina em ao menos 5 países

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As investigações de autoridades americanas contra a Alstom serão usadas pelo Ministério Público Estadual de São Paulo para reforçar a acusação contra o conselheiro do Tribunal de Contas Robson Marinho – que está afastado do cargo sob suspeita de receber propina em um contrato de energia – e contra a própria empresa francesa no caso do cartel dos trens em São Paulo.

Nos EUA, a Alstom foi multada em mais de US$ 700 milhões por conta da corrupção em cinco países diferentes (Egito, Arábia Saudita, Taiwan, Bahamas e Indonésia). Mas é a forma pela qual a empresa atuava que chamou a atenção dos procuradores brasileiros.

A investigação do Departamento de Justiça dos EUA revelou que a Alstom usava intermediários e consultores que, por mais de dez anos, percorriam o mundo para distribuir em nome da empresa francesa propinas para garantir contratos públicos no quatro cantos do planeta. Eles usavam nomes como “Mr. Paris”, “Mr. Geneva” ou simplesmente “Homem Silêncio”.

Os promotores paulistas suspeitam que a forma pela qual propinas eram pagas seguia o mesmo padrão revelado pelos americanos: o envio de recursos para consultorias que emitiam notas frias. O dinheiro então era usado para comprar o apoio de funcionários públicos.

A investigação do Ministério Público Estadual corre paralelamente a um inquérito da Polícia Federal que apura o mesmo caso. Nesse inquérito, os policiais federais detectara o trabalho de um consultor. Trata-se de Arthur Teixeira, que atuava em contratos metroferroviários durante governos tucanos em São Paulo. Teixeira já foi indiciado, junto com ex-diretores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM,), estatal ligada ao governo estadual.

Valores. Pelos documentos americanos obtidos pelo Estado de S. Paulo, entre 2000 e 2011, a gigante francesa teria pago pelo menos US$ 75 milhões para conseguir garantir contratos no valor de US$ 4 bilhões nos cinco países alvo da investigação. Esses contratos garantiram lucros de US$ 294 milhões para a empresa e o esquema, segundo os documentos.

Esses documentos agora serão traduzidos e usados em São Paulo para reforçar os indícios levantados contra Marinho e contra a Alstom, apontando que a prática no Brasil seguia a mesma estratégia da empresa no restante do mundo.

Em dezembro, a multinacional francesa fechou um acordo com o Departamento de Justiça americano para pôr um fim na investigação sobre supostas violações à Lei Contra Práticas Corruptas Estrangeiras (FCPA) nos Estados Unidos. Após vários anos de negociação e discussões com as autoridades locais, duas subsidiárias americanas, Alstom Power Inc. e Alstom Grid Inc. (antiga Alstom T&D Inc.) concordaram em confessar a culpa por violação dos livros e registros e provisões de controles internos e pagar uma multa de aproximadamente US$ 772 milhões.

No Egito, Arábia Saudita, Taiwan, Bahamas e Indonésia, a empresa se lançou em uma operação de larga escala de distribuir propinas a pessoas que poderiam influenciar na escolha do fornecedor e dos vencedores de contratos.

Segundo constatou a Justiça americana, na Arabia Saudita, intermediários que eram conhecidos nos documentos oficiais da empresa como “Mr. Paris” ou “Homem Silêncio” distribuíram US$ 49 milhões para funcionários públicos e políticos com o poder de influenciar na decisão de quem ficaria com os contratos.

Os franceses disputaram contratos avaliados em US$ 3 bilhões no reino saudita e, para isso, criaram uma dúzia de consultores que emitiam notas frias por trabalhos jamais realizados. O dinheiro que era enviado a eles pela Alstom era, depois, distribuído a uma rede de políticos locais.

Entre os consultores mencionados nos documentos oficiais da Alstom e apreendidos pelos americanos estavam intermediários conhecidos como ?Mr. Geneva? ou ainda “Velho Amigo?.

“O objetivo desses consultores não era dar serviços legítimos para a Alstom, mas pagar propinas a autoridades que tinham a habilidade de influenciar nos contratos”, indicou a Justiça americana em sua investigação.

Para realizar os pagamentos e escolher quem deveria receber a propina, a Alstom chegou a fazer um levantamento de quem era quem dentro do regime saudita. Num documento de janeiro de 2000, a empresa citava um funcionário público considerado como tendo “uma reputação honesta”. Mas apontava que “seu filho era conhecido por aceitar negociar”.

Para convencer a autoridade “honesta”, a Alstom se utilizou de um amigo seu que, nos documentos da empresa, passou a ser chamado de “Mr. Paris”. Ele recebeu US$ 4 milhões para “trabalhos de consultoria” e repassou o dinheiro ao saudita. Se não bastasse, a empresa ainda enviou US$ 2,2 milhões a um centro de educação islâmica nos EUA, ligado à autoridade saudita.

Um dos nomes citados nos emails e documentos apreendidos era ainda o do “Homem Silêncio” (Quiet Man), outro consultor que, instruído pela Alstom, percorria o mundo distribuindo dinheiro a quem a empresa considerasse que era fundamental para ganhar contratos.

Já o consultor conhecido apenas como “Mr. Genebra” era o irmão de um dos conselheiros da empresa elétrica saudita.

“O esquema de corrupção da Alstom foi mantido por mais de dez anos e em diversos países”, destacou o vice-procurador-geral dos EUA, James Cole. “O esquema era impressionante em sua profundidade, clareza e consequência mundial”.

Uma usina de energia na costa de Sumatra, na Indonésia, também foi alvo da propina. Uma vez mais, intermediários foram usados para pagar membros do parlamento indonésio.

Em 2004, a Alstom ainda transferiria 5 milhões de euros a um consultor com contas na Alemanha para garantir a obra do projeto de Nubaria, no Egito. Naquele mesmo ano, o consultor receberia mais US$ 3 milhões, inclusive no banco Credit Suisse em Genebra.

Prisão. O que chamou a atenção dos investigadores americanos ainda foi uma troca de emails entre uma funcionária e a direção da empresa. Em dezembro de 2013, uma empregada do setor financeiro rejeitou fazer um pagamento a um consultor, exigindo “maiores detalhes” sobre o serviço que ele teria prestado no Egito.

A funcionária desavisada não havia entendido que aquele dinheiro não tinha explicação, salvo o pagamento de propinas.

Dias depois, numa ligação interceptada, a empregada receberia uma chamada de um diretor com sede nos EUA que a avisou: “Se você quiser ver várias pessoas colocadas na prisão, continue a mandar esse tipo de emails”. Na ligação, o diretor a exigiu que apagasse todos os emails sobre o consultor.

Ao ser multada, a Alstom apenas declarou que “lamentava profundamente” os “erros do passado”. (Jamil Chade/AE)

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