Mesmo se recorrer

Moro: autor de crimes contra Tesouro deve ficar preso

Juiz teme fuga de Nestor Cerveró, que tem dupla nacionalidade

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Ao condenar o ex-diretor de Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró a uma pena de cinco anos de prisão em regime fechado, o juiz federal Sérgio Moro, que conduz as ações da Operação Lava Jato, defendeu a necessidade de autores de “crimes graves” praticados contra a administração pública permanecerem presos mesmo durante a fase de recursos às instâncias superiores. Para Moro, o réu deve ficar sob custódia especialmente quando “o produto do crime” não foi recuperado em sua integralidade.

Cerveró foi condenado nesta terça feira, 26, por lavagem de dinheiro na compra de um apartamento de luxo situado em Ipanema, zona Sul do Rio, avaliado em R$$ 7,5 milhões. O juiz Moro ordenou, ainda, o confisco do imóvel – após a alienação, o produto da venda será revertido à “vítima dos crimes antecedentes, a Petrobrás”.

O Ministério Público Federal acusa Cerveró de ter adquirido o imóvel com “recursos provenientes de crimes de corrupção praticados enquanto diretor Internacional da Petrobrás, ocultando e dissimulando não só a origem e natureza criminosa dos recursos utilizados, mas igualmente o fato de ser o real proprietário dos recursos e por conseguinte do bem adquirido”.

Cerveró é réu, ainda, em outra ação criminal, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – ele teria recebido US$ 30 milhões em propinas na contratação de navios sondas da estatal, em 2006 e em 2007, em parceria com o lobista Fernando Falcão Soares, o Fernando Baiano, suposto operador do PMDB na Petrobrás.

Cerveró já está preso, em caráter preventivo, desde janeiro de 2015. Ao impor cinco anos de prisão para o ex-diretor em regime fechado, o juiz da Lava Jato foi enfático ao descrever o risco de Cerveró em liberdade e da pulverização do patrimônio ilícito.

“Quanto aos fundamentos da medida, presente risco à ordem pública e à aplicação da lei penal, uma vez que a maior parcela do produto milionário dos crimes contra a administração pública não foi recuperada, com risco concreto de novas condutas de ocultação e dissimulação do produto do crime, bem como de dissipação do patrimônio auferido com meios criminosos, sendo que, no presente caso, identificadas condutas da espécie no curso das investigações.”

O juiz da Lava Jato destaca o fato de Cerveró ter nacionalidade espanhola, também. “Não se pode correr o risco de que autores de crimes graves contra a administração pública possam escapar da Justiça e ainda fruir, refugiados, do produto milionário de sua atividade criminal. Tal risco aqui é agravado pela dupla nacionalidade do condenado, o que coloca em dúvida o êxito de eventual pedido de extradição caso, solto, se refugie em outro país.”

Recentemente, o juiz defendeu a importância da aplicação do decreto de prisão já nos casos de condenação em primeiro grau. A proposta de Sérgio Moro, endossada pela presidência da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), provocou forte reação de juristas e criminalistas.

Na sentença em que condena Cerveró a 5 anos de prisão, o magistrado voltou a abordar o tema e realçou que o ex-diretor já está preso, em regime preventivo, por ordem sua, desde janeiro de 2015. “Assim sendo, pela persistência do risco à ordem pública e do risco à aplicação da lei penal que motivaram o decreto de preventiva, aliado à confirmação de seus pressupostos, e à gravidade em concreto das condutas delitivas atribuídas a Nestor Cuñat Cerveró, deve ele responder preso cautelarmente a eventual fase recursal, como, no entendimento deste julgador, deveria ser a regra em casos de crimes graves praticados contra a administração pública, especialmente quando não recuperado em sua integralidade o produto do crime.”

“Considerando que há provas do envolvimento de Nestor Cuñat Cerveró no esquema criminoso da Petrobrás, que o esquema envolveu o pagamento de propinas em contas secretas no exterior e a sua submissão a complexos esquemas de lavagem de dinheiro, que ainda não se conhece a extensão do patrimônio do condenado, já que há indícios de que mantém parte dele oculto ou dissimulado, sendo o imóvel em questão (apartamento de Ipanema) apenas uma parcela, e que há indícios, de que o condenado estava dissipando seu patrimônio durante a fase de investigação, forçoso reconhecer a presença do risco à ordem pública e à aplicação penal.”

Moro decidiu que enquanto não for identificado todo o patrimônio de Cerveró “e recuperado integralmente o produto dos crimes antecedentes, permanece o risco da prática de novos crimes de lavagem que previnam o seu sequestro pelo poder público, caracterizando risco à ordem pública, pela reiteração delitiva, e à aplicação da lei penal, pela dissipação do produto do crime”.

O juiz da Lava Jato registra que a prisão cautelar de Cerveró foi mantida em todas as instâncias recursais e superiores – no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal.

Há uma semana, a Corte máxima da Justiça rejeitou habeas corpus para Cerveró. O STF acentuou que a “necessidade da custódia está justificada em razão da continuidade da prática de supostos crimes de lavagem de dinheiro com o intuito de dissipar patrimônio obtido, em tese, com o proveito dos crimes, assim como em razão da eventual ocultação de passaporte espanhol, o que representaria risco de fuga”.

Sobre o crime imputado a Cerveró na compra do apartamento de R$ 7,5 milhões em Ipanema, o juiz da Lava Jato fez uma exposição sobre o tema que é de seu amplo domínio, o combate à lavagem de dinheiro.

“Importante destacar que esta ação penal não tem por objeto os crimes antecedentes à lavagem de dinheiro. Há, em processos por crimes de lavagem, uma usual confusão entre o crime antecedente e o crime de lavagem. Devido ao princípio da autonomia do crime de lavagem veiculado no artigo 2º, II, da Lei nº 9.613/1998, o processo e o julgamento do crime de lavagem independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes. Não é preciso, portanto, no processo pelo crime de lavagem identificar e provar, com todas as suas circunstâncias, o crime antecedente, pois ele não constitui objeto do processo por crime de lavagem.”

Moro pondera que “basta provar que os valores envolvidos nas condutas de ocultação e dissimulação têm origem e natureza criminosa”.

“Em casos envolvendo lavagem de produto de crimes complexos, a prova disponível da origem e natureza criminosa dos recursos envolvidos será usualmente indireta ou indiciária no sentido técnico do artigo 239 do Código de Processo Penal.”

O juiz assinalou que o período em que “o condenado” encontra-se preso cautelarmente, desde 14 de janeiro de 2015, deve ser computado para fins de detração da pena. Mas ressalvou. “O período em que ele ficou preso cautelarmente não autoriza a alteração do regime inicial de cumprimento da pena”.

Ao fixar regime inicial fechado de prisão para Cerveró, o juiz mencionou precedente do Supremo Tribunal Federal. (AE)

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