DESRESPEITO E MICO

Governo de Alagoas frustra ida de alunas a evento científico na Colômbia

Estado não banca viagem e quer calar inventoras de cicatrizante

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Desrespeito e frustração foi o sentimento de três estudantes de escola pública de um dos estados com os piores índices de analfabetismo do Brasil, depois de terem frustrado o sonho de sair do interior de Alagoas para representar o Estado em um evento científico na Colômbia, na última terça-feira (29). Depois de muito esforço para garantir patrocínio para a hospedagem, o trio de alunas que inventou uma pomada para acelerar a cicatrização de ferimentos de diabéticos não viajou para expor o invento, porque a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) não liberou as passagens.

A imagem das estudantes, com malas prontas, à porta da pasta da Educação do governo de Renan Filho (PMDB) rodou as redes sociais e os grupos do aplicativo do WhatsApp. A foto foi publicada pela estudante Maria Beatriz de Macedo, de 16 anos, que aparece ao lado das outras duas colegas e jovens cientistas da Escola Estadual Professora Izaura Antônia de Lisboa, do município de Arapiraca, de onde saíram cedo, imaginando que conseguiriam as passagens para atender ao convite para o Encuentro Latinoamericano de Semilleros, Jóvenes e Investigadores, na cidade colombiana de Valledupar.

“Parece uma foto feliz? De fato teria tudo pra ser… Nosso sonho de levar nosso projeto para fora do país, para representar nosso país que anda tão complicado, nosso Estado e a todos os estudantes da escola pública. Hoje, por essas horas, já deveríamos estar a caminho da realização desse sonho […], mas infelizmente as passagens não foram liberadas, depois de exatamente 90 dias do processo enviado para a liberação do Estado, chegamos até Maceió, de malas prontas e fomos surpreendidas com a notícia de que o governador não teria assinado e infelizmente não poderíamos viajar”, escreveu a menina cientista Beatriz, em seu perfil do Facebook.

Veja o desabafo completo:

MORDAÇA

O relato da adolescente ganhou proporções políticas e sociais enormes, para além do município do Agreste de Alagoas, a ponto de sua escola ser pressionada por integrantes do governo e determinar que as meninas não falassem mais sobre o assunto com a imprensa, sem a presença da direção da escola. 

“Entramos em acordo com a direção, porque esse assunto repercutiu de uma forma muito grande, e a gente está sendo prejudicada bastante. Porque, secretaria e direção, todo mundo está caindo em cima da gente. E, como a gente é de menor, tem todo o protocolo e precisamos entrar em acordo com a direção. Ficou certo de que só quem poderia fazer matérias seria na escola. Se você quiser fazer matéria, você vai lá na escola e a gente faz isso em consenso com todo mundo. Caso contrário, a gente não vai poder fazer, para não ter nenhuma desavença”, disse ao Diário do Poder uma das estudantes que foram caladas pelo mesmo Estado que deveria incentivá-las ao exercício da cidadania plena, desde cedo.

A publicação da foto, no perfil de Beatriz ficou indisponível para visualização nessa quinta-feira (30), provavelmente retirada do ar pela menina. Mas recortes do retrato da frustração seguem circulando pela internet.

O Diário do Poder pediu para que uma das menisas perguntassem aos seus pais, se gostariam de se pronunciar. E também tentou entrarm em contato com a diretora da escola, a professora Valéria. Mas não obteve sucesso.

As jovens pesquisadoras, de origem humilde, buscaram patrocínio e organizaram rifas para poder arcar com os custos da estadia e alimentação na Colômbia, para onde, além delas, somente outros dois grupos de estudantes brasileiros foram convidados. E Beatriz fez questão de nominar e agradecer a todos os patrocinadores.

O processo para a liberação das passagens começou a tramitar em 31 de maio deste ano. E tinha, como prazo final para a aquisição das passagens, as 13h da terça-feira (29), horário do voo.

‘FOI CIRCO’

Um integrante do governo chegou a pedir ao Diário do Poder para que a reportagem sobre o assunto não fosse publicada, alegando que seria “pagação de mico”, porque uma representante da escola teria trazido as meninas para “fazer esse circo todo” em Maceió, sabendo que o processo não teria avançado, porque “não foram ao Gabinete Civil e o governador sequer sabia do pleito” endereçado à pasta comandada pelo seu vice, Luciano Barbosa (PMDB).

Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Educação encaminhou nota ao Diário do Poder, alegando que o processo não conseguiu avançar em tempo hábil, por se tratar de uma viagem internacional.

Leia a explicação oficial:

A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) relata que abriu o processo para custear as passagens, no entanto, como se trata de viagem internacional, a tramitação não ocorreu em tempo hábil. A professora responsável, que já viajou com diversos projetos para outros estados e para fora do país, estava ciente e conhece a tramitação. A vinda das estudantes para Maceió não estava autorizada pela Seduc, que jamais iria expor estudantes a tal situação.

A secretaria salienta ainda que só em 2017, seis equipes foram enviadas à Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), em São Paulo, com todas as despesas custeadas pelo órgão. Bem como para a Expoceti, em Pernambuco. Inclusive, as estudantes que iriam para a Colômbia já haviam apresentado os trabalhos nestas feiras.

Vale ressaltar que diante da crise que assola o país, a Seduc ainda está conseguindo realizar muitas ações, graças ao planejamento financeiro. Como, por exemplo, promover o II Encontro Estudantil, com mais de 1.800 estudantes que participaram da feira de ciências, da mostra de robótica e de apresentações artísticas. 

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