'Estatal do sangue' a Hemobrás só deve sair em 2017
Idealizada para tornar o País autossuficiente em derivados de sangue - produtos caros e essenciais para tratamento de hemofilia, infecções e doenças autoimunes
Depois de dez anos de criação e três “inaugurações”, a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) ainda não tem produção própria.
Idealizada para tornar o País autossuficiente em derivados de sangue – produtos caros e essenciais para tratamento de hemofilia, infecções e doenças autoimunes – , a empresa reúne em seu currículo licitações anuladas por denúncias de irregularidades, erros de projetos e superfaturamento de contratos. O atraso no empreendimento é tamanho que, quando a produção finalmente tiver início, um dos hemoderivados preparados pelo complexo poderá ter uso limitado, em razão da tecnologia ultrapassada.
“Estamos fazendo as adaptações com avião em pleno voo”, justifica o presidente da Hemobrás, Rômulo Maciel Filho. O atraso no empreendimento será de pelo menos sete anos. Na previsão inicial, a obra deveria entrar em funcionamento em 2010. O prazo foi prorrogado para 2014 e, agora, empurrado para 2017. As atividades devem começar pela albumina, um hemoderivado de mais fácil obtenção. “A produção total começa apenas em 2020”, diz Maciel Filho.
Assim como o calendário, o orçamento também foi alterado. O empreendimento, que inicialmente deveria custar R$ 539,731 milhões, agora é calculado em R$ 855,591 milhões (veja abaixo). Os prejuízos provocados pelo atraso nas obras vão além da simples diferença no orçamento. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o andamento dos serviços observa que os atrasos obrigam o governo a manter a compra de produtos no exterior. Apenas em 2010, segundo a Hemobrás, foram pagos US$ 300 milhões com a importação de hemoderivados. O TCU avalia que o custo teria sido reduzido pela metade se a produção fosse nacional. Sem falar nos tributos.
Obsoleto
Além dos erros, denúncias e atrasos, quando a fábrica abrir, um dos produtos, o Fator VIII plasmático, poderá já estar obsoleto e com uso restrito. Isso porque outro Fator VIII, mais seguro, feito por tecnologia recombinante, está sendo usado e também será produzido no País. “É uma questão importante que, uma hora ou outra, o conselho da Hemobrás terá de se debruçar e discutir”, diz Maciel Filho.
O coordenador do Departamento de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde e ex-presidente da Hemobrás, João Paulo Baccará, discorda. Ele garante que o projeto inicial já previa que o fator VIII plasmático, que será produzido por meio de tecnologia transferida pela empresa francesa LFB, seria suficiente para atender 10% da demanda. “E esses 10% sempre serão necessários, porque há pacientes que não se adaptam ao produto recombinante.”
Construída em Goiana (PE), a 60 quilômetros do Recife, a fábrica terá 17 prédios, com 48 mil m2 construídos. Desse complexo, foram inauguradas uma câmara fria para a estocagem do plasma – com base no qual são fracionados hemoderivados -, um prédio para geradores de energia e um reservatório.
Maciel Filho diz que o atraso é resultado da combinação de vários fatores. “A empresa começou do zero. Não tinha corpo diretivo, não havia parceiro internacional.” Para o TCU, porém, atrasos podem ser atribuídos à condução de processos “sem a devida cautela”. A licitação para construção do primeiro bloco foi anulada, por suspeita de irregularidades. Houve problemas na execução de contratos e adaptação de acordos realizados com as empresas.
Alterações
A condução das obras é responsabilidade do consórcio Mendes Júnior. Na época da assinatura do acordo, em 2011, estava prevista a construção de instalações para produzir imunoglobulina liofilizada. A transferência da tecnologia seria feita pela empresa francesa LFB. Meses depois, a primeira mudança: após 8% da execução física medida e paga, o contrato com LFB foi alterado de produção de imunoglobulina liofilizada para líquida. E o projeto teve de ser alterado.
Outra justificativa foi a necessidade de se “tropicalizar” o projeto, preparado pela LFB. A empresa diz ser necessário adequá-lo aos insumos brasileiros. Para o TCU, a justificativa não convence. O termo, afirmam técnicos, deve ser considerado como falha de planejamento. “Desde o início estava previsto o local de execução. Sendo francesa a contratada, natural que fossem consideradas diferenças para a sede da empresa contratada.”
Há mais falhas no contrato com a Mendes Júnior. Como o pagamento é mensal, quanto mais tempo dura a obra mais dinheiro a empresa recebe. Atendendo ao TCU, a Hemobrás determinou a mudança das regras, mas há resistência da construtora, que, por sua vez, reduziu o número de funcionários nos canteiros de obras. O orçamento para a construção teve redução de R$ 10,5 milhões por sobrepreços e erro no cálculo de material necessário.(AE)