Violência contra a mulher

Delegada é punida por pedir delegacia 24h a Renan Filho

Fabiana Leão deixará Delegacia da Mulher vítima de perseguição

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Um pacote de mudanças para remoção de delegados da Polícia Civil está prestes a ser publicado no Diário Oficial do Estado de Alagoas e já vem sendo tratado pelos agentes de segurança pública como um ato ilegal, de ingerência e até mesmo de perseguição política e desrespeito aos resultados obtidos na redução da violência. Mas foi na tarde desta quinta-feira (18) que a insatisfação atingiu seu ápice, com um desabafo indignado feito pela delegada Fabiana Leão, que deixa de comandar a Delegacia da Mulher, com competência e devoção reconhecidas pela sociedade, após oito anos.

E qual o motivo para transferir a delegada que produz quase cinco vezes a meta exigida mensalmente? A resposta é que ela, uma mulher sem apadrinhamento político, pediu diretamente ao governador Renan Filho (PMDB) melhoria para a política pública de proteção às mulheres vítimas de violência, sem “autorização” do homem que dirige a cúpula da Secretaria da Segurança Pública de Alagoas (SSP/AL), coronel Lima Júnior.

A despedida e a denúncia da delegada foram feitas durante um evento que discutia a violência contra a mulher, na sede da Seccional Alagoana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AL), em Jacarecica.

No auditório lotado, Fabiana Leão comoveu os presentes e foi aplaudida de pé após revelar que resistirá à sua transferência da Delegacia da Mulher, porque esta contraria a legislação e fora motivada por uma atitude “machista e antidemocrática” do secretário de Segurança Pública e do delegado-geral da Polícia Civil, Paulo Cerqueira.

Um mandado de segurança deve ser apresentado para impedir a remoção não fundamentada, como determina a Lei Federal 12.830/2013.

Denúncia foi em evento na OABLei da mordaça

Ambos os gestores da cúpula da Segurança Pública teriam se sentido “hierarquicamente desrespeitados” pela delegada. O motivo dos aplausos foi que tal “insubordinação” alegada pelos seus superiores foi a atitude proativa de Fabiana Leão em sugerir a implantação do regime de atendimento 24h às mulheres vítimas de violência doméstica na capital alagoana, por meio de ofício enviado há cerca de três meses ao governador Renan Filho (PMDB), com cópia para Lima Júnior e Paulo Cerqueira.

“É a lei da mordaça, é? Quer dizer que eu, como cidadã, por ser delegada, não posso me dirigir a qualquer autoridade e emitir minha opinião? É uma inversão de valores. E acho que um desmerecimento ao problema da violência doméstica fica mais do que sacramentado e claro, em um Estado que ainda vive a mentalidade medieval de recepcionar isso como sendo de nosso cotidiano. É uma perseguição clara. Não é uma questão política. Mas de valores e prioridades dos gestores, em nome de um governante, porque acredito que o governador não concorde”, disse Fabiana Leão, ao Diário do Poder, ao comentar sobre os motivos de sua transferência.

Na última quarta-feira (17), a delegada ouviu do secretário que, no pensamento dele e do governador, um delegado deveria ser mudado de tempos em tempos, de quatro em quatro meses. Mas Fabiana Leão reagiu, ressaltando que considerava o modelo de transferência como um prejuízo público enorme, porque os governos anteriores investiram em reiteradas capacitações para que ela fosse uma delegada especializada, para depois ser transferida, por exemplo, para Santa Luzia do Norte, para onde foi removida, conforme publicação no Diário Oficial desta sexta-feira (19).

Capazes e incapazes

O secretário coronel Lima Júnior não soube explicar à delegada qual a falta funcional que justificaria a transferência para o interior. Mas admitiu que se sentiu incomodado com o que considerou quebra da hierarquia, na “intromissão” de Fabiana Leão na política que ele comanda.

Na realidade, ao tomar a iniciativa de Fabiana Leão acreditou no discurso da campanha do governador Renan Filho, que havia garantido aos alagoanos, em 2014, compromisso com o interesse público acima das questões particulares, da vaidade e da política, seja partidária ou interna. Além disso, orientou na posse em 2015, que seus secretários ouvissem as necessidades da população, de quem a delegada foi porta-voz para evitar que mulheres vítimas de violência continuem sendo tratadas sem a dignidade devida, nos plantões noturnos das centrais de polícia da capital alagoana.

O ato administrativo da remoção deve ser assinado pelo delegado-geral Paulo Cerqueira que foi questionado pelo Diário do Poder, na noite desta quinta, sobre como justificaria o ato de remoção de uma delegada produtiva, qualificada pelo Estado, que não tem procedimento disciplinar ou envolvimento em escândalos. A resposta “prefiro não comentar” foi a mesma dada pelo delegado para outras perguntas como: O senhor se sentiu hierarquicamente desrespeitado? Qual foi a falta funcional dela?

Mais cedo, Cerqueira também foi lacônico ao responder se as mudanças previstas haviam sido determinadas pelo secretário e se cumpriria a legislação, fundamentando os atos de remoção de delegados: “Mudanças de rotina. Mas, por interesse publico. Justificativa por interesse público, haverá”, foi a resposta.

O secretário da Segurança Pública, acusado de ser o mentor da perseguição, também agiu com indiferença, ao se manifestar da seguinte forma, por meio de sua assessoria de comunicação: “O secretário não se manifestará a respeito da postura da delegada, entendendo que, como cidadã, ela tem o direito de se expressar e assegurar o que achar conveniente ao discurso”.

Postura x descompostura

Porém, a “postura” da delegada Fabiana Leão não se encerra ao que ela acha “conveniente ao discurso”. Sua atuação é digna de reconhecimento e aplauso, na Delegacia da Mulher, onde registra uma média mensal de 50 inquéritos e 30 termos circunstanciados de ocorrências, quando a meta exigida pelo Conselho Estadual de Segurança Pública é de onze inquéritos. E a indiferença de seus superiores somente reforça a convicção que ela tem sobre a ausência de qualificação dos problemas que interessam às mulheres.

Os atos de Fabiana Leão são muito mais relevantes do que a descompostura descompromissada atribuída a Lima Júnior e ao gestor da Polícia Civil. Ambos não deveriam, em nome de uma vaidade machista e antiquada, ignorar uma necessidade premente da política de segurança para as mulheres, como a delegacia 24 horas, para verem satisfeito o mero desejo de punir uma delegada, mulher e eleitora.

Outro detalhe absurdo neste caso é o fato de a delegada já ter esgotado os argumentos entre autoridades da segurança pública, e montado até uma escala de plantão com outras delegadas dispostas a atuar no novo regime de funcionamento da Delegacia da Mulher. Foi ignorada pelo gestor da Polícia Civil, que não recebe delegados em seu gabinete e direciona toda a demanda para a delegada-geral adjunta, Kátia Emanuelly. Somente depois, a delegada recorreu a um governador que prometeu ser o “novo” na política, mas carrega em sua equipe o museu citado pelo poeta Cazuza.

“A situação, da forma em que está, não pode ficar. Ou as mulheres atuam, ou a sociedade se movimenta e o governante realmente toma conhecimento e nos enxerga. Porque se depender dos homens que estão à frente apenas das decisões, não teremos esse enfrentamento. É com essas palavras que eu termino, parafraseando Cazuza: Temos um museu de grandes novidades. Encerro aqui a minha participação e espero que eu tenha contribuído nesses oito anos, que me enriqueceram muito como experiência de vida. E a levarei onde estiver para atender as mulheres com dignidade, porque todas nós merecemos isso”, disse Fabiana Leão, antes de ser aplaudida de pé, no auditório da OAB, diante de uma constrangida secretária adjunta da SSP, delegada Luci Mônica.

Agindo dessa forma, o Governo de Alagoas garantiu que a primeira Delegacia da Mulher 24 horas do Brasil fosse inaugurada neste mês em que se celebram 10 anos da Lei Maria da Penha… Só que o serviço funcionará no Centro de São Paulo, não em Maceió, como tentou Fabiana Leão.

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