Corrupção

‘Delação não é para ladrão de galinhas’, diz ex-ministro

Gilson Dipp afirma que ‘Brasil só legisla com leis de ocasião’

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Em meio ao capítulo mais instigante da Operação Lava Jato, que levou para a prisão o presidente da maior empreiteira do País, Marcelo Odebrecht, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp disse nesta segunda-feira, 22, que a delação premiada ‘não é para ladrões de galinha’, e sim para crimes graves. Dipp enfatizou: “A delação premiada não é prova”.

Para o ex-ministro, criador das varas federais especializadas em ações sobre lavagem de dinheiro na primeira metade dos anos 2000, a colaboração premiada ‘é um meio excepcional de apuração’. Segundo ele, ‘a ideia é que a delação oriente a investigação no sentido correto para se apurar tudo o que foi dito pelo delator’.

Gilson Dipp falou sobre a delação em palestra na Associação Comercial de São Paulo, entidade que conta 120 anos de história. Ele falou também sobre acordos de leniência. O evento foi promovido pelo Conselho Político e Social da Associação Comercial.

A delação transformou-se no maior aliado da força-tarefa da Lava Jato. Quase duas dezenas de empresários, ex-dirigentes da Petrobrás e executivos de construtoras contaram como operava o cartel na estatal petrolífera.

As informações sobre a palestra de Gilson Dipp foram divulgadas pela Assessoria de Imprensa da Associação Comercial de São Paulo. O ex-ministro, inicialmente, falou sobre a Lei Anticorrupção, que entrou em vigor no ano passado e tem o objetivo de punir empresas que se envolvem com esse tipo de crime. “A lei traz uma novidade grande para as pessoas jurídicas de direito privado: a responsabilidade objetiva pela prática de atos ilícitos contra a administração pública”, explicou.

Na avaliação de Dipp, o texto, que tramitava no Congresso havia cinco anos, antes de ser promulgado em 2013, ganhou força com as manifestações de junho daquele ano. “Movimentos esses ainda sem explicação. Todos nós sentimos, sabemos, mas não conseguimos explicar. E eles precipitaram a edição da lei”, acredita Dipp.

Para o ex-ministro, o Brasil tem o ‘mau hábito de aprovar leis por pressão social’.

“O Brasil hoje só legisla com leis de ocasião. Para todo problema social que comova a opinião pública, que gere debates na imprensa, sempre vai ter alguém dando uma resposta através de uma lei, como se ela resolvesse todas as dificuldades. Foi o que aconteceu recentemente com os crimes hediondos.”

Ele apontou, ainda, para um tema crucial no âmbito da Operação Lava Jato – os acordos de leniência buscados pelas grandes empreiteiras do País para tentar se livrar de punições pesadas. Segundo Dipp, ‘tanto o acordo de leniência quanto a delação premiada têm o objetivo de compor os interesses da pessoa (física ou jurídica) que praticou o ato lesivo e da administração lesada’.

“Mediante pacto, a primeira parte auxilia a segunda na identificação de coautores, prestação de informações e entrega de documentos em tempo útil, mirando com isso um abatimento na punição”, disse o ex-ministro do STJ. “O motivo pelo qual as empresas estão postulando acordos de leniência é apenas um: não serem declaradas inidôneas, ou seja, continuar tendo possibilidade de receber empréstimos com bancos e serem contratadas por serem contratadas por entidades públicas. Não há qualquer outra razão.”

Atribuindo informação a fontes na Controladoria Geral da União (CGU), Dipp afirmou que existem hoje 29 pedidos de acordos de leniência sob o crivo do órgão de fiscalização do governo federal. Segundo ele, quatro já tiveram o aval para celebração do pacto. O ex-ministro criticou o excesso de protagonismo da Controladoria: “O palco é muito pequeno e existe um protagonismo exagerado da CGU. E existem outros dois atores que não foram convidados, mas querem participar dos holofotes: o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal.”

Ainda de acordo com o texto divulgado pela Assessoria de Imprensa da Associação Comercial de São Paulo, Dipp ressaltou a importância de não ser visada apenas a punição nos acordos de leniência. “Mais do que isso é preciso haver uma noção de Estado, uma vez que o carimbo de inidôneas em muitas empresas prejudicaria a situação do desemprego e da economia de forma geral”, anotou.

“Devemos mirar a manutenção da ordem econômica e social. Contudo, nossas instituições não estão preparadas para fazer isso, porque todos os dias há uma denúncia nova, uma delação nova”, finalizou. (AE)

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