OPERAÇÃO HODER

CRM pode cassar médicos que desviaram R$ 30 milhões com falso glaucoma

ESQUEMA SUGOU VERBA PARA DOENÇA INCURÁVEL QUE CAUSA CEGUEIRA

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O Conselho Regional de Medicina de Alagoas (CRM-AL) vai pedir que a Polícia Federal (PF) lhe encaminhe o inquérito da Operação Hoder, para dar encaminhamento à abertura de processos éticos que podem resultar na cassação de médicos envlvidos no esquema que desviava recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), destinados a pacientes com glaucoma em Alagoas e mais três estados.

O sofrimento desnecessário imposto a pacientes por criminosos da quadrilha que emitia diagnósticos falsos de glaucoma para desviar recursos da saúde pública foi exposto em rede nacional de televisão, neste domingo (25), no programa Fantástico, da Rede Globo. O superintendente da Polícia Federal em Alagoas, Bernardo Torres, detalhou os ardis utilizados no desvio que atingiu a cifra de R$ 30 milhões, em Alagoas, Bahia, Sergipe e Goiás. E o presidente do CRM de Alagoas, Fernando Pedrosa, disse que precisará do inquérito e da comprovação do crime, para aplicar as penas devidas aos profissionais que tiverem envolvidos na quadrilha.

"Precisamos que a Polícia Federal nos envie o inquérito policial, porque a apuração desse fato foi por eles e nós não temos a competência de fazer a investigação. Dependemos que eles nos encaminhem o inquérito completo. Se for comprovado [o crime], haverá a aplicação de penalidades do Conselho, que vai de uma advertência até a cassação do registro médico, com amplo direito de defesa", disse Pedrosa, nesta segunda-feira (26).

O chefe da PF em Alagoas confirmou que o líder da quadrilha seria o sócio do laboratório Iofal, André Born, que foi secretário adjunto de Saúde de Maceió, na administração do ex-prefeito e deputado federal Cícero Almeida, o Ciço (PMDB-AL), principal aliado do governador Renan Filho (PMDB) e do senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

Dona Nilzete confiou no falso diagnóstico e temia ficar cega

O golpe foi alvo da Operação Hoder, em 13 de junho, que descobriu que o paciente recebia um diagnóstico falso de glaucoma e, estando ou não com a doença, era orientado a usar colírios, de preferência os mais caros, para gerar recursos para as clínicas da quadrilha.

“O meu medo, eu tenho, é de ficar cega. O médico disse que se fizer o tratamento certo, adequado, não fica cega. É isso que eu estou fazendo”, disse Nilzete Maria da Silva, uma das pacientes entrevistadas pelo Fantástico que teriam recebido diagnóstico falso para a doença.

Já Maria de Lourdes da Silva, também enganada, disse ter confiado que, se o médico passou a medicação, ela teria que usar. Segundo um médico que se negou a entrar no esquema e denunciou o golpe, mais de 20 mil consultas não realizadas foram cobradas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Superintendente da PF repudiou diagnósticos falsos no golpe

“As pessoas quando iam receber esses colírios, assinavam as fichas em branco. E, daí, eles forneciam o colírio mais barato para a pessoa, mas, na ficha assinalavam que tinham fornecido o colírio mais caro. Havia casos, ainda, que pessoas que não recebiam os colírios e as fichas eram falsamente assinadas”, relatou o superintendente da PF em Alagoas.

MINISTÉRIO IGNOROU ESQUEMA

A variação de preço dos colírios era de R$ 18 a R$ 205. O Iofal e outras empresas aparentemente ligadas ao grupo são investigadas desde outubro de 2016. Mas o Ministério da Saúde já havia identificado supostos desvios de R$ 17 milhões desde 2012, sem que a sangria de recursos fosse estancada, nem o laboratório punido, durante o governo da presidente Dilma Rousseff.

Médico André Born foi preso na Operação Hoder

A partir de auditorias realizadas pelo Denasus, determinou-se o ressarcimento de cerca de R$9,3 milhões à União, em face de constatações de irregularidades. Na investigação constatou-se que as práticas ilegais permanecem até a atualidade, sendo certo que, entre 2014 e 2016, somente a empresa sediada em Maceió-AL recebeu em torno de R$ 16 milhões do SUS para custear consultas e fornecimento de colírios. As apurações que estão sendo realizadas têm também o escopo de averiguar a parcela desses valores que foi desviada.

Em um mutirão realizado pelo Iofal no município de Barra de Santo Antônio, de 190 pacientes avaliados, 75 foram diagnosticados com glaucoma. O índice excede as estimativas da Organização Mundial de Saúde, que indica que um percentual de 2% a 3% da população com mais de 40 anos pode ter a doença. No caso do mutirão, o percentual de diagnóstico se aproximou de 40%.

Além de tudo, a quadrilha operava “milagres” da cura do glaucoma, apesar da doença não ter cura registrada pela medicina. Porém, tais “curas”, na realidade, era uma forma de descartar o paciente usado para o esquema.

Os quatro presos pela PF, inclusive André Born, já estão soltos e responderão em liberdade. O advogado do médico não quis falar ao Fantástico, e o Diário do Poder não conseguiu contato com Born.

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