Falência da Laginha

Credora de usina falida denuncia presidente do TJ de Alagoas ao CNJ

Azevedo Lessa: acusado de amparar filhos de usineiro da Laginha

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Uma empresa credora da Massa Falida da Laginha Agroindustrial S/A ingressou com uma Reclamação Disciplinar com pedido de liminar junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o desembargador-presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), João Luiz Azevedo Lessa, seja investigado e afastado dos atos processuais relativos ao processo de falência do grupo empresarial do ex-deputado federal João Lyra, que espalhou miséria em Alagoas e em Minas Gerais. A reclamação foi protocolada na madrugada desta quinta-feira (1º).

A empresa paraibana JRCA Representações LTDA acusa o presidente de favorecer os futuros herdeiros do industrial falido, em decisões “urgentes” que teriam o objetivo de protelar o pagamento da dívida próxima a R$ 2 bilhões a credores e cerca de 16.500 trabalhadores, em uma suposta estratégia para reverter o processo de falência. O desembargador reagiu repelindo, veementemente, qualquer insinuação a este respeito.

A reclamação disciplinar ofertada pela empresa representada pelo sócio-gerente Epitácio Roberto Dantas Neto atribui ao desembargador-presidente a “alteração fraudulenta do juiz natural e usurpação de competência durante os plantões judiciários”; “litigância de má-fé com chancela do Poder Judiciário”; “tratamento e acesso privilegiado de futuros herdeiros de João Lyra junto à Presidência do TJ”, entre outras denúncias.

“Não há qualquer amparo lógico-legal que justifique o recebimento das medidas cautelares pelo Presidente do TJ/AL interpostas por Maria de Lourdes Pereira de Lyra e Guilherme José Pereira de Lyra [futuros herdeiros], o que é mais uma prova de que está havendo uma manipulação dos expedientes”, diz um trecho da reclamação disciplinar contra o desembargador que substitui o presidente Washington Luiz Damasceno Freitas, este acusado de corrupção e homicídios e afastado em julho deste ano pelo CNJ.

Lourdinha Lyra tenta interditar o paiIlegitimidade

Ao CNJ a empresa credora pede a apuração dos fatos e a expedição de ofício em caráter de urgência, para que o presidente do TJ “se abstenha de apreciar em regime de plantão judicial qualquer medida manejada por Maria de Lourdes Pereira de Lyra e Guilherme José Pereira de Lyra que não se enquadre no rol de matéria urgente disciplinada na Resolução nº. 71/2009 do CNJ, até o julgamento definitivo da presente Reclamação”. Ambos tentam interditar o pai, que continuaria lúcido, com o suposto objetivo de manter bens do grupo empresarial em poder da família.

Um dos pontos centrais da reclamação no CNJ é o fato de que a ex-vice-prefeita de Maceió  Lourdinha Lyra e seu irmão Guilherme Lyra “não figuram dentre os legitimados a apresentar manifestações como falidos nos autos desta demanda falimentar”, como destacou o relator e juiz natural do processo de falência na 2ª instância da Justiça de Alagoas, desembargador Tutmés Airan, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0804436-79.2016.8.02.000.

“Desse modo, mais estranho, inadmissível e afrontante ver aos finais de semana quem não é parte, falido, credor, nem legitimamente interessado manobrar o processo através de liminares de finais de semana, em verdadeira desmoralização para o Poder Judiciário”, argumenta a reclamação redigida pelo advogado da credora, Daniel Dalônio Vilar Filho.

Ele defende que o objetivo é impedir que “expedientes se repitam, objetivando cassar liminar concedida desde o dia 28/11/2016 nos autos do Agravo de Instrumento nº 0804436-79.2016.8.02.000, valendo-se do juízo plantonista quando a competência deve ser, e é do respectivo órgão fracionário, in casu, 1ª Câmara Civel do TJ/AL”.

A reclamação ainda narra conflitos pela herança do usineiro João Lyra, em especial um que resultou em agressões de um enteado do político pelos futuros herdeiros, registrada na imprensa e em boletim de ocorrência policial, em 2015. “São essas pessoas, as quais tomam essas atitudes, que estão conseguindo convencer a Presidência do Poder Judiciário de Alagoas a mudar o rumo do processo falimentar, em detrimento dos milhares de trabalhadores que, ao longo de oito anos, aguardam um desfecho para essa situação periclitante”, diz o texto enviado ao CNJ.

Usinas mineiras devem ser leiloadas (Divulgação)Adiamento suspeito

Uma das últimas e mais importantes decisões tomadas pelo presidente João Luiz adiou para o dia 15 deste mês de dezembro o leilão de que estava marcado para vender as usinas mineiras Triálcool e Vale do Paranaíba, da Massa Falida, em 16 de novembro. A negociação renderia cerca de R$ 400 milhões para iniciar o pagamento a credores, com prioridade para os trabalhadores pobres mineiros e alagoanos, que têm penado para sobreviver após o fechamento das usinas.

O leilão havia sido marcado por Tutmés Airan, tudo de acordo com manifestações do Ministério Público, do Comitê de Credores, do Representante da Massa Falida e da Administração Judicial favoráveis à venda dos ativos. A reclamação narra a seguinte suspeita sobre João Luiz Azevedo:

“Contra a decisão [de Tutmés] foi interposto Agravo Interno em 31/10/2016 sem qualquer pedido de efeito suspensivo ou provimento liminar. Depois do agravo interno ter tramitado por treze dias, os filhos do falido [Lourdinha e Guilherme Lyra] esperaram chegar o final de semana para, um mês depois da decisão, propor medida liminar objetivando suspender os efeitos da liminar concedida pelo relator do processo. Precisamente no dia 13/11/2016 (feriado), ajuizaram Ação Cautelar Inominada objetivando a suspensão da audiência [do leilão]. Eis que no dia seguinte, 14/11/2016, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, Desembargador João Luiz Azevedo Lessa, deferiu a liminar pleiteada”, diz a representação sobre a medida “urgente”, somente cumprida às 14h14 minutos do dia seguinte, quando o juiz natural Tutmés Airan poderia ter apreciado normalmente a demanda.

Na tarde desta quinta-feira, Lourdinha Lyra disse ao Diário do Poder não ter interesse de comentar o caso: “Não, obrigada. Os advogados que resolvam. Agradeço a sua atenção, mas, realmente, não tenho nada a falar”, respondeu a filha de João Lyra, ao ser informada de que o espaço também está aberto a qualquer esclarecimento dos futuros herdeiros.

Veja um resumo das principais acusações:

Alteração fraudulenta do juiz natural e usurpação de competência durante os plantões judiciários.

“No Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas todas as demandas no 2º grau são distribuídas por prevenção ao Des. Tutmés Airan de Albuquerque Melo. Todavia, em descarada fraude ao princípio do Juiz Natural, tem-se verificado a concessão de liminares por parte do Presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas em matérias que não importam qualquer risco de perecimento de direito. De forma totalmente destemida e usurpando a competência do juízo natural, criou-se a instância recursal dos finais de semana, objetivando alcançar provimentos jurisdicionais sem se tratar de matéria que importem perecimento de direito”

Litigância de má-fé com a chancela do Poder Judiciário

“A criação de artifícios para forçar a apreciação de matérias no período de plantão pela Presidência do TJAL, em desdém ao juízo natural, constitui ato de litigância de má-fé devidamente previsto no art. 80 do CPC. A vingar os expediente do Presidente do TJAL este passaria a ser a instância revisora das liminares concedidas ou indeferidas por seus pares, podendo através do plantão rever todas as decisões, sob a vazia alegação de risco de dano irreparável”

Graves casos de usurpação de competência

“O Desembargador Presidente deste TJ/AL, por meio de decisões teratológicas e ilegais, dirige o processo judicial de falência de Laginha Agro Industrial S/A, conforme os interesses e pretensões pessoais de Maria de Lourdes e Guilherme José, partes ilegítimas no processo judicial em questão”

Competência de exclusiva do relator prevento

“Ao que se vê, o costume da Presidência do Tribunal de Justiça de Alagoas de utilizar o Plantão Judicial para resolver questões que não dizem respeito a matéria de Plantão Judicial parece ser uma prática não apenas do Presidente afastado pelo CNJ, Washigton Luiz Damasceno Freitas, como também do atual Presidente, que dá continuidade ao padrão seguido por seu antecessor”

Falta de legitimidade dos herdeiros do falido

“O mais grave de tudo, acintoso e desmoralizante é que os filhos do falido sequer detém legitimidades para intervir, funcionar ou responder por qualquer processo que diga respeito a massa falida. O documento apresentado por ambos [de transferência de ações]  foi fabricado para ter aparência de que são legítimos acionistas, com manifesto objetivo de utilizá-lo em prejuízo de Laginha e até mesmo de terceiros”

Foto de suposto encontro suspeito Tratamento e acesso privilegiado

“Na foto anexo, um encontro, em uma discreta cafeteria de Maceió/AL, entre Antônio Carlos Lessa [irmão do presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas], Guilherme José Pereira de Lyra e Luis Lyra, filho da herdeira Maria Cristina de Lyra Uchoa Costa, poucos dias antes da concessão da cautelar. Saliente-se que Guilherme José Pereira de Lyra e Luis Lyra, nos últimos meses, têm comparecido à Presidência do Tribunal de Justiça, de forma pessoal, quase que semanalmente-diariamente, o que pode ser facilmente comprovado a partir da análise do circuito interno de câmeras do Tribunal de Justiça de Alagoas, desde já se requer a solicitação dos vídeos de segurança do hall da entrada do Tribunal de Justiça e da antessala da presidência. Não se quer com isso criminalizar, antes de se apurar, a conduta de quem quer que seja, mas tão somente levar fatos que chamam a atenção de todos ao conhecimento do órgão que pode (porque tem competência constitucional para tanto) fiscalizar a atuação do Poder Judiciário local”

Padrões éticos superiores

O Diário do Poder pediu e recebeu o posicionamento do desembargador João Luiz Azevedo Lessa sobre a reclamação disciplinar, cuja resposta está publicada na íntegra a seguir:

Senhor jornalista,

Tendo em conta a sua solicitação quanto eventual “notícia” de que um dos credores do Grupo Laginha teria acionado o Conselho Nacional de Justiça contra minha pessoa, em virtude da suposição de que eu estaria agindo em “favor dos filhos do Sr. João Lyra no processo de falência”, cabe-me, tão só, neste momento, dizer que não fui notificado de nenhum modo sobre qualquer reclamação pelo CNJ, e repelir, veementemente, qualquer insinuação a este respeito. Sempre pautei minha vida por padrões éticos superiores e minha atividade jurisdicional é conhecida pela conduta ilibada que imprimi como Magistrado durante toda minha carreira.

O processo de falência do Grupo João Lyra já chega há quatro anos sem que tenha havido qualquer pagamento aos credores, dele nunca participei. Como todos sabem, assumi somente há cinco meses a Presidência do Tribunal de Justiça. Em setembro, quando um novo Juiz, Juiz Natural diga-se por importante, assumiu a titularidade do feito, para dinamizar o processo, determinei o apoio do órgão de Informática do Tribunal porquanto as sessenta mil páginas dos autos eletrônicos não podiam ser divididas em volumes e havia dificuldades mesmo para abri-las. Fiz mais, designei dois Juízes Auxiliares e um estagiário, tendo em vista o período eleitoral e as demais funções que cumpriam ao Juiz Natural em Coruripe. Aqui meu escopo, além de republicano, primou pelo princípio constitucional da duração razoável do processo.

Por fim, em dois Plantões Judiciais, presentes os requisitos da urgência caracterizadora do Plantão, em virtude de que os atos poderiam concretizar-se em dia imediatamente posterior a este, decidi, tão só, nesses dois casos, manter as decisões do Juiz Natural por entender que elas eram mais prudentes, sem interferir no mérito e nos rumos do processo.

Em um dos Plantões, decidi, apenas liminarmente e em fase de cognição de verossimilhança, ter como mais prudente a decisão de primeiro grau que concluiu ser inaceitável a proposta de acordo apresentada pela JRCA Representações Ltda., uma vez que esta não contemplava soluções quanto aos credores extraconcursais com maior ou igual prioridade, bem como não houve manifestações obrigatórias sobre a proposta complementar, isso para não mencionar a existência de outras propostas. Neste caso, seria (é) possível o prejuízo para os credores preferenciais, notadamente os trabalhistas. Mesmo assim, a decisão é provisória e será submetida ao crivo da Câmara Cível. 

No outro, o Desembargador Relator antecipou para sessenta (60) dias uma providência determinada pelo Juiz Natural para noventa (90) dias, decidi, então, manter a decisão do Juiz Natural porque ele não tinha condições da leitura dos autos (60 mil laudas) no espaço de tempo tão curto, máxime considerando o período eleitoral e suas outras atividades. Só.

Destaco, ainda, que indeferi Mandado de Segurança em desfavor de ato do Desembargador Tutmés Airan.

Em uma das petições a mim endereçadas nestes recursos no Plantão, ademais, há notícias que revelam supostos interesses escusos. Não tive dúvidas. Ao ser informado, cumpri aquilo que determina a lei, mandando que fossem retiradas cópias e enviando-as ao Ministério Público para apuração das notícias.

Essa, exclusivamente essa, foi a minha participação administrativa e jurisdicional no pertinente ao processo de falência mencionado. Toda a ela com a fundamentação e publicação de todos os atos no Diário Eletrônico da Justiça.

Era o que tinha a esclarecer para seu questionamento.

Atenciosamente,

Des. João Luiz Azevedo Lessa

 Presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas

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