Grupo Ultra

'Vejo um Brasil sem lideranças, hoje' , afirma executivo

Paulo Cunha diz que nunca viu o País 'tão sem esperança'

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Um dos principais empresários do País, Paulo Guilherme Aguiar Cunha, presidente do conselho de administração do Grupo Ultra, diz que o Brasil vive uma de suas piores crises. "Eu já vi o País parado e assustado em muitas crises, mas nunca o vi tão sem esperança como vejo hoje." Para Cunha, a situação pela qual o País passa reflete uma ausência total de líderes. "Nas outras crises, a gente tinha lideranças, seja da oposição ou da situação."

Apesar da desaceleração econômica, Cunha diz que o Grupo Ultra não enfrenta dificuldades. Quarto maior grupo privado do País, o conglomerado atua em cinco importantes negócios – distribuição de combustíveis (dono da Ipiranga), gás de cozinha (Ultragaz), química (Oxiteno), varejo farmacêutico (Extrafarma) e logística (Ultracargo).

Na contramão de muitas indústrias, Cunha afirmou que o Ultra vai manter seus investimentos – em torno de R$ 1,4 bilhão este ano, o mesmo montante do ano passado – e está interessado em ativos da Petrobrás, como a Liquigás e a BR Distribuidora. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como a crise tem afetado o grupo? O sr. fala que o Ultra está indo bem, apesar de tudo.

Bom, aí tem o problema do mercado, a demanda sempre se sustenta. A recessão está aí e vai piorar. Isso é uma parte. Não sabemos até onde vai parar. Tivemos a notícia de que nossa nota foi revista. Por quê? Porque o Brasil foi rebaixado, mas não tem nada a ver com o grupo. (Em julho, a agência Standard & Poor's manteve em BBB- a nota de crédito do Brasil, mas alterou a perspectiva para negativa. A agência também revisou notas de grandes empresas, entre elas a do Ultra, que se manteve em BBB, uma nota acima da do Brasil, mas com revisão para negativa).

Mas isso prejudicou o Ultra de alguma maneira? Em captações, por exemplo?

Não, ainda não. Para ser sincero, para nós, ainda não está difícil. Não estamos precisando de tanto dinheiro assim no momento. A empresa está em áreas consideradas resilientes e que não oscilam tanto.

Como o sr. vê o Brasil daqui para a frente? Os negócios do Ultra vão continuar firmes?

Os negócios do Ultra estão indo bem e vão continuar firmes. Aprendemos muito com as crises brasileiras ao longo do tempo. Escolhemos setores que não são tão afetados. O Brasil está muito mal. Está parado, está assustado. Já vi o Brasil parado, assustado em muitas crises, mas nunca vi o País tão sem esperança como hoje. A falta de esperança não é só para o setor empresarial, com a definição de investimentos. Tem a questão toda do País mesmo.

O sr. acredita, então, que essa situação é mais grave que as outras? Pela sua experiência, o Brasil vai encontrar uma solução?

O Brasil vai encontrar uma solução, mas não vai ser logo. E é pela ausência total de lideranças. Nas outras crises, tínhamos lideranças, seja da oposição ou da situação. Tinha mais gente pensando no Brasil. Hoje vejo pouca gente pensando no Brasil, e mais em Brasília. A equipe não tem liderança.

Como o sr. analisa o governo, a oposição, a presidente Dilma Rousseff e o PMDB?

No Brasil, em geral, nós temos uma visão errada da presidência da República. Atribuímos ao presidente uma capacidade enorme de fazer o bem. Mas, na realidade, ninguém tem capacidade nenhuma de fazer o bem sozinho. Tem de se articular, juntar pessoas, alas empresariais, o coração da sociedade, pessoas dentro do governo e do Congresso. Isso está completamente ausente. Não há nenhuma capacidade do governo de se articular. A qualquer instante uma palavra errada, uma mandioca aqui, uma imagem acolá… Uma menção errada pode causar um mal enorme ao País. Por outro lado, a própria oposição está descaracterizada. Inclusive o PSDB se "desafirmou". Para mim, acabou na votação do ajuste fiscal, meio perdido entre interesses imediatistas de Aécio Neves e de pedaços do PMDB. Não vejo dentro da oposição líderes pensando no Brasil.

Uma vitória de Aécio Neves ou Marina Silva na última eleição poderia ter mudado a rota de crescimento do Brasil? 

Rota de crescimento do País para este ano, pode esquecer. Nenhum deles teria condição de fazer. O buraco que se armou durante o primeiro mandato (de Dilma Rousseff) para 2015 foi terrível. Temos déficit público. Temos um déficit enorme na balança de pagamentos. Estamos com um déficit de crescimento. Como vai recuperar isso? Não é brincadeira. Não vi nenhum projeto alternativo. O governo está muito contaminado, infiltrado, aparelhado. Precisa ser purificado, para retomar um ambiente de confiança. Um processo político precisa de crescimento da economia. E essa gente esquece que a economia ficou no ar. Economia é coisa de muita articulação. O Brasil não vai virar Argentina, nem Venezuela, claro que não. Há muitas forças vivas nesse País. Não estão ativadas ainda de maneira que possa retomar força e crescer. 

Não tem ninguém do PT que possa ser liderança em 2018? 

Não sei se tem alguém lá. 

E do PSDB, tem alguém que possa?

No PSDB, não. Tem gente lá, mas fora do PSDB. 

Fora do PSDB, quem seria?

O Serra (senador José Serra, atual PSDB), mas no PMDB. Porque dentro do PSDB, não tem chance.

Temos uma combinação de crise econômica e política muito forte, crise de credibilidade, a Lava Jato (que investiga corrupção na Petrobrás). O que o sr. acha que vai acontecer com o Brasil nos próximos anos?

Difícil ter essa resposta. Realmente, não se sabe o que vai acontecer por certo. Recessão vai se aprofundar, as pessoas vão ficar mais irritadas do que elas já estão, mais desesperançadas do que já estão. E, portanto, o governo vai segurar mais as contas públicas. Isso é um dado. Como se sai disso? Volto ao ponto inicial. Precisa de uma nova liderança, mas vai tomar tempo. Não dá para pensar em tirar ela de lá. Ia ser uma aventura.

O sr. é a favor ou contra um impeachment?

Sou contra. Para ser sincero, não vejo um impeachment nesse momento porque acho que seria uma guerra e iria cindir o País ao meio. Ia ser diferente do Collor (ex-presidente Fernando Collor). Ele era unanimidade, não tinha raiz em lugar nenhum. O PT está muito enraizado. A Dilma tem ainda muita herança de Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva). O Lula ainda está presente. Se você tirar Dilma ou Lula, seria a mesma coisa. Então acho que não tem essa coisa de impeachment.

A Lava Jato trouxe uma crise de credibilidade para política e para boa parte do mundo empresarial. O que o sr. acha que deveria ser feito para se resolver esse problema ou pelo menos atenuar a questão da corrupção?

Hoje, o Brasil tem de restaurar o seu capital cívico. O que é o capital cívico? É o sujeito se comportar honestamente porque é bom se comportar honestamente. Isso precisa ser expandido. O núcleo disso existe, mas não é geral no País. É o tipo de potencial que existe a partir da Operação Lava Jato. Mas essas coisas não acontecem no vácuo. É preciso que uma nova liderança pegue essa bandeira, explique e decodifique isso, e articule um discurso novo. É que o Lula se apropriou da história do Brasil. Enquanto estava no governo, ele divulgava dados a seu bel-prazer, ninguém conhecia essa história direito, e essa história virou verdade na presença de todos os meios de comunicação o tempo todo. Ninguém contou a história certa. 

O que seria a história certa? O que teria de mudar na narrativa?

Precisa tirar o protagonismo que se dá ao PT. Isso precisa ser profundamente modificado. Há uma falta de visão total de relação de câmbio e juros – no Brasil, uma combinação mortal. 

Como se resolve isso?

É difícil corrigir. Deixar o dólar flutuar e crescer. Desvalorizar, no fundo não há interesse de fazer, porque vai trazer inflação. A inflação no curto prazo aumenta a gravidade de uma coisa que já está muito dramática. Dólar alto empobrece as pessoas, inclusive em relação a seu salário. Portanto, é um processo complexo. Não sei como chegar a uma solução final. Precisa de mais política industrial e tocar a produção para frente. Mas, para fazer isso, é preciso muita governança. É preciso visão de um governante que entenda isso, pense assim realmente, não só fale, mas diga isso em termos de ações práticas para que o povo entenda. 

O sr. teria alguma experiência brasileira como referência ou de outro país que pudesse ser comparável a esse modelo daqui para a frente?

Todos os países que cresceram rapidamente em determinadas etapas do desenvolvimento recente, no mundo inteiro, usaram essa fórmula: câmbio desvalorizado e juros muito baixos. Além de capital disponível para investimento. Japão, depois da guerra, até 1960. Juro muito baixo funciona. Mais recentemente, a China, com o dólar para lá e para cá, manteve firme o juro baixo e o câmbio desvalorizado para poder exportar e promover o desenvolvimento da sua indústria. Se tivessem essa visão articulada, pronta, sobre a importância da produção e da indústria para o Brasil, teriam tomado decisões diferentes lá atrás.

Esse é um pensamento consensual na indústria ou sente que é divergente no setor?

Está se tornando consensual. O Iedi (Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial) já pensa assim. Essa política ainda é destruída até por uma série de coisas que aconteceram ao longo do caminho. Tem lesões pontuais, setoriais. E tudo isso deveria ser desnecessário, se tivesse adotado o caminho da produção lá atrás. 

Considerando esse cenário, como que o Ultra vai se posicionar em relação a isso? Vai mudar o enfoque de investimento para o exterior ou reduzir seus investimentos? 

Neste ano, não estamos fazendo nada disso. Temos investimento de R$ 1,4 bilhão. Agora, na área química, a Oxiteno realmente está focando mais no exterior, cada vez mais virada para fora. Mais produção lá fora porque o Brasil se tornou praticamente inviável com este câmbio e determinados custos industriais. Com energia, infraestrutura e transporte no Brasil, fica inviabilizada a competição aqui.

(AE)

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