Nepotismo cruzado?

Presidente do TCE-AL dá cargo de R$11 mil a irmão do governador que nomeou sua filha

Veterinário Rodrigo Calheiros faz 'experiência' no Controle Interno do TCE

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Rodrigo Calheiros e o irmão governador de Alagoas Renan Filho. Fotos: Facebook/Márcio Ferreira/Agência Alagoas

Desde 19 de fevereiro, o médico veterinário especializado em inseminação artificial Rodrigo Rodrigues Calheiros é diretor-adjunto de Controle Interno do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas (TCE/AL). O órgão que tem a missão institucional de fiscalizar as contas dos gestores estaduais e municipais pagou, na folha de março, salário bruto de mais de R$ 15 mil ao servidor comissionado que é irmão do governador Renan Filho (MDB) e assumiu a missão de identificar irregularidades na Corte de Contas.

O presidente do TCE assumiu a responsabilidade pela indicação e nomeação do jovem de 34 anos, filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL) e campeão internacional de jiu-jitsu. Otávio Lessa não soube explicar objetivamente o que o motivou a escolher Rodrigo Calheiros entre os mais de 3 milhões de alagoanos para ocupar o cargo. E ressaltou que o fato de seu novo comissionado ter nível superior, mesmo que na área de Medicina Veterinária, o habilita para o exercício do cargo técnico de controle de contas.

A nomeação de Rodrigo Calheiros pode resultar na configuração de nepotismo cruzado, já que a filha do conselheiro Otávio Lessa, Mariana Lessa, é assessora especial de comunicação do Gabinete do Governador. Mas o presidente do TCE argumenta que não há hipótese de nepotismo, porque sua filha atua desde 2015 no governo de Renan Filho. E disse ter conhecimento de “outros casos mais graves” no tribunal que preside.

“Ela trabalhou três anos com o pai do governador e já trabalha já há cinco anos com o governador. Oito anos que ela já está nomeada, trabalhando com o pai e com o governador. Onde pode se configurar um nepotismo cruzado, se ela já trabalha há oito anos com ele? Tem casos muito mais sérios no Tribunal, divulgados na imprensa, que você não está me perguntando!”, respondeu Otávio Lessa.

Na folha de março, Rodrigo Calheiros recebeu R$ 11.302,83 líquidos em seu primeiro pagamento como servidor na folha do TCE, relativo aos vencimentos que somaram R$ 15.033,33 brutos, sendo R$ 11 mil pelo cargo comissionado, mais R$ 4.033,33 de “vantagens” codificada na folha como “DIF/DEV/SAL/PROV”.

Casos mais graves

O presidente do TCE resistiu em revelar a quais casos de nepotismos mais graves se referia. “Eu não sei! Você procure a sua fonte! Sua fonte vai dizer quais outros que têm. Procure quem você quiser, o sindicato e quem quer que seja. Eu não sei informação. Vocês tudo acham que existe sempre, por trás, alguma coisa. Quer dizer que o parente dele [do governado] está condenado em trabalhar em outro lugar e isso configura o nepotismo?”, reagiu o presidente.

Para Otávio Lessa, a relação dos parentes dele e do governador com o serviço público só iria configurar nepotismo se ele fizesse, “agora, nesse minuto, as duas coisas juntas”. “Pelo amor de Deus, gente! A gente tem tantos problemas em Alagoas. Vocês da imprensa podem me ajudar tanto! Vamos ajudar! Vamos propor coisas construtivas!”, reclamou o conselheiro, ao ser lembrado pela reportagem de que muitos problemas acontecem em Alagoas pela ausência de qualificação de servidores nomeados em postos estratégicos do serviço público do Estado.

Quando questionado sobre onde verificou que Rodrigo Calheiros tinha qualificação para ocupar o cargo, Otávio Lessa comparou o filho de Renan ao senador e ex-ministro da Saúde, José Serra, prefeito, governador ou juiz, que não precisaria de formação técnica para atuar em decisões.

“O que Serra entendia de saúde?Estados Unidos não tem um médico diretor de hospital nem secretário nem ministro [da saúde]. A gente tem a cultura de achar que a [formação da] pessoa tem que ser aquela da função que está ali. Tem que ter senso de gestão. [Rodrigo Calheiros] Já tocou as coisas dele, pessoais. E, outra coisa, é igual ao funcionário na empresa privada. Ele vai ficar dois meses, três meses, para saber se funciona ali. Se não funcionar ali e tiver um outro lugar para testar, funciona. Se não for, o empresário tira. Não pode condenar a pessoa antes de testar a pessoa”, explicou o presidente do TCE.

Otávio Lessa foi nomeado para o cargo vitalício de conselheiro do Tribunal de Contas há 17 anos, pelo seu irmão e então governador de Alagoas Ronaldo Lessa (PDT), que ocupa o cargo de secretário de Agricultura do governo de Renan Filho.

Senador Renan Calheiros, conselheiro Otávio Lessa e governador Renan Filho. Foto: Guilherme Carvalho/Cada Minuto/Arquivo

Indicação de quem?

Minutos depois de afirmar que o nível superior foi bastante para sua escolha e de negar ter havido indicação do governador, mas sua, Otávio Lessa admitiu ter havido indicação para a nomeação, sem dizer de quem, ao responder sobre o que o motivou a “testar” o irmão do governador no cargo tão importante, em detrimento de outros alagoanos.

“Dei importância, com a indicação que foi solicitada em um cargo comissionado”, afirmou, antes de tratar de corrigir:”A indicação, ela é minha. Pode atribuir ao presidente. E estou testando. É um direito que todo gestor tem e faz isso. Quando você está numa gestão… Se você tivesse um jornal, não iria convocar um jornalista que você não conhece. Ia convocar pessoas que estão no seu conhecimento e vai testar naquilo. Não posso testar três milhões de pessoas. É procurar as informações de pessoas que estão mais próximas de você. Daqui a três ou quatro meses posso dizer a experiência para você, se boa ou ruim”, concluiu.

Otávio Lessa não citou, mas Rodrigo Calheiros já foi assessor de Contratos Especiais da Presidência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em Brasília (DF), por pelo menos dois anos. E não foi encontrado no local de trabalho pela reportagem de O Globo, em 2013, quando o filho do senador Renan foi citado em matéria jornalística.

O Diário do Poder não pôde checar se Rodrigo Calheiros tem cumprido sua jornada de trabalho, porque o TCE de Alagoas está em recesso. A reportagem tentou mas não conseguiu contato com Rodrigo Calheiros e Mariana Lessa. E a assessoria de imprensa do Governo de Alagoas não respondeu qual a posição de Renan Filho sobre a nomeação.

Ao procurador-geral de Justiça, Alfredo Gaspar de Mendonça Neto, foram encaminhados questionamentos sobre a possibilidade de a nomeação de Rodrigo Calheiros configurar nepotismo cruzado e se o Ministério Público de Alagoas atuará no caso. Também foi questionado se há representação sobre outros casos de nepotismo no TCE, e porque eventuais denúncias não avançaram.

O chefe do MP disse que há caso de representação feita pelo conselheiro Anselmo Brito que ele preciso ver como foi a tramitação, para qual promotoria foi encaminhada e qual o desfecho. E prometeu estudar o caso do irmão de Renan Filho, ao lembrar que em sua gestão o MP entrou com ações de improbabilidade em desfavor de três conselheiros.

“Em relação à nomeação do irmão do governador para o TCE, tem q ser analisada. Não tenho como te responder de imediato. Se fosse na mesma época da nomeação da filha do presidente do TCE, seria [nepotismo cruzado]. Mas cinco anos depois, só fazendo um estudo de caso”, respondeu Alfredo Gaspar.

Antecedentes

Em fevereiro do ano passado, o tio do governador, Rogério Rodrigues da Rocha, foi exonerado do cargo de diretor de operações da Agência de Fomento de Alagoas S/A, a Desenvolve,  menos de um mês após o Diário do Poder denunciar a prática de nepotismo na instituição financeira autodenominada “Banco do Povo”, controlada pelo chefe do Executivo Estadual.

O nepotismo rendeu ao tio de Renan Filho quase R$ 200 mil em vencimentos e verbas de representação durante um ano teve origem no dia 20 de fevereiro de 2017, quando o governador assinou o ofício OG nº 27/17.01.1, indicando o nome de Rogério Rodrigues da Rocha para exercer o cargo de diretor de operações do banco estadual que liberou mais de R$ 20 milhões em crédito desde 2015.

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