Minha comadre Nazareth

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Em 1961, eu estava na ONU, na delegação brasileira — presidida por Afonso Arinos de Melo Franco e composta por Gilberto Amado, Antonio Houaiss, Araújo Castro, Guerreiro Ramos, Josué de Castro e outros — à 16ª Assembleia das Nações Unidas. Ali, no Comitê de Política Especial, tive oportunidade de ter como colega a “Mãe de Israel”, Golda Meir.

Odylo Costa, filho, o melhor amigo que tive em minha vida, fez uma carta recomendando-me a Gilberto Amado, que era, desde sua criação em 1948, a figura central da Comissão de Lei Internacional e um dos homens poderosos da ONU. Apresentei-me a Gilberto e entreguei a carta. Ele, sem me dar qualquer chance de falar, perguntou-me: “Você sabe por que eu não fui ministro do Supremo Tribunal Federal?” Respondi-lhe, evidentemente, “Não.” “Por causa da minha comadre Nazareth” (que era esposa de Odylo). E continuou: “O Getúlio me chamou ao Catete e me convidou: ‘Gilberto, quero fazê-lo ministro do STF. Você, grande escritor e jurista, irá marcar com sua presença aquele Tribunal.’” Eu estava estarrecido, sem entender essa conversa sem pé nem cabeça. Ele prosseguiu: “‘Presidente, não posso aceitar, de maneira alguma.’ ‘Por quê?’, indagou-me Vargas. ‘Por um fato afetivo intransponível: uma santa, a minha comadre Nazareth.’ ‘E quem é Nazareth?’, perguntou-me Vargas. Respondi: ‘É uma criatura admirável, a melhor que Deus colocou na face da Terra. E eu não posso aceitar um cargo em que, um dia, eu não possa atender a um pedido da minha comadre Nazareth. E logo, presidente, por motivos de Justiça.’” Deu Gilberto Amado uma boa gargalhada e começamos uma amizade que foi estreita e carinhosa até o fim de sua vida.

Quando Nazareth faleceu, em 2005, sua ausência somou-se à de Odylo, que morrera em 1979, aos 64 anos, cedo demais. A casa de Nazareth e Odylo em Santa Teresa, onde viviam com sua bela família de oito filhos, era o último grande salão literário do Brasil. Ali, os jantares ficaram célebres, com Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Afonso Arinos, Guimarães Rosa, Pedro Nava, Rachel de Queiroz, José Olympio, Prudente de Morais Neto, Peregrino Junior, José Américo de Almeida, Gilberto Freyre, Jorge Amado, Carlos Chagas Filho, Osório Borba, Eneida, Otto Lara Resende, Castelinho, Villas Boas e muitos outros. Aquelas noites eram mais brilhantes do que as estrelas que ali estavam. Conheci, então, a todos. De muitos fiquei amigo e guardei o viver como um verbo que só se conjuga no presente, sendo passado.

Odylo foi um dos maiores escritores e jornalistas brasileiros, o poeta que renovou, entre nós, o soneto. Seu “Soneto da Fidelidade” é um monumento ao amor fiel. O último terceto é: “E de tal forma o próprio ser humano / Mudou-se em nós que nada mais separa / O que era dois e hoje é apenas um”. A união exemplar ficou perpetuada numa rua de São Luís: “Rua de Nazareth e Odylo”.

Nazareth era uma menina da Escola Normal de Teresina que Odylo buscara para carinho, tranquilidade e a doce presença humana que marcou a sua vida e a de todos que a conheceram com a sua bondade. Hoje são “apenas um” no Céu — tenho certeza disso — entre os anjos que Nazareth desenhou e Odylo cantou, lembrando as histórias do Maranhão e do Piauí.

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