Lula e Celso Amorim inscreveram o Brasil no ‘eixo do mal’

O conselheiro internacional de Lula tem levado o presidente a um pântano moral no qual o petista pode ser afogar

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Como argumentos humanitários parecem não importar nesse caso específico, se há um ponto do atual governo que afasta os moderados, prejudica os índices de popularidade, e causa até mesmo certa repugnância é a posição do presidente Lula e de seu principal conselheiro internacional, Celso Amorim, com relação à invasão da Ucrânia pela Rússia. Por motivos que vão desde interesses comerciais a um antiamericanismo sectário, as posições do governo indicam que o compromisso com a democracia do petismo era apenas uma conveniência para vencer as eleições. Mas podem pagar caro por isso.

A questão é mais ampla. Em momentos decisivos, o coração dos petistas bate mais forte para qualquer ditadura que se oponha aos Estados Unidos e, atualmente, mesmo à Europa. E pelo jeito pode ser uma teocracia misógina como o Irã (leiam “Faca”, de Salman Rushdie), um governo que tornou sua população miserável, como a Venezuela (leiam Mãe Pátria, de Paula Ramón), uma ditadura mofada e em forte crise como Cuba (o país passa por mais uma onda de desabastecimento), que, se gritam “fora USA”, contam com a simpatia aberta ou velada de nossos atuais governantes. A verdade, além disso, é que se for para fulanizar, as posições de Amorim estão as que causam mais estragos em um governo num período do país em que qualquer minoria faz a diferença para virar a balança eleitoral.

Não existem relações internacionais sem hipocrisia. Muitas vezes apenas governos vis possuem ou querem comprar a preços competitivos produtos de maneira a salvar uma economia como a brasileira – logo, negociar comercialmente será sempre preciso. Porém, o que há no caso da dupla Lula-Amorim é pior. Entre países que, apesar dos pesares e incoerências, são democráticos, buscam seguir certos princípios do iluminismo, respeitam as minorias e a livre expressão e, do outro lado, países dominados por grupos repressivos, que transgridem a soberania internacional, e subjugam seus povos, preferem a segunda opção. Em outras palavras, por influência de Amorim resolvemos, como país, optar pelo “eixo do mal”.

Curioso que essa posição não traz grandes variações no tabuleiro mundial. Pela distância geográfica, pela falta de poderio bélico, entre outras razões, o governo Lula é visto como café com leite das relações internacionais. É interessante tê-lo no mesmo lado, mas não causará significativa diferença prática.

Mesmo assim, em seu terceiro mandato, Lula preferiu priorizar sua ação internacional – após tantas derrotas no Congresso aparentemente terá de mudar o foco, a conferir. Entretanto, será que Lula e Amorim ainda sonham estar na frente das negociações que selarão tanto a paz na Rússia como em Gaza e ganhar o Nobel da Paz? Eles acreditam na própria megalomania delirante?

Na realidade, mesmo internacionalmente, têm colhido é antipatia dos líderes ocidentais. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, é apenas o mais vocal deles. Nem na América latina conseguem se sobressair, tome-se os pitos que levaram de Gabriel Boric, do Chile, e Lacalle Pou, do Uruguai, sem falar do hostil argentino Javier Milei.

A invasão russa no território ucraniano é a primeira violação territorial neste nível na Europa desde que a Alemanha Nazista invadiu a Polônia em 1939, deflagrando a segunda guerra mundial. Existe claramente um lado agressor. Mas, para Amorim, são apenas visões divergentes em jogo. O conselheiro dá a entender que a Rússia teria certa razão por se sentir ameaçada pela OTAN. É um contorcionismo mental que esconde ranços e ideologias.

Mas a realidade pode ser exatamente o contrário: se não fosse a OTAN, uma série de repúblicas que já fizeram parte da União Soviética e conseguiram se libertar, como a Estônia, a Letônia e a Lituânia, já teriam sido invadidas sem qualquer piedade. Inclusive, nesses três países bálticos, há museus da ocupação que não distinguem as invasões nazista e comunista no século passado, são vistas como algo igualmente ignóbeis, – incluindo aí o período em que houve uma ocupação conjunta de alemães e soviéticos durante o período em que vigorou o acordo de não agressão entre Stalin e Hitler – o Pacto Molotov–Ribbentrop. Na época, a bandeira vermelha da invasão continha os símbolos do nazismo e da foice e o martelo no mesmo pano.

O papel do Brasil nessas crises ainda acaba por revelar uma outra grande incoerência: a contundência com que Lula condena as mortes de crianças inocentes na faixa de Gaza transforma-se em brandura se o salteador for russo. É tigrão para Israel e tchutchuca para Putin, se quisermos utilizar a expressão zombeteira da moda.

Amorim, que tenta se passar por um grande negociador, na verdade tem levado o seu chefe a um pântano do qual ele não conseguirá sair. É algo que poderá fazer grande diferença entre a pequena minoria decisiva que em 2026 vai votar no PT, nulo, ou na outra opção, ao analisar fatores como esses.

Como falar na questão moral não sensibiliza o presidente e seu escudeiro, vale um argumento cínico: em um país tão dividido e por margem tão estreita, uma política internacional conduzida por Amorim pode ser uma das razões para uma derrota eleitoral. O mais sábio, para o presidente, seria cortar as asas de seu desastrado conselheiro.

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute a interface entre jornalismo, política e ética.
Artigo transcrito do jornal
O Estado de S. Paulo.

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