Isolamento em Minas

MPF recorre contra fim de ação sobre internação forçada de pessoas com hanseníase

Sem julgar mérito, Justiça Federal de BH extinguiu ação por direitos de internados até 1986

acessibilidade:

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), recorreu de decisão judicial que extinguiu, sem julgamento do mérito, ação civil pública ajuizada em favor de pessoas que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia de tratamento para hanseníase, até 31 de dezembro de 1986.

Minas Gerais chegou a isolar sete mil pessoas com a doença, na Colônia Santa Isabel, se tornando um dos símbolos dessa época, na zona rural de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (BH). Criada para abrigar 1.500 pessoas, o local onde foram violados direitos humanos chegou a isolar quase o triplo de sua capacidade. E as pessoas com a doença ficavam impedidas de manter qualquer contato com o mundo exterior.

No recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), o MPF pede que a decisão de primeira instância seja reformada, concedendo-se liminarmente a pensão especial às oito pessoas que motivaram o ajuizamento da ação – com idades, hoje, que variam entre 53 e 76 anos -, cujos pedidos foram indeferidos na esfera administrativa com fundamento apenas na ausência de provas documentais, sem a realização de quaisquer diligências adicionais, sem colher seus depoimentos ou ouvir testemunhas.

O recurso também pede que o TRF1 analise desde logo o mérito, determinando que a União seja obrigada a revisar todos os demais pedidos formulados por pessoas de todo o país que afirmaram ter sido vítimas da política de internação compulsória, e que o fizeram com fundamento na Lei n.º 11.520/2007, mas que tiveram os respectivos requerimentos de pensão especial indeferidos.

O objetivo é que seja realizada uma análise cuidadosa e proativa, devendo ser colhido, em todos os casos, o depoimento pessoal dos requerentes, e realizados oitiva de testemunhas, estudos sociais e outras diligências que se fizerem necessárias.

A pensão é um direito fixado desde a edição da Lei 11.520/2007, quando, reconhecendo a responsabilidade do Estado pela violação dos direitos humanos das pessoas com hanseníase que foram submetidas a internações compulsórias, o então presidente da República editou medida provisória, posteriormente convertida em lei, autorizando a concessão a essas pessoas de uma pensão mensal, vitalícia e intransferível.

O trâmite processual

A ação ajuizada em 27 de setembro de 2017 também pediu que a União fosse obrigada a revisar todos os demais pedidos formulados por pessoas de todo o país que afirmaram ter sido vítimas da política de internação compulsória, e que o fizeram com fundamento na Lei 11.520/2007, mas que tiveram os respectivos requerimentos de pensão especial indeferidos.

Cinco dias depois do ajuizamento da ação, o Juízo da 6ª Vara Federal postergou a análise do pedido de tutela para fase posterior às manifestações do INSS e da União, que foram apresentadas, respectivamente, em 13/11/2017 e 19/02/2018.

Em 22 de março seguinte, o MPF impugnou as contestações, requerendo ao Juízo a análise urgente do pedido de tutela provisória, por se tratar de direito de pessoas idosas, que se encontram em situação de vulnerabilidade social, e “por haver prova clara, ampla, incontrastável, da probabilidade do direito requerido”.

No entanto, embora o processo tenha sido remetido para decisão da Juíza Federal no dia seguinte a essa petição (23 de março de 2018), o pedido não foi apreciado.

Em 10 de janeiro deste ano, o MPF peticionou novamente nos autos requerendo que o caso fosse apreciado com urgência. Nessa ocasião, foi inclusive informado o falecimento de uma das vítimas, sem que ela tivesse recebido a devida reparação, o que, para o Ministério Público Federal, evidenciou, “de maneira dramática, o risco ao resultado útil do processo e a urgência da tutela pleiteada com relação às demais pessoas abrangidas na ação”.

Mesmo assim, ainda se passaram mais cinco meses, até que a magistrada, acolhendo preliminar de ilegitimidade de parte suscitada pela União e pelo INSS, julgou extinto o processo sem analisar o mérito.

Para o MPF, “a situação inequivocadamente viola o princípio da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, ainda mais quando se considera que o processo trata do direito de pessoas idosas em situação de extrema vulnerabilidade social. A essa circunstância, some-se o direito de prioridade na tramitação processual concedido a pessoas idosas pelo Estatuto do Idoso e pelo Código de Processo Civil, que, no caso, não foi observado”.

Ilegalidade em comissão

Ao recorrer da decisão, o Ministério Público Federal contestou o argumento de que não seria parte legítima para propor a ação. Segundo a decisão judicial, os direitos das pessoas à pensão especial seriam direitos individuais disponíveis, estando o Ministério Público impedido de pleiteá-los em juízo.

Para o MPF, no entanto, a violação decorreu de uma conduta ilegal praticada pela comissão interministerial responsável pelo julgamento dos requerimentos da pensão especial, que atingiu não apenas o casos individuais citados expressamente na ação, mas a coletividade das pessoas atingidas por hanseníase que foram submetidas à internação compulsória.

Essa comissão negou os pedidos de pensão sem observar a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa dos postulantes

Por essa razão, inclusive, é que, entre os pedidos da ação, está o de revisão de todas as negativas dos requerimentos feitos por pessoas que afirmaram ter sido vítimas da política de internação compulsória e que tiveram seus pedidos negados. “Os pedidos individuais que constam da ação extrapolam a esfera individual dessas pessoas, alcançando também as demais que se encontrem na mesma situação. Ou seja, dizem respeito ao direito ao julgamento justo de seus requerimentos administrativos da pensão especial, para implementação plena de uma medida de reparação a uma política estatal que violou direitos ao segregar pessoas, isolando-as compulsoriamente”, explica o procurador da República Edmundo Antônio Dias.

Clique aqui para ler o recurso. E clique aqui para ler a íntegra da ação nº 1007656-76.2017.4.01.3800. (Com informações da Ascom do MPF em Minas Gerais)

Reportar Erro