J&F dos Batista recorre a ameaças para melar arbitragem do caso Eldorado
Grupo é acusado de estender a bancos a estratégia de atacar a reputação e ameaçar árbitros
Alegando ser vítima de “ameaça brutal” da J&F, holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, o espanhol Juan Fernández-Armesto renunciou nesta segunda-feira (23) à presidência do Tribunal Arbitral que julga a disputa pelo controle da Eldorado Celulose. Segundo ele, a empresa ameaçou “atitude indesejada” caso ele não parasse de proferir atos jurisdicionais em desfavor do dogrupo da dupla. Em seguida, o árbitro português Paulo Mota Pinto também comunicou sua renúncia, destacando que a holding dos irmãos Batista vem fazendo ameaças diretas, graves e plausíveis de queixas penais contra os membros do Tribunal Arbitral.
Ex-presidente da Comissão Nacional do Mercado de Valores Espanhola (CNMV), Juan Fernández-Armesto é considerado um dos mais conceituados árbitro independentes do mundo, tendo atuado em mais de 200 arbitragens ao longo de quase 25 anos. Na carta de renúncia, o espanhol alega não se surpreender com as ameaças da J&F, uma vez que os advogados da holding já vinham recorrendo a inúmeras ações arbitrais, civis e penais a fim de obstruir a justiça na disputa com a Paper Excellence.
Fernández-Armesto alerta ainda que o comportamento da J&F é grave por inúmeras razões, sendo a principal delas colocar em descrédito a essência da arbitragem internacional. “A via não é – e não pode ser – intimidar o Presidente do Tribunal Arbitral, na esperança de que, vencido pelo medo, adote as decisões que favorecem os interesses de seus clientes”, afirma na carta de renúncia.
Já Paulo Mota Pinto, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vinha atuando como árbitro da disputa desde setembro de 2021, quando substituiu Anderson Schreiber, outro árbitro que também teve a reputação atacada pela J&F. Na tentativa de intimidá-lo, a holding dos Batista moveu no Ministério Público do Rio de Janeiro um inquérito questionando sua imparcialidade e o acusando de falsidade ideológica. O MP concluiu que “nenhuma prova foi produzida” e arquivou o caso.
Após as renúncias, resta apenas um membro do tribunal arbitral, Luiz Henrique de Andrade Nassar, que assumiu em 2022 a vaga de José Emilio Nunes Pinto. Nunes Pinto, que ingressou no caso por designação da própria J&F, também deixou o tribunal arbitral após a empresa dos irmãos Batista também questionar sua imparcialidade.
Bancos pressionados
A estratégia de atacar a reputação dos árbitros e ameaçá-los vem sendo colocada em prática pela J&F também para intimidar instituições financeiras. Na carta de renúncia, Fernández-Armesto revela que a holding dos Batista pressionou o Banco Itaú, responsável pela custódia das ações da Eldorado e pelos valores referentes à compra da segunda metade da companhia, depositados em uma conta de depósito em garantia (escrow). Desde que o desembargador Rogério Fraveto, do TRF4, deu uma liminar suspendendo a transferência da Eldorado para a Paper, em julho de 2023, a J&F tenta coagir o banco a devolver os livros societários.
A liminar foi concedida no âmbito de uma ação popular provocada pelo ex-prefeito de Chapecó, Luciano Buligon, que é aliado de um integrante do conselho de administração da JBS e tenta melar o negócio da venda da Eldorado para a Paper, usando como subterfúgio a legislação de venda de terras rurais para estrangeiro. Os irmãos Batista tentaram pegar carona e pediram ao desembargador Favreto que ordenasse ao banco Itaú a devolver os livros de ações da Eldorado.
O pedido foi indeferido, mas ainda assim a J&F seguiu pressionando o Itaú e tentando convencê-lo de que a decisão do TRF4 determinava a devolução dos livros societários. Na dúvida, conforme revelou a Folha de S. Paulo, o Itaú tentou esclarecer com o próprio desembargador Favreto se a interpretação da J&F estava correta. Estranhamente, Favreto nunca respondeu ao banco. Diante da falta de resposta e da intimidação constante da J&F, o Itaú resolveu renunciar ao mandato de custodiante em junho passado.
O Tribunal Arbitral designou então que uma instituição financeira substituísse o Itaú com o intuito de preservar o resultado útil da arbitragem. Ciente da existência de alguns interessados em aceitar o encargo, representantes da J&F passaram a ligar e enviar notificações às instituições, como Daycoval, BMG e UBS, alegando que tomaria contra os bancos “todas as medidas cabíveis para defesa de seus direitos”, em mais uma clara tentativa de intimidação.
Na quinta-feira (19) da semana passada, o desembargador João Batista Silveira, vice-presidente do TRF-4, acabou dando aval para a efetivação, por parte do Itaú, da devolução dos livros societários da Eldorado. Ao que tudo indica, ele se baseou na redação equivocada da ementa do acordão do julgamento da ação popular no Tribunal, que erroneamente resumiu a decisão como tendo ‘suspendido o procedimento arbitral’ – o que não ocorreu. A decisão original do acórdão, apenas mantém a liminar proferida pelo relator do caso, desembargador Favreto, que suspendeu somente os atos de transferência das ações da Eldorado para a Paper Excellence (e não a arbitragem).
Surpreendentemente, um “lapso” de interpretação de quem redigiu a ementa do acordão acabou beneficiando os irmãos Batista com a suspensão provisória da arbitragem em que foram derrotados por unanimidade.
A truculência com que ameaçam instituições financeiras, o tribunal arbitral ou quem os contraria é um sinal de quem está desesperado para interromper o andamento do processo a qualquer custo. Afinal, sem conseguir anular a arbitragem na primeira instancia do TJ-SP e com votos já desfavoráveis de dois desembargadores na segunda instância – indicando, inclusive, condenação por litigância de má-fe – resta a Joesley e Wesley Batista causar o caos.