Escândalo internacional

Paper Excellence decide instaurar arbitragem em Paris após assédio jurídico da J&F no Brasil

O prejuízo causado pelas violações contratuais e pelo atraso da concretização do negócio é estimado em pouco mais de US$ 3 bilhões

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Fábrica da Paper Excellence.

A Paper Excellence, uma das principais produtoras do mundo de papel e celulose, iniciou em Paris, por meio de sua controlada CA Investment, um novo procedimento arbitral perante a Câmara de Comércio Internacional (CCI) contra a holding J&F e a Eldorado Celulose. A multinacional reivindica uma indenização pelos atos desleais e abusivos praticados pelas duas empresas brasileiras para impedir a concretização da transferência do controle da Eldorado para a Paper, determinada pela sentença da arbitragem, ocorrida no Brasil. O prejuízo causado pelas violações contratuais e pelo atraso da concretização do negócio, a partir de inúmeras tentativas de ludibriar a justiça, é estimado em pouco mais de US$ 3 bilhões.

Desde que decidiram não cumprir o contrato de compra e venda da Eldorado, em 2018, os empresários Joesley e Wesley Batista, donos da holding J&F, vêm se aproveitando de brechas processuais na legislação e abusando do sistema judicial brasileiro ao criar um cenário hostil com diversos factoides e ações paralelas para não entregar a empresa que venderam por R$ 15 bilhões. Neste contexto, indicar Paris como sede da nova arbitragem é uma tentativa coerente da Paper de reduzir o espaço para manobras protelatórias os irmãos Batista, em um local menos suscetível às táticas de guerrilha e de dissimulação implementadas pelos vendedores para não cumprir o contrato e as decisões dos árbitros.

Segundo especialistas em arbitragem, em situações similares, tanto as melhores práticas no direito internacional como tribunais arbitrais permitem o deslocamento da sede da arbitragem diante de circunstâncias extraordinárias, especialmente criadas pela parte perdedora para impedir a solução da disputa e a efetividade da sentença arbitral. A realocação da sede da arbitragem busca privilegiar a boa-fé e garantir a eficácia do método de resolução de conflitos eleito pelos envolvidos.

A disputa pela Eldorado Celulose, que se arrasta há quase sete anos, teve início quando os irmãos Batista passaram a exigir, sem qualquer previsão legal ou acerto prévio, mais R$ 6 bilhões acima do preço acordado em contrato, como condição para transferir para a Paper o controle da produtora brasileira de celulose. Diante da tentativa de extorsão para fechar o negócio, a Paper Excellence instaurou uma arbitragem, administrada pela CCI no Brasil, da qual saiu vitoriosa por unanimidade. Na sentença proferida em 2021, os árbitros afirmaram que os vendedores frustraram maliciosamente as condições precedentes do contrato de compra e venda e reconheceram o direito da Paper de assumir a Eldorado pelo preço contratado.

A determinação do tribunal, entretanto, nunca foi cumprida pela J&F, que passou a colocar em prática um esquema de assédio processual com ações frívolas, ameaças aos árbitros e às instituições financeiras cuja função era custodiar os recursos da Paper para o fechamento do negócio. A J&F também instaurou contra a Paper e seus executivos ações criminais e cíveis, que contribuem para retardar indefinidamente o desfecho do caso. Em uma delas, para tentar anular a decisão da arbitragem em que foi derrotada, a J&F fez uma falsa acusação de que estaria sendo espionada pela Paper e, após o arquivamento do inquérito, protocolou mais de 50 ações judiciais e recursos.

Além disso, a J&F e a Eldorado bloquearam o prosseguimento da próxima fase da arbitragem no Brasil, que tem como objetivo efetivar a transferência do controle da Eldorado em favor da Paper, a partir de uma campanha implacável de ameaças e assédio contra os árbitros brasileiros e estrangeiros. Esta tática de guerrilha teve o intuito, conforme a própria J&F reconheceu expressamente, de frustrar a sentença e as ordens do tribunal arbitral e, consequentemente, impedir a transferência do controle da Eldorado e o pagamento de qualquer indenização por todos os danos causados.

Apesar do abuso do direito de litigar praticado pela J&F, a Paper diz em nota que confia que o Poder Judiciário brasileiro decidirá a seu favor, uma a uma, as inúmeras demandas descabidas ajuizadas pela J&F. Afinal, diversas autoridades, entre promotores, juízes e desembargadores, que já analisaram o mérito das ações, identificaram o malicioso abuso da máquina pública perpetrado pela holding dos Batista na tentativa de tumultuar o cumprimento do contrato e da decisão arbitral. Alguns deles, inclusive, já a condenaram por litigância de má-fé.

O desembargador Franco de Godoi, por exemplo, relator da ação que busca anular a sentença arbitral no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), deixou claro em seu voto no julgamento da segunda instância que “a conduta das recorrentes têm alcançado os limites, as raias, da litigância de má-fé, pela maneira repreensível com que tem trilhado os caminhos norteados pela MORAL, pelo DIREITO e pela JUSTIÇA!”

Em outro processo, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber alertou para a utilização indevida das espécies recursais por parte da J&F, prática que desvirtua o próprio postulado constitucional da ampla defesa e configura “abuso do direito de recorrer”.

A J&F, no entanto, diz a Paper no comunicado, não demonstra qualquer constrangimento com as repetidas vezes que a sua má conduta processual foi desaprovada e condenada pelas autoridades judiciais. Segundo a Paper, a cada vitória que conquista na Justiça, a holding dos irmãos Batista cria um novo factoide para tentar impedir que o controle da Eldorado seja transferido, num ciclo persistente de assédio processual. Com o mesmo objetivo, a J&F também se utiliza da própria Eldorado, a qual ainda controla por não ter cumprido o contrato de compra e venda, para atacar a Paper e seus representantes por meio de uma miríade de artimanhas processuais.

Diante dessas circunstâncias excepcionais, a Paper explica que optou por mudar a sede da arbitragem para a França e impedir que a J&F siga abusando do seu direito de ação, com a propositura de dezenas de processos que têm como objetivo travar o procedimento arbitral e retardar o cumprimento de decisões arbitrais.

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