Pós-coronavírus

‘Senti minha vida ir embora’, diz empresário que chegou a se despedir da família durante internação

Empresário participou de eventos durante a viagem de Bolsonaro aos EUA e passou por tratamento teste com esteroides e foi internado na UTI

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Em 7 de março, Jair Bolsonaro e Donald Trump jantaram em Mar-a-Lago, o resort do presidente norte-americano na Flórida. Assessores e convidados dividiram-se em três mesas. Dos comensais, perto de 30 apanharam o coronavírus, mas nenhum apresentou quadro tão grave quanto o empresário catarinense Alexandre Fernandes, 44 anos.

No jantar, ele se sentou justamente ao lado de Fabio Wajngarten, secretário de Comunicação do governo e possível origem da proliferação do vírus. Na semana seguinte, começou com sintomas leves, que acabaram por levá-lo ao hospital e, na sequência, à UTI. Quase duas semanas depois da contaminação, Fernandes estava à beira da morte. Chegou a despedir-se da mulher e das duas filhas pequenas, que moram nos Estados Unidos.

O que salvou Fernandes, quando ele já estava para ser entubado, foi a iniciativa de seu médico de mudar o tratamento e utilizar um esteroide para reverter a inflamação nos pulmões. A partir dali, a recuperação foi rápida e completa.

Cem por cento recuperado e “pimpão”, como se define, o empresário divide seu tempo entre Brasil e Estados Unidos. No momento, está com familiares em Joinville (SC). No final desta semana, viaja para reencontrar a mulher e as filhas em território norte-americano. Amigo de Eduardo Bolsonaro, ele ressalta que seu caso é uma prova de que qualquer um pode sofrer as complicações da covid-19 . Fernandes está empenhado, agora, em que o tratamento que o beneficiou seja adotado para salvar outros pacientes — já reuniu-se com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para abordar o tema. Confira a entrevista concedida por Fernandes a GaúchaZH:

Como começou sua história com o coronavírus?

Fui à Florida (EUA), por ocasião da viagem do presidente, convidado para alguns dos eventos de que ele participou. Na quarta-feira, dia 11, comecei a sentir uma leve dor no corpo. Não tinha febre, não tinha tosse, não tinha nada.

Você já estava de volta ao Brasil?

Tinha acabado de chegar a Guarulhos. À noite, tive febre alta. Estava em Brasília, porque cheguei em Guarulhos e conectei com Brasília. No hotel, vi na TV que o Fabio Wajngarten estava com suspeita de covid. Pensei: “Puxa vida, se esse menino der positivo, acho que peguei também”. Porque estive muito próximo dele durante os eventos. No jantar entre o presidente Trump e o presidente Bolsonaro, no sábado à noite (7), ele sentou na minha mesa, exatamente ao meu lado. O Fabio é extrovertido, ele fala, ele cospe, fala pertinho. Éramos sete ou oito na mesma mesa. Só dois não pegaram o vírus.

Você começou a ter febre no dia em que se soube da situação de Wajngarten?

Eu soube do resultado positivo dele na manhã de quinta-feira (12). Daí eu falei: “Puta merda, peguei esse negócio”. Liguei pro meu médico, em São Paulo. Ele disse: “Compra uma máscara e vem para cá, que tenho o kit para exame no consultório”. Fiz o check-out no hotel com cuidado e comprei uma máscara na farmácia do aeroporto. Depois da coleta no consultório, fui para o flat que tenho em São Paulo. O meu motorista foi ao supermercado, trouxe um monte de compras e deixou do lado de fora da porta. Aí já comecei com esses cuidados, dei uma máscara para ele também. Quando ele desceu pelo elevador, abri a porta, botei as compras para dentro e fiquei trancado na quinta, na sexta, no sábado e no domingo, tomando tylenol para a febre. Comecei a ter dor de garganta e a usar um anti-inflamatório. No domingo (15), começou a falta de ar. Levantava da cama para ir ao banheiro e, quando chegava lá, parecia que tinha feito uma meia-maratona. Preocupado, liguei às 23h para meu médico.

Até então você não estava de cama?

Estava trancado, mas assistindo TV, ia pra escrivaninha, fazia ligações. No domingo, quando liguei ao médico, ele disse: “Vai para o hospital”. Fui ao Vila Nova Star, um hospital novo da Rede D’Or, que fizeram para competir com o Sírio-Libanês e com o Albert Einstein, um baita hospital. Quando veio o resultado da tomografia, 1h30min da manhã, meu médico falou. “Você está com uma inflamação pulmonar causada pela covid”. O meu médico é o doutor Roberto Zeballos, especializado em imunologia e virologia. Um aparte: no sábado, tinha saído o resultado positivo do meu exame.

O resultado positivo assustou?

Não. Nesse momento, da minha turma, dos amigos que foram a Miami, já tinha uns oito com covid. Na comitiva do presidente, mais de 20 pegaram. Até criamos um grupo, “Miami com covid”.

Como foi a evolução no hospital?

Eles começaram a fazer o teste de saturação, que é quantidade de oxigênio no sangue. O normal é dar 98, 99. Eu estava com 92,93. Então colocaram no nariz um cateter com um litro de oxigênio por minuto para mim, para estabilizar em 95. Na terça-feira (17) voltou a cair. Os médicos aumentaram para dois litros por minuto. Na quarta-feira (18), a saturação caiu de novo, e subiram para três litros. Nessa noite, eu passei muito mal. Não conseguia levantar da cama, não conseguia ir ao banheiro, estava totalmente exaurido. Na quinta (19) pela manhã, a saturação tinha baixado bastante, para 90. Ampliaram para quatro litros de oxigênio por minuto e fizeram nova tomografia, que indicou uma inflamação grave. Da tomografia, me mandaram direto para a UTI. Meu médico disse: “Teu quadro está se agravando e teu sistema imunológico não está conseguindo vencer. Como não tem o que fazer com o vírus, quero atacar o efeito dele. Quero salvar o teu pulmão. E quero entrar com um esteroide, mas tem uma resistência no grupo médico da UTI”.

Achavam perigoso?

Havia um debate se o esteroide não poderia dar uma recarga viral, não podia ser comida para o vírus. O meu médico não concordava com isso. Ele disse que ia chamar um amigo, o Marcelo Amato, que hoje eu sei que é um dos maiores pneumologistas do mundo. Eu tive a sorte de meu médico ser amigo de infância dele. O Marcelo Amato veio e disse: “Há três dias saiu um estudo em que 280 chineses em estado grave foram tratados com esteroide e todos voltaram. Vale a pena tentar”. Meu estado era crítico. Eu estava para ser entubado. Soube depois que o respirador já estava do lado de fora da porta. Na quinta à noite, incluíram o solu-medrol, que é o esteroide, no meu tratamento.

Você tinha consciência de que podia ser entubado e ligado ao respirador?
Eles não me falaram isso. Mas você sente. Na verdade, cheguei a me despedir da minha família. Você sente sua vida ir embora. Não consigo explicar. Só sei dizer assim. Parece que você está sentindo que a sua vida está saindo, sabe?

E como isso bate emocionalmente?

Chorei a madrugada de quarta-feira, que foi o dia pré-UTI, quando fiquei mal, mal. Não dormi, fiquei pensando e chorando sozinho no quarto. Porque você sente. Estou indo pro pau! Estou indo pro pau! Cheguei aqui andando, agora não consigo mais ir ao banheiro, não consigo levantar da cama, não consigo comer, a merda desse oxigênio começou com um litro e já está em quatro. E você sente o nervosismo do corpo clínico. Tinha uma enfermeira só para mim, um médico intensivista ali do meu lado, os caras entrando de 15 em 15 minutos. Você vai sentindo. Começa a perceber que o bicho está pegando.

Daí você se despediu da família. Como foi isso?

Temos um grupo no WhatsApp, meu pai, minha mãe, meu irmão, minha cunhada, minha esposa. Quando fui para a UTI, com as últimas forças que tinha, fiz uma carta. Cara… Bicho… São coisas íntimas… Mas falei, né? Pedi perdão pelas minhas faltas e agradeci a todo mundo, falei que amava… Daí pedi a minha mulher para poder fazer um facetime com as meninas (as filhas de cinco e de dois anos). Como eu estava no hospital, cheio de tubo, ela não queria que as meninas me vissem. Eu falei: “Deixa, pelo amor de Deus, eu vê-las, porque pode ser a última vez. “É muito duro, sabe? É muito carregado de emoção. Quando a minha filha de cinco anos me viu, com eletrodo por tudo, cheio de fios, com o oxigênio… É foda. Ela chorou, coitadinha. Eu chorei. É uma merda, uma merda do caralho. Deus te livre disso, meu irmão.

Mas você se recuperou.

Ao meio dia de sexta (20), 12 horas depois de eu começar com o medicamento, já estava com um quadro estável. No sábado de manhã (21), comecei a melhorar. No domingo (22), o meu oxigênio foi reduzido para dois litros por minuto. Na segunda (23), para um litro. Na terça-feira, tirei o oxigênio. À tarde, refizeram a tomografia. Os médicos vieram no quarto e disseram: “Alexandre, parece que você fez um transplante de pulmão escondido. O pulmão está cristalino”. Na terça à noite, saí da UTI. Na quarta-feira , coletaram exame para ver a carga viral. O resultado saiu na quinta à noite: negativo. Me liberaram na sexta.

Já estava se sentindo recuperado?

Cara, eu estava pimpão! Tinha voltado à vida. Saí negativo. Agora eu estou um highlander! Agora eu sou imune.

Como foi o retorno a Joinville?

Fiquei em casa com meus dois meninos, do primeiro casamento, e com meus pais. Ah, é uma emoção. Você vê as pessoas que te amam, que torceram por ti, que te querem bem. É abraço, é choro, é muito forte. Porque na verdade me foi dada uma segunda chance, sabe? Estou encarando dessa forma.

E o que você quer fazer com essa segunda chance?

Quero ser um pai melhor, um marido melhor, um filho melhor e um ser humano melhor. A gente tem tendência de ligar o piloto automático e fazer as coisas sem pensar muito, focar demais no trabalho. Agora começo a relativizar. Será que precisa mesmo? Será que não é melhor gastar tempo com as pessoas de quem você gosta? Inclusive consegui um contato, através de amigos em comum, com o ministro Mandetta. Parece que já há 17 pacientes seguindo o mesmo protocolo que eu. Fui a Brasília, fiz uma reunião no Ministério da Saúde, falei com o ministro Mandetta, botei na mão dele esses estudos.

Esse protocolo é baseado no esteroide?

Sim. Não tem cloroquina nenhuma, tá?

Você acredita que compartilhar seu caso vai ajudar a salvar outras pessoas?

Não tem a menor dúvida. E eu estou espalhando, porque é uma luz no fim do túnel.

Que tipo de mensagem você acha importante passar à sociedade?

Cerca de 15% da população vai desenvolver o quadro grave, que é a inflamação pulmonar. O que eu gostaria de dizer é que sou um exemplo de que não são só os idosos. Sou um homem de 44 anos, nunca fumei, nunca usei droga, nunca tive bronquite, nunca tive asma, nunca fui internado. Nada. Não tenho nada. Sou magro. Tenho um personal e malho todos os dias. A primeira vez que pisei no hospital, tirando para ver o nascimento dos meus filhos, foi esta vez. Eu era o último da lista. Então qualquer um está em risco de desenvolver o quadro agudo. Mas também quero dizer que, para aqueles que desenvolverem, tem um tratamento eficiente. Dizem que minhas tomografias já correram o mundo. Na hora em que os médicos começarem a ver os casos de recuperação, vão usar o esteroide.

Da comitiva de Bolsonaro, você foi o caso mais grave?

Fui. Mas eu não estava na comitiva oficial. Fui convidado, mas não sou do governo. Todos que estavam lá pegaram. Tirando os dois presidentes. E mais uma ou duas pessoas que conseguiram escapar.

 

(Matéria publicada originalmente no site GaúhaZH – https://gauchazh.clicrbs.com.br/saude/noticia/2020/04/senti-minha-vida-ir-embora-diz-empresario-que-chegou-a-se-despedir-da-familia-durante-internacao-na-uti-ck8owac3700d401ntp4i5dkyq.html)

 

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