Onde está Davi da Silva?

Renan Filho tratou Davi da Silva como 'matável' em Alagoas

Governador desconhece caso de jovem desaparecido há dois anos

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Na ocasião da celebração do Dia do Soldado, em Maceió, nesta quinta-feira (25), o governador Renan Filho (PMDB) foi questionado sobre a reportagem do Profissão Repórter, na Rede Globo, veiculada no dia anterior, em que o jornalista Caco Barcellos entrevistou o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência 2016 – Homicídios por armas de fogo no Brasil, após expor o fato de que, em Alagoas, 12 de 13 vítimas de violência letal são negras. O estudioso relaciona o fato ao fenômeno sociológico que criou a figura dos “matáveis” no Brasil e em Alagoas, materializada no caso do jovem negro Davi da Silva, que sumiu há exatos dois anos, após ser levado pela polícia na periferia de Maceió.

“No Brasil existem os ‘matáveis’. Aqueles que podem ser mortos sem nenhum problema. Quando se morre uma pessoa importante, se mobiliza polícia, a opinião pública , a imprensa. Aí não é impunidade. Quando morrem três ou quatro meninos da favela, pobres e negros, não é grande problema para o Brasil”, disse Julio Jacobo Waiselfisz, ao Profissão Repórter.

A pergunta feita a Renan Filho foi sobre os dois anos do sumiço do jovem negro Davi da Silva, desaparecido aos 17 anos em um conjunto de casas populares do Bairro Benedito Bentes, em Maceió. Na sua resposta, o governador herdeiro do presidente do Senado deu uma clara demonstração dessa lógica da violência contra os “matáveis” citada pelo pesquisador.

“Falta a polícia concluir o inquérito e identificar os culpados. Tenho cobrado muito isso. Foi um caso fora do nosso governo. Todos os casos que não têm solução eles precisam ser solucionados. Já falei pessoalmente com o diretor-geral da Polícia Civil para que ele acompanhe esse caso de perto e espero que o caso Davi e outros tantos que precisam ser solucionados, sejam. A elucidação de crimes em Alagoas aumentou muito. Se você não pune o bandido, você estimula que o crime seja cometido”, respondeu Renan Filho à imprensa.

Cadáver insepulto

O problema dessa fala do governador é ele demonstrar o absurdo desconhecimento sobre o andamento do caso que tem sido bastante explorado pela imprensa durante os últimos dois anos. Não adianta Renan Filho ressaltar que o caso não ocorreu em seu governo e ainda afirmar que vai pressionar a polícia, porque o caso já tem como réus quatro policiais militares de uma guarnição da Rádio Patrulha.

O governador deveria saber que, mesmo sem o corpo do jovem ter aparecido, esses agentes de segurança já foram indiciados pela Polícia Civil, denunciados pelo Ministério Público Estadual e respondem a processo perante a 14ª Vara Criminal da Capital pelos crimes de tortura e ocultação de cadáver, com nomes protegidos pelo Estado pelo despropositado segredo de justiça.

A mãe do jovem Davi da Silva, a vendedora ambulante Maria José da Silva, fez hoje a pergunta que tem repetido desde a morte de seu filho: “Onde está Davi?”.

"Todos os dias espero o meu Davi entrar por estas portas. Tenho medo de morrer antes de saber onde ele está. É muita tristeza na alma e penso que não vou durar muito tempo. Todas as noites, me deito e choro caladinha pensando onde ele pode estar neste momento", contou dona Maria à Gazetaweb.

Certamente, nem os números oficiais da violência, nem o desinteresse de Renan Filho em se informar sobre o tema ajudarão a esta pergunta ser respondida.

Jovem no enterro de amigo em Maceió (Captura/Profissão Repórter/Globo)"Situação está negra"

Essa trágica relação de mortes de jovens negros extrapola a proporção do Mapa da Violência 2016, quando se toma a realidade de crimes do último semestre na capital alagoana, na qual das 898 vítimas de homicídios, somente duas eram brancas, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de Alagoas exibidos pela reportagem da Globo. Eles também reforçam essa realidade com relação aos supostos “confrontos com a polícia”, que nos últimos seis meses vitimaram 42 alagoanos mortos pela polícia, todos negros.

O Profissão Repórter esteve em Maceió e acompanhou o drama de famílias que enterravam fílhos mortos pela polícia. O titular da Segurança Pública do Estado, quando questionado sobre o motivo da morte de tantos negros, descartou demonstrar conhecer a origem do problema e disse apenas que não leva em consideração a cor das vítimas, ao tratar do combate à violência. Um erro, claro das políticas públicas ligadas à segurança, diante da realidade dos fatos.

No início da noite desta quinta, a agência oficial de comunicação divulgou que Alagoas mantém a queda de homicídios de negros e pardos. “No período de janeiro de 2013 a agosto de 2014 ocorreram em todo o Estado 3.596 homicídios de pardos. Na atual gestão, o número caiu para 2.593 casos entre 1º de janeiro de 2015 e 24 de agosto de 2016. Foram 1.003 mortes de pardos a menos desde o início da nova gestão”, ressalta o material de divulgação do governo do PMDB.

"A situação está negra", chegou a dizer o governador, em entrevista nesta quinta, quando questionado sobre o assunto. Estivesse negra, certamente estaria bem melhor.

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