Descriminalização

Primeiro dia de debate no STF sobre aborto teve abordagem mais científica

Próxima audiência terá entidades religiosas, juristas e ativistas de direitos humanos

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Apresentação feita durante a audiência pública sobre descriminalização do aborto convocada pelo Supremo Tribunal Federal. Foto: José Cruz/ABr

Na próxima segunda-feira (6), o Supremo Tribunal Federal (STF) conclui a audiência pública convocada para discutir a reinterpretação dos artigos 124 e 126 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940), conforme demanda do PSOL – em ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 442), que objetiva a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, tanto para a mulher quanto para a equipe que efetue o procedimento.

As exposições previstas são diferentes das assistidas nesta sexta-feira. Conforme metodologia estabelecida pela relatora da ação, ministra Rosa Weber, na segunda-feira terão a palavra entidades religiosas, juristas e ativistas de direitos humanos. Hoje, o STF concentrou entidades civis com alguma vinculação profissional e de pesquisa, como as associações médicas.

O efeito foi um debate menos centrado em posicionamento moral sobre o aborto, tanto entre quem defende a anulação dos artigos do Código Penal à luz da Constituição Federal, quanto quem é a favor de que o procedimento continue proibido em lei, à exceção dos casos de estupro, de risco de vida ou de fetos anencéfalos.

De acordo com a antropóloga Lia Zanotta, o direito das mulheres de interromper a gravidez até o terceiro mês gestacional era, há alguns anos, uma causa quase que exclusivamente feminista, “mas agora tem uma resposta de associações médicas, de pesquisadores, de psicólogos. Há uma escuta da comunidade científica, da comunidade médica e também da comunidade jurídica”, ponderou.

Chamou atenção de Lia Zanotta que até argumentação contra o aborto ganhou tom mais empírico e racional. Nesse sentido, se destaca a participação de Viviane Petinelli e Silva, doutora em Ciência Política pela UFMG e vinculada ao Instituto de Políticas Governamentais (IPG) entre as duas dezenas de exposição ouvidas na tarde de sexta-feira no STF.

Segundo os números que apresentou no STF, a descriminalização do aborto pode ser muito onerosa para os cofres públicos. Viviane Petinelli calcula que, sem a aplicação dos artigos do Código Penal, crescerá em sete vezes o gasto do sistema de saúde com a atenção básica de gestantes, dos atuais R$ 80 milhões para mais meio bilhão de reais. “O aborto custa caro”, assinalou em sua apresentação.

Em entrevista à Agência Brasil, Viviane Petinelli afirmou que há riscos de o aborto tornar-se “método de planejamento familiar” e impactar no crescimento populacional. “Algumas mulheres defendem o aborto sem pensar que consequências terão para ela mesma daqui a 10, 20 e 30 anos… [Teremos] uma sociedade com menos pessoas, que produz menos e que vai ficar dependente de importação de pessoas, como acontece nos países desenvolvidos”.

Os favoráveis à descriminalização do procedimento, destacaram direitos da mulher como dignidade e cidadania e alertando para casos de violência doméstica, gravidez indesejada na adolescência, entre outros relatos que levam milhares de mulheres a buscar métodos clandestinos de aborto. A principal preocupação desses especialistas são as complicações e mortes ocasionadas, de certa forma, pelas dificuldades devidas à criminalização do ato. Eles argumentam que, deixando de ser crime, o procedimento passará a ser mais seguro e poderá integrar uma política mais completa de saúde que inclua o aconselhamento anticonceptivo que poderia evitar novos casos.

A professora Melania Amorim, do Instituto Paraibano de Pesquisa Joaquim Amorim Neto, afirmou que a mortalidade materna relacionada ao aborto seguro é considerada zero nos países em que aborto é descriminalizado, enquanto o Brasil tem uma morte por aborto a cada dois dias. Fazendo coro aos demais defensores da descriminalização, Melania disse que as mortes maternas por aborto ocorrem caracteristicamente entre mulheres jovens, negras, de baixa renda e de baixa escolaridade.

“São mulheres que não têm, em geral, conhecimento sobre métodos de aborto. Quem tem recursos pode ter acesso a métodos seguros, embora clandestinos. O principal fator impeditivo ao acesso ao aborto seguro é a criminalização, que aumenta a mortalidade sem reduzir a ocorrência de abortos induzidos. Para a professora, o aborto seguro garantiria a aproximação entre pacientes e médicos e profissionais de saúde que poderiam reforçar informações para evitar uma nova gestação indesejada. (Com informações da Agência Brasil)

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