Uso indevido e burocracia

Fundo contra pobreza tem finalidade desviada e não serve aos pobres de Alagoas

Fecoep arrecadou R$ 884 mi desde 2014 e quadruplicou saldo anual no governo Renan Filho

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Desvios de finalidade e excesso de burocracia no Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep) tem excluído famílias pobres de Alagoas do acesso às suas necessidades mais urgentes de sobrevivência, no governo de Renan Filho (MDB). O fundo criado em 2005 pelo então governador Ronaldo Lessa (PDT), deu origem a uma infinidade de exigências que impõem, em média, dez ou mais cobranças de documentos por item solicitado. Somado tudo o que é pedido para prestação de contas, são 112 encaminhamentos de dados.

Reportagem de capa deste fim de semana do jornal Gazeta de Alagoas expôs que , de 2014 até junho deste ano, foram arrecadados R$ 884,3 milhões, sem que o Poder Executivo aponte uma só pessoa dos 800 mil alagoanos que vivem em extrema pobreza e que tenha deixado essa condição.

Em março, o deputado estadual Dudu Ronalsa (PSDB-AL) constatou que a burocracia cria dificuldade até para os convênios mantidos com secretarias do próprio governo, ao cobrar o repasse para a Secretaria Estadual de Prevenção à Violência (Seprev), que ficou por três meses sem receber as verbas destinadas a 37 comunidades terapêuticas que atendiam, à época, 750 pessoas.

O Fecoep está atrelado à Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão (Seplag), com ações determinadas pela Secretaria de Estado da Assistência Social, por meio do Conselho Integrado de Políticas de Inclusão Social (CIPIS), que é presidido pelo governador. E é composto pelo acréscimo de 2% do ICMS da comercialização de produtos como bebidas alcoólicas, fogos de artifício, armas e munições, embarcações de esporte (recreio – motores de popa), ultra-leves e asas deltas, rodas esportivas automotivas, gasolina, álcool anidro e hidratado para fins combustíveis, entre outros produtos.

Mesmo com 14 anos de arrecadação, ainda não existe o Plano Estadual de Combate à Pobreza para regularizar o uso do fundo, enquanto se transferem seus recursos, há mais de uma década, para ações como o Programa do Leite. Conforme apurou o jornalista Marcos Rodrigues, somente no ano passado, o Programa do Leite arrecadou R$ 260 milhões, sem expor dados sobre quantas pessoas, de fato, foram excluídas da pobreza, como define a Lei nº 6.558, que o criou.

A reportagem aponta que a criação de complexos nutricionais que serviriam para o fornecimento de alimentação saudável foi a única ação direta da atual gestão com recursos do Fecoep. Assim como o Programa do Leite, uma ação assistencialista, que de acordo com a lei que o criou não está entre os seus objetivos.

Legislativo avalia CPI

A oposição na Assembleia Legislativa Estadual (ALE) articula instalar uma CPI para investigar minúcias da arrecadação e aplicação dos valores recolhidos ao Fecoep, devido às suspeitas de uso indevido dos recursos, que deveria fomentar a inclusão social dos pobres de Alagoas.

A construção do Hospital Metropolitano com recursos do fundo foi apontado como desvio de finalidade já no primeiro mandato de Renan Filho, pelo deputado estadual Bruno Toledo (Pros-AL). Mesmo caso da reforma e ampliação do Hemoal de Alagoas.

“Ninguém é contra isso [o combate e erradicação à pobreza). Ocorre que, nesse governo estadual, o Fecoep acaba sendo um ‘cofre’ disponível para financiar todo tipo de obra do Executivo, como se tudo se encaixasse no conceito de combate à pobreza. Minha maior preocupação é com o desvio de finalidade dos recursos que estão ali, pois é dinheiro do contribuinte. É preciso que o Fundo trabalhe dentro de um planejamento e seja regido por uma legislação para não ficar ao sabor das decisões políticas desse ou daquele governador. O Fecoep hoje é mal utilizado. É um perigo. Os deputados que cobram um Plano Estadual estão corretos. O Fecoep não é uma lâmpada que o governador esfrega e faz três ou quatro pedidos de obras públicas para um gênio”, disse Toledo, que foi substituído do conselho após criticar o governo, no primeiro mandato de Renan Filho.

A deputada estadual Jó Pereira (MDB) tem dificuldade de apontar onde a pobreza, depois de combatida, deixou de existir. “Infelizmente, nunca o Fecoep, desde a sua criação, respondeu essa pergunta. E isso ocorre pela falta do Plano Estadual de Combate à Pobreza, que traria a necessidade de indicadores de monitoramento da extrema pobreza e como os investimentos estão impactando na redução dessa extrema pobreza”, explicou Jó.

A deputada lembra que, por força da Emenda Constitucional 93/2016, o governo Renan Filho pode desvincular da receita do Fecoep até 30% de todo o recurso arrecadado. Ela acredita que o Fecoep, em vez de se valer do apelo social para arrecadar do contribuinte de um estado pobre como Alagoas, deve ser porta para a entrada de mais recursos através de convênios, parcerias e doações, a partir da identificação de populações alvo e planejamento da transformação.

“O governo estadual poderia arrecadar milhões através de parceiros nacionais e internacionais, e parte dos recursos do Fecoep seria para a elaboração dos projetos e para a contrapartida quando exigida. Com eficiência e determinação é possível transformar os R$ 200 milhões em bilhão e mais rapidamente retirar irmãos alagoanos da extrema pobreza. Alagoas precisa acordar para um mundo não mais globalizado, e sim interligado, onde mercados e problemas já são de todos”, propõe a deputada mais votada de Alagoas, sobre o fundo que tinha saldo de arrecadação de R$ 32 milhões, somente de de janeiro a março deste ano.

Veja quanto o fundo arrecadou, de acordo com dados do Portal da Transparência:

  • 2014: R$ 67.022.025,26;
  • 2015: R$ 74.875.517,25;
  • 2016: R$ 139.026.250,83;
  • 2017: R$ 178.483.065,65;
  • 2018: R$ 274.774,557,30;
  • 2019: R$ 150.071.138,97 (até junho deste ano)

Deputada estadual Jó Pereira. Foto: Divulgação

Desvios de finalidade

A deputada Jó Pereira apurou que, dos 22 agrupamentos de naturezas distintas de projetos, apenas seis foram identificados como estando próximos do objetivo do Fecoep. “São projetos que, em quatro desses grupos, levam comida às pessoas vulneráveis (possivelmente parte delas estão na extrema pobreza). Sendo esses, por exemplo: cestas nutricionais; complexos nutricionais municipais fornecendo pequenas refeições; apoio à ONG CREN, com nutrição e educação, em Maceió; e distribuição de alimentos e leite oriundos da agricultura familiar. Os dois outros grupos elencados nessa condição de aproximação de objetivo são o de construção de casas populares e urbanização de comunidades e o outro, apoio às atividades do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no estado”, detalhou a parlamentar.

Jó ainda indica outros 11 agrupamentos atendem a diversos segmentos da sociedade, estando, em sua esmagadora maioria, distantes da condição de extrema pobreza: atividades de acesso à água; fomento à agricultura; apoio ao tratamento de dependentes químicos; atividades com reeducandos; apoio ao trabalhador; apoio a universitários e a arranjos produtivos e empreendedores.

A parlamentar lembra de outros investimentos feitos para atendimento do público em geral e não especifica e predominantemente abaixo da linha da pobreza: a construção de infraestrutura nas áreas da saúde, educação, hídrica, assim como aquisição de equipamentos para uso por secretarias de estado em construção de hospitais, escolas, barragens e seus equipamentos.

“Aqui registro que todos nós, alagoanos, podemos ser beneficiários, independente da condição econômica, estando estes grupamentos totalmente fora do foco do combate à extrema pobreza”, concluiu a deputada. (Com informações da Gazeta de Alagoas)

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