Punição valiosa

Juízes ‘punidos’ com aposentadoria compulsória custam R$57 mil

Cerca de 118 juízes foram aposentados compulsoriamente pelo CNJ ou por seus respectivos tribunais desde de 2006

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Pagamentos por empresa privada tem regras frouxas de transparência (Foto: CNJ).

Cerca de 118 juízes foram aposentados compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou por seus respectivos tribunais, desde de 2006. O levantamento feito pelo jornal Estadão mostra que só o Conselho foi responsável pelo afastamento de 88 magistrados, outros 30 tiveram punição definida por tribunais regionais e estaduais. 

Os seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), os 27 tribunais estaduais e do Distrito Federal (TJs), os 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e os três Tribunais de Justiça Militar (TJMs), foram procuradas pelo Estadão, pois também podem impor sanções a seus membros por meio de processos administrativos disciplinares (PADs). Apenas 13 das 60 cortes demandadas retornaram com informações dentro do prazo estabelecido para a apuração. 

As causas da aposentadoria forçada vão desde emitir posicionamento político em período eleitoral a praticar assédio sexual, como ocorreu com um juíz do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) que fez investidas contra ao menos quatro jovens que trabalhavam em empresas tercerizadas. Há casos de corrupção passiva, como o ocorrido com um juiz da cidade de Nossa Senhora de Nazaré (PI), que cobrou quantias em dinheiro à prefeita do município para tomar decisões. Em 2023, houve um salto no número de magistrados aposentados pelo CNJ. Foram cerca de 13 diante de apenas dois no ano anterior e quatro em 2021. 

Um dos casos, foi do juiz Guilherme da Rocha Zambrano, substituto na 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Ele foi condenado à aposentadoria compulsória por comprar cinco carros de luxo em leilões. A avaliação foi a de que o magistrado incorreu em atos de comércio, com a participação ‘sistemática’ em leilões de automóveis e a constituição de uma sociedade comercial, em violação à Lei Orgânica da Magistratura. Nos autos, juiz negou irregularidades

 

Pena mais dura, gasto absurdo

 

A aposentadoria compulsória é a pena mais “dura” que um magistrado pode sofrer. Quando este tipo de sanção é imposta, o condenado para de trabalhar, mas continua a receber salário proporcional pelo tempo de contribuição.

Um magistrado brasileiro recebe em média R$37,2 mil, segundo painel de remuneração do Conselho Nacional de Justiça. Na Justiça Federal, por exemplo, a média salarial em março deste ano ficou em R$38,2 mil, enquanto na esfera estadual o vencimento básico médio chega a R$36,3 mil. Essas cifras fazem com que o gasto anual do Poder Judiciário com os 118 juízes e desembargadores aposentados compulsoriamente equivalha a cerca de R$57 milhões. O montante pode ser ainda maior, já que o cálculo da aposentadoria forçada é feito sobre o tempo de contribuição e há casos de juízes que continuam recebendo “penduricalhos” como o primeiro punido pelo CNJ.

O argumento jurídico que sustenta essa prática é o de que os juízes, promotores e militares precisam de autonomia para exercer a função e, portanto, não podem agir com medo de serem penalizados com a perda da remuneração. Há ainda outras formas de punição, como censura, advertência e remoção compulsória (mudança de fórum ou comarca). A única forma de um juiz deixar de receber salário é em caso de condenação criminal.

“Determinadas carreiras recebem ou merecem receber prerrogativas para o exercício da função, mas isso acaba mal casando com uma tradição brasileira que eu chamo de ‘corporações de ofício’, que se protegem e procuram transformar prerrogativas em privilégios. Prerrogativas são questões constitucionalmente justificáveis e explicáveis. Privilégios, não”, afirma o professor de direito administrativo Álvaro Jorge, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A aposentadoria compulsória me parece que não está no âmbito de uma prerrogativa justificável, mas de um privilégio”, completou.

Em contra partida, a  Associação Brasileira de Magistrados (AMB) avalia que a aposentadoria compulsória “não é um benefício do juiz, mas a contrapartida pelos pagamentos realizados ao regime de previdência ao longo do tempo de exercício da função”. Em nota à reportagem, a organização afirmou que, na “história recente do País”, magistrados foram aposentados compulsoriamente por discordarem do Poder vigente. De acordo com a AMB, “há, portanto, motivos históricos para a existência da aposentadoria compulsória com recebimento de proventos proporcionais”.

“Além disso, faz parte das prerrogativas da magistratura, que contribuem para a manutenção da independência judicial, pois garante aos magistrados e magistradas a prerrogativa de decidir com independência e imparcialidade, sem sofrer represálias, mesmo quando contrariam o poder vigente”, disse a AMB. “Como quaisquer cidadãos, juízes que cometem crimes graves devem responder perante o Poder Judiciário, e podem ser condenados, com a observância do devido processo legal”, finalizou.

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