Viúva de Jango será indenizada em R$ 79 mil por repressão da ditadura
Juiz federal acolheu pedido de ex-primeira-dama motivado por perseguição política e exílio sofridos após o golpe de 1964
A Justiça Federal condenou a União a pagar R$ 72,9 mil a Maria Thereza Goulart, viúva do ex-presidente da República João Goulart, por danos morais resultantes da perseguição política e do exílio sofridos por ela e seus filhos, durante regime que instalou a ditadura militar, após o golpe de 1964. A sentença do juiz Bruno Risch Fagundes de Oliveira, da 4ª Vara Federal de Porto Alegre, é da na véspera do Natal de 2023 e foi divulgada ontem (9).
Em sua ação, a ex-primeira-dama narra que Jango tinha carreira bem-sucedida no ramo agropecuário e na política, após ser deputado federal, ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, vice de Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros, antes de assumir a Presidência e ser deposto pelas Forças Armadas.
A viúva ainda argumentou que seus filhos tinham seis e oito anos, quando foram retirados às pressas da Granja do Torto e embarcados em avião da Força Aérea para Porto Alegre, com bagagem mínima, deixando para trás patrimônio que incluía joias e roupas de marca, saqueadas. Mesmo destino que teve o rebanho de gado de suas fazendas e seus ativos pessoais.
Maria Thereza Goulart lembrou ainda que trocou a vida no Brasil pelo exílio no Uruguai, por cerca de nove anos, até o golpe de Estado de 1973, no país vizinho, quando seguiu para a Argentina, e viveu novo golpe em 1975. Ela relatou as tensões de enviar seus filhos para Londres, onde seu neto nasceu, após a descoberta de um plano para sequestrá-los.
Em seu pedido de indenização, a viúva ressalta ter vivido dificuldades, incertezas e saudades, que se agravaram com a morte de Jango, em 6 de dezembro de 1976, aos 57 anos, na Argentina, vitima de ataque cardíaco, com suspeitas de envenenamento não confirmadas, após exumação de seu corpo ter resultado inconclusivo, em 2013.
Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Privação da cidadania
O juiz concluiu que o dano moral pelo exílio envolveu injusta privação dos direitos da cidadania e que a suspensão dos direitos políticos de Janco transcendeu os limites de sua própria esfera de direitos, impactando diretamente na vida da então primeira-dama. O que caracterizou ainda danos aos direitos da personalidade da viúva.
“O grupo familiar do ex-Presidente, como um todo, teve de suportar os danos decorrentes de tal ato de exceção, que se iniciaram com a fuga do território nacional e tiveram desdobramentos ao longo de mais de uma década e meia de perseguição política, assim reconhecida no processo administrativo que tramitou na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça”, disse a sentença de Bruno Risch.
A União defendeu-se, argumentando que Maria Thereza Goulart não sofreu prisões, torturas ou agressões pelo Estado Brasileiro. Citando que ela já afirmou, em outras ocasiões, que a vida no exterior era confortável até que se instalaram regimes ditatoriais naqueles países; e deu entrevista na qual admitia que, mesmo no exílio, não sofrera grandes privações econômicas.
Mas o juiz federal destacou que a documentação pública que integra o Arquivo Nacional demonstra que, mesmo fora dos limites do território nacional, o Estado Brasileiro manteve, por meio de cooperação com outros países, controle e vigilância ostensiva sobre o ex-Presidente João Goulart.
“O ilegítimo monitoramento do ex-Presidente durante todo o exílio, por motivação exclusivamente política, inexoravelmente se estendeu à sua esposa, pois indissociável a vigilância da vida privada de um e de outro”, concluiu o magistrado.