Fato consumado

STJ descarta reverter privatização da Vale, com base em negativa do TRF1

Primeira Seção do STJ concluiu que decisão do TRF1 que negou reestatizar gigante da mineração tem eficácia sobre todas ações semelhantes

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A Vale é uma das empresas que fizeram acordo bilionário de indenização às vítimas - Foto: Agência Brasil.

​A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que rejeitou pedidos de reversão da privatização da Vale, ocorrida em 1997, tem eficácia sobre todas as ações populares sobre o mesmo tema da reestatização da gigante da mineração no Brasil.

O STJ utilizou a sistemática do incidente de assunção de competência (IAC 7). E estabeleceu a seguinte tese:

“Diante da conexão existente entre as ações populares que possuem como objeto litigioso a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, ainda que sob os mais diversos pretextos (conforme se verifica das razões de decidir no CC 19.686/DF, STJ), a superveniência de sentença transitada em julgado em uma delas (REO 2002.01.00.034012-6; TRF 1ª Região) possui eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, nos termos do artigo 18 da Lei 4.717/1965, motivo pelo qual a parte dispositiva deve recair sobre todas as ações populares que possuem o mesmo objeto”.

A Corte informou que o precedente qualificado do STJ poderá ser agora aplicado a todos os processos que tinham sido suspensos pela Primeira Seção e que voltam a tramitar após a definição da tese.

Brumadinho foi destruída pela Vale. Foto: Reprodução

‘Desastroso’

O TRF1 aplicou a teoria do fato consumado, entendendo que a privatização da Vale já havia produzido efeitos que não poderiam ser alterados pelo Judiciário. E considerou que seria “desastroso” reverter a situação da empresa em detrimento de todas as mudanças produzidas a partir da desestatização.

Mesmo após o julgamento do TRF1, seguiram tramitando por todo o país várias ações populares que, entre outros pontos, alegavam lesão ao erário decorrente da subavaliação da Vale e a suposta violação da Lei 4.717/1965.

Neste intervalo, a Vale foi responsável por desastres reais, como o que matou 272 pessoas, quando a barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, se rompeu, em 5 de janeiro de 2019.

Ações de 27 anos  

O relator do IAC 7, ministro Mauro Campbell Marques, lembrou que os questionamentos sobre a privatização da Vale chegam ao STJ desde o ano em que a companhia foi leiloada. Nesse contexto, ainda em 1997, a Primeira Seção julgou o CC 19.686 e determinou a centralização das primeiras 27 ações populares na Justiça Federal do Pará, sob o fundamento de que havia inegável conexão entre todas elas.

“Nos termos em que já decidido por esta corte, é certo, portanto, que o reconhecimento dessa relação de semelhança que enseja a reunião dos processos não exige absoluta identidade, mas sim que as ações sejam análogas, requisito este que recai sobre a relação jurídica deduzida em torno do objeto litigioso – aqui, impedir/anular a privatização da empresa estatal”, completou.

Apesar do reconhecimento da conexão, o ministro apontou que o TRF1 acabou por dar soluções diferentes a ações semelhantes, com decisões como a aplicação do fato consumado (por exemplo o REO 2002.01.00.034012-6, que transitou em julgado) e a reforma de sentenças para permitir a produção de prova pericial. Por essa razão, em 2008, na Rcl 2.259, o STJ entendeu que a conexão não foi respeitada, o que gerou julgamentos conflitantes.

Sem titular exclusivo do bem jurídico

Campbell enfatizou que o TRF1 ignorou a obrigatoriedade de julgamento único para todos os processos conexos, sob o entendimento de que somente questões formais do edital do leilão seriam atingidas pelo fato consumado, mas não o questionamento sobre os critérios de avaliação do patrimônio da Vale.

“Os fundamentos adotados pelo tribunal de origem vão de encontro às reiteradas manifestações desta corte superior sobre a conexão e a necessidade de julgamento único das ações populares que visam impedir/anular a privatização da empresa estatal. Ora, os fundamentos acima transcritos não denotam traço distintivo relevante a justificar provimentos jurisdicionais diversos, caracterizando ofensa ao artigo 18 da Lei 4.717/1965”, enfatizou.

O relator ressaltou que o julgamento único – um efeito da atribuição da condição erga omnes à sentença proferida em ação popular – decorre da ideia de que o autor desse tipo de ação representa toda a sociedade, pois não é o titular exclusivo do bem jurídico e a sua legitimação é comum a um número indeterminado de pessoas.

Para Campbell, não se pode admitir que ações populares sobre um mesmo objeto litigioso tenham soluções diferentes, inconciliáveis entre si, “especialmente quando já existe causa decidida e transitada em julgado”. (Com STJ)

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