'Descondenações' engatilhadas

STF deve gerar ‘anistias’ à má gestão por exigir dolo para improbidade

Supremo declarou inconstitucional forma não intencional de ato de improbidade, que condenava maus gestores incompetentes

acessibilidade:
(Foto: Gustavo Moreno/STF)

Milhares de maus gestores condenados por atos de improbidade administrativa podem ter anuladas suas sentenças condenatórias com base na decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucional a modalidade culposa (não intencional) deste ilícito que afeta a vida de muitos brasileiros. A decisão de exigir dolo, a intenção de cometer esta ilegalidade na gestão do dinheiro público, foi tomada na sessão virtual finalizada em 25 de outubro, e já movimenta defesas de condenados por improbidade em busca de uma “anistia” para a má gestão, mesmo com processos transitados em julgado.

Autor da série de “descondenações” de réus por corrupção no escândalo da Operação Lava Jato, o ministro Dias Toffoli também teve papel de destaque na mudança de rumos no entendimento do que é improbidade administrativa, ao ser relator do Recurso Extraordinário (RE) 656558, com repercussão geral reconhecida como Tema 309.

Toffoli defendeu que ato de improbidade administrativa é definido pela Constituição Federal apenas com a presença de dolo. “A culpa, inclusive quando grave, não é suficiente para que a conduta de um agente seja enquadrada dessa forma, qualquer que seja o tipo desse ato”, concluiu o ministro.

O relator convenceu a 7 de seus 11 colegas de Supremo que improbidade é um ato em que o agente viola o dever de agir com honestidade. Por isso, esta noção de desonestidade, conectada à deslealdade e à má-fé, deve estar estreitamente relacionada com o dolo.

Ele ainda concluiu que a ação negligente, imprudente ou de imperícia pode caracterizar ilícito administrativo e resultar em punições, mas, a seu ver, “não caracteriza a desonestidade e o dolo necessário para configurar o ato de improbidade administrativa”.

Assim, foi retirada a modalidade culposa prevista nos artigos 5º e 10 da redação original da Lei de Improbidade Administrativa, Lei 8.429/1992. E Toffoli destacou que a mudança já havia ocorrido há cerca de três anos, quando Lei 14.230/2021 alterou já exigiu a necessidade da conduta dolosa para configurar o delito, para casos a partir da nova legislação.

STJ não exigiu dolo

A decisão contrariou uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) contra um escritório de advogados contratado pela Prefeitura de Itatiba (SP) com dispensa de licitação. O contrato foi considerado legal pela primeira instância e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP); e compreendido como ilegal pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A Corte Superior concluiu que a improbidade não depende de dolo ou culpa e determinou a aplicação de multa. E o escritório recorreu da decisão do STF com o Recursos Especial julgado pelo Supremo.

O STF admitiu a possibilidade de entes públicos contratarem serviços advocatícios sem licitação, em casos em que a prestação do serviço pelo poder público seja inadequada e o preço do serviço contratado seja compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso e respeite o valor de mercado. Isso porque a Lei de Improbidade prevê expressamente a necessidade de procedimento administrativo formal, atestando a notória especialização profissional e justificando a necessidade de natureza singular do serviço contratado.

E a não comprovação do dolo dos envolvidos na contratação levaram à decisão favorável ao recurso, tomada pelos ministros Toffoli, Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Nunes Marques, Luiz Fux e Gilmar Mendes. Com votos vencidos parcialmente do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e dos ministros Edson Fachin e André Mendonça e da ministra Cármen Lúcia.

Veja a tese de repercussão geral:

a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos artigos 5º e 10 da Lei 8.429/92, em sua redação originária.

b) São constitucionais os artigos 13, V, e 25, II, da Lei 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar:

(i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e
(ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores”.

Reportar Erro