Pronto para legislar

Candidato com ELA garantiu R$ 252 milhões contra doença rara, em Alagoas

Hemerson Casado quer ser o 1º deputado com ELA do mundo

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Dr. Hemerson Casado em campanha no Mercado da Produção de Maceió. Foto: Divulgação

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) ameaça sufocar vidas em corpos paralisados pelo avanço da doença rara e degenerativa vista como sentença de morte para pacientes pobres. Mas o olhar do cirurgião cardiologista Hemerson Casado segue focado na luta por políticas públicas e pesquisas que resultem em tratamento e dignidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo sem cargo público ou mandato, o médico diagnosticado com ELA há seis anos conseguiu R$ 252,3 milhões em recursos do Ministério da Saúde para o avanço da ciência nos estudos sobre a doença nos próximos cinco anos. E o médico garante que fará mais pelos alagoanos, se for eleito deputado federal pelo PP de Alagoas.

Para obter o investimento inédito em parceria com as universidades federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e de Alagoas (UFAL), Hemerson Casado valeu-se apenas dos movimentos de seus olhos, a única forma usada para libertar seus pensamentos para além de seu corpo inerte, com a ajuda de um computador e um dispositivo que custa R$ 26 mil.

Enquanto arca com altos custos de sua sobrevivência, o ativista trava um desafio desproporcional na batalha eleitoral por uma das nove vagas de Alagoas na Câmara dos Deputados. Com pouco dinheiro nem condições físicas ideais para encarar o tradicional corpo a corpo com o eleitor, Hemerson Casado ainda enfrenta preconceitos e descrédito de quem não conhece suas capacidades intelectuais plenas para desempenhar suas funções de legislador, atestadas publicamente pelo neurologista Fernando Gameleira.

Para conquistar votos suficientes para se eleger em um estado com territórios dominados pela política coronelista, o cardiologista contou com a ajuda da esposa Paula; já lançou livros eletrônicos com suas propostas e trajetória de vida; transmitiu a rotina de sua vida durante dias através de um canal do Youtube; arriscou a saúde longe da estrutura de homecare mantida em casa, para enfrentar ambientes insalubres como o Mercado da Produção de Maceió (AL) e fazer panfletagens em meio ao trânsito sob um sol escaldante da primavera alagoana.

E ainda tem de encarar a falta de acessibilidade, eleitores sedentos pela corrupção eleitoral e o abuso de poder de rivais que dominam currais eleitorais na capital e no interior de Alagoas.

Nas eleições de 2014, Hemerson Casado obteve a 16ª votação, com mais de 15 mil votos e ficou como segundo suplente de deputado federal pelo MDB de Alagoas. Mas foi alvo de um boicote quando teve oportunidade de assumir o mandato, em julho de 2016, quando o titular da vaga, Marx Beltrão, hoje no PSD, se tornou ministro do Turismo. Dois meses depois, protestou em seu perfil do Facebook contra a falta de medicamentos para portadores de ELA em Alagoas. Foi quando acusou o governador de Alagoas Renan Filho (MDB), candidato à reeleição, de instituir a pena de morte para ele e os pacientes alagoanos com ELA.

Para informar o eleitor sobre as ideias de um candidato que já faz história na política alagoana, brasileira e mundial, o Diário do Poder entrevistou Hemerson Casado através de um aplicativo de mensagens com o qual o político portador de ELA se comunica constantemente, de forma até mais rápida do que muitos usuários. Para digitar movimentando os olhos, conta com o auxílio do programa chamado “Tobbi”.

A conversa expõe que os ideais de Hemerson Casado vão além do ativismo pelas doenças raras. “O problema aqui em Alagoas é a falta de projetos. Tudo tem um viés político. Não se tem uma boa intenção, um grupo de valores que deveriam fazer parte da atividade política: ética, honestidade, transparência, respeito pelo povo e pelo erário, gabinete enxuto. Sendo eleito, meu primeiro ato será contratar uma auditoria independente para vigiar o meu mandato”, disse Hemerson Casado.

Leia a entrevista completa:

Como está a luta nesta campanha?

Eu tenho estado na maioria dos lugares possíveis. Mais importante que a minha deficiência física o que pesou muito na campanha em termos de mobilidade, foi a minha deficiência financeira. Eu tive gratas surpresas em lugares onde passei, mas algumas decepções, como o povo, em parte, acostumados ou diria viciados na política do toma lá dá cá e lideranças políticas de comunidades pedindo vantagens financeiras, ao invés de querer fazer parte de um projeto político. Segundo, que a falta do voto distrital misto, impede que você alcance a população, sem depender do poder econômico. Terceiro, que em muitos locais que eu fui, não tive a acessibilidade, necessária, não só para mim, mas para qualquer outro cidadão. Quarto foi o fato de que em alguns espaços públicos, como o mercado público, ou municípios, existem políticos que comandam, esses locais e aterrorizam os moradores ou trabalhadores, tirando a liberdade de escolha e expressão, sob pena de demissão de cargos públicos de comissão, retaliações, como atraso de salários e a prática do medo.

Hemerson Casado disputa vaga de deputado federal pela segunda vez, em Alagoas. Foto: Divulgação

Como tem sido a reação das pessoas à sua candidatura?

Eu queria também expressar a minha opinião sobre como a população alagoana reagiu a uma candidatura tão excêntrica quanto à minha. Eu tive que me concentrar no meu passado de trabalho, família e relações com os interesses dos brasileiros e alagoanos, além de trazer a minha história de luta contra às doenças raras, principalmente contra a ELA, e por último assegurar à população de que eu sou capaz de fazer uma campanha, de exercer um mandato por quatro anos e de versar sobre outros tantos assuntos que um deputado federal tem que versar.

De que forma o senhor pretende ampliar, como deputado federal, sua luta pelo tratamento da Ela e de doenças raras na saúde pública?

A pergunta, me permite explicar melhor, o porque que eu decidi começar a minha carreira política, como deputado federal, para tratar das questões importantes para o futuro do nosso estado e do país. Eu de forma clara, entendo que já temos muitas leis que deixam muito claro os direitos dos pacientes e familiares, com doenças raras e outras doenças crônicas ou graves, como a assistência ao trauma. Entretanto, essas leis não são cumpridas, ou asseguradas, ou ao menos conhecidas do povo brasileiro e até mesmo dos profissionais da lei e do poder judiciário, que deveriam assegurar o cumprimento das leis.

Eu entendo que a melhoria da assistência médica e multiprofissional passa pelo investimento em pesquisas de alto nível e da criação da disciplina e especialidade médica e de profissionais de saúde, em doenças raras, além da distribuição de centros de excelência ou referência, em todos os estados da federação, para descentralizar a oferta de serviços. Vamos trabalhar também, na garantia da distribuição dos medicamentos, controle de preços, aceleração nos registros, pela Anvisa, atração de laboratórios privados de pesquisas e atração de indústrias farmacêuticas para fabricação de medicamentos de alto custo para redução dos preços de compra por parte do governo federal, permitindo uma melhor oferta desses medicamentos.

Mesmo sem mandato, o que o senhor destacaria entre as conquistas já obtidas em seu trabalho pelas pessoas com doenças raras?

Primeiro lugar, eu diria que foi a visibilidade e conscientização por parte dos brasileiros, sobre as doenças raras. Segundo, a informação sobre as dificuldades que os pacientes e familiares enfrentam, a ausência do estado, no cumprimento dos serviços necessários, não só no eixo sul sudeste do país, mas principalmente para as regiões menos favorecidas ou mais remotas. [Informar sobre] A fragilidade da ciência brasileira, no tocante às pesquisas de alto nível, diversificação dos investimentos, cobrança de resultados, prêmio para metas alcançadas, ausência de financiamento privado para pesquisas. De forma concreta, a inclusão de softwares para tecnologia assistiva para portadores de deficiência permanente ou temporária, na fala. Atração de investimentos para pesquisas em ELA.

Foram R$ 2,3 milhões, para o primeiro laboratório dedicado ao estudo da ELA e ao desenvolvimento de tratamento para a doença, baseado em pesquisas com células tronco. Segundo, mais recentemente, numa parceria entre o Instituto Dr. Hemerson Casado, a Universidade Federal de Alagoas e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foram obtidos recursos na ordem de R$ 250 milhões para estudos com terapia gênica e genética, desenvolvimento de fármacos, para doenças raras, através da biocomputação e desenvolvimento de tecnologias assistivas, para pacientes com ELA. E farei muito mais como deputado federal. Basta querer e saber como fazer projetos. O problema aqui em Alagoas é a falta de projetos. Tudo tem um viés político. Não se tem uma boa intenção, um grupo de valores que deveriam fazer parte da atividade política: ética, honestidade, transparência, respeito pelo povo e pelo erário, gabinete enxuto.

Acredita que sua trajetória pode convencer o eleitor de sua capacidade de ajudar a superar desafios em favor da saúde pública?

Eu acho francamente que eu consegui enviar a minha mensagem para a população que eu sou capaz de trabalhar por Alagoas, tanto pela minha capacidade de superar obstáculos e dificuldades. Eu também acho que consegui deixar um legado de que é possível para um deficiente físico, entrar na política, ao invés de esperar que alguém faça isso por nós. A minha narrativa de vida também mostra que eu sou capaz de trabalhar em várias áreas problemáticas do país, que interfere diretamente na vida do cidadão alagoana.

Além das doenças raras, qual sua proposta de atuação em outras áreas, como no combate à corrupção e segurança pública?

Eu tenho propostas claras sobre vários temas no problemas que afetam a vida do brasileiro. Acredito piamente, que temos que associar uma repressão ao crime contra as mulheres, contra as crianças e jovens, que sofrem com as drogas, prostituição, pedofilia, e desajustes nos lares, desemprego, etc. Combate à corrupção, crime organizado, tráfico humano, de armas e drogas. Crimes tributários e fiscais, com inteligência, aparelhamento das polícias, integração dessas polícias e combate à corrupção nas polícias. E é importante frisar que temos que exigir a presença do estado nas comunidades vulneráveis, com educação, saúde, saneamento básico, água tratada e luz, uma rede social de proteção aos jovens, com cultura, esporte e lazer. É preciso leis mais rígidas para crimes de ódio, preconceito, e campanhas permanente de esclarecimento sobre as diversidades. E por último assegurar que a economia brasileira tenha uma estabilidade, que proporcione mais empregos e menos desigualdade social.

O senhor ficou como suplente, na última eleição. Teve oportunidade de assumir, mas não se concretizou. Houve algum boicote, ou tudo ocorreu naturalmente?

Houve sim boicote. Eu represento a nova política. Não é interessante para a classe política alagoana, que alguém com a minha história e a minha integridade faça parte do quadro de deputados federais. Isso agora é passado. As pessoas que me negaram essa oportunidade caíram em desgraça ou no esquecimento. Alguns terão a avaliação por parte da sociedade, nesta eleição, como eu também terei. E o dia sete dirá o que é mais certo para o povo. Tudo tem que acontecer, segundo a vontade de Deus. Sendo eleito, meu primeiro ato será contratar uma auditoria independente para vigiar o meu mandato.

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