DENUNCIADO NO CASO DAVI

Renan Filho promove PM acusado de torturar e matar jovem alagoano

Promoção de réu no caso Davi da Silva havia sido recusada pela PM

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Maria José ainda espera respostas para o caso do sumiço do filho Davi da Silva, enquanto governador promove policial denunciado no caso (Fotos: Railton Teixeira/Alagoas 24 Horas e Divulgação)

O governador de Alagoas Renan Filho (MDB) promoveu à patente de cabo o policial militar Victor Rafael Martins da Silva, denunciado pelo Ministério Público Estadual de Alagoas (MP/AL) por tortura, assassinato e ocultação do cadáver de um jovem negro desaparecido na periferia de Maceió (AL), há quase quatro anos. Segundo o MP, o jovem Davi da Silva, 17 anos, foi flagrado com uma bombinha de maconha, na manhã do dia 25 de agosto de 2014, e jamais teve seu corpo encontrado ao ser levado na mala da viatura da guarnição da Radiopatrulha da qual o Victor Rafael e mais três PMs fariam parte.

A promoção do policial por “ato de bravura” publicada no Diário Oficial do Estado da última segunda-feira (4) foi decidida diretamente pelo governador, em caráter precário, após a Justiça decidir que seria de Renan Filho a palavra final sobre o ato aprovado por um Conselho Especial instituído pelo Comando da Polícia Militar de Alagoas. A promoção chegou a ser negada posteriormente pela Comissão de Promoção de Oficiais e Praças (CFOP).

Há menos de três meses, o juiz Manoel Cavalcante Lima Neto, atendeu parcialmente o mandado de segurança impetrado pelo policial que tentava garantir a promoção. E decidiu que o governador seria “a autoridade julgadora final” sobre a aprovação ou não a promoção de Victor Rafael Martins da Silva; e negou a legitimidade da CFOP para denegar a promoção.

“Dos comandos normativos extrai-se que não se insere na competência do CFOP o indeferimento da promoção por ausência de norma que lhe atribua essa função, sendo o governador a autoridade julgadora final. […] Pelas razões expostas, concedo parcialmente a segurança, para confirmar a liminar anteriormente concedida, determinando para anular a decisão denegatória da promoção proferida pela CFOP e determinar que seja enviado o processo, na forma do art. 32, do Decreto nº 2.356/2004, para apreciação do governador”, diz um trecho da decisão.

Nem a PM, nem a assessoria do governador explicaram qual ato de bravura motivou a promoção do policial e o motivo pelo qual a CFOP indeferiu a promoção. Também não foi informado se os policiais denunciados já retornaram ao policiamento nas ruas. Uma sindicância chegou a ser aberta e, em 2016, dois anos após o crime, ainda estava em fase de “diligências”.

REINCIDÊNCIA

Acusada de matar Davi da Silva ilustrou peça do Governo de Alagoas em 2016 (Reprodução)

A promoção acontece quase dois anos após uma peça publicitária do Governo de Alagoas ter sido ilustrada com a imagem de outra ré na ação penal do caso Davi da Silva, a policial militar Nayara Andrade, única mulher dos quatro policiais denunciados no emblemático caso de violência policial. A peça foi retirada do ar após denúncia do Diário do Poder, em 2016. E a família da vítima vê falta de bom senso e injustiça exalando forte cheiro diante do cadáver insepulcro da vítima.

“O mínimo de bom senso exigiria o fim do processo para que isso acontecesse. Mas parece que a acusação que os policiais militares estão respondendo está sendo mais uma vez ignorada. Agora promoção, antes aparição na TV na propaganda do Estado. Bem, veremos os próximos capítulos com o posicionamento da Justiça. A verdade é que Davi é um corpo insepulcro e a injustiça e a violência covarde a que ele foi submetida ainda exala forte cheiro. Para eles, esse caso está encerrado. Para a família não, a ausência de desfecho só amplia o sofrimento”, disse Magno Francisco, professor universitário e primo de Davi da Silva.

Além de Nayara e Victor Rafael, os policiais Eudecir Gomes e Carlos Eduardo Ferreira foram denunciados pelo MP de Alagoas em 05 de agosto de 2015. E a ação penal estacionou sua tramitação na 14ª Vara dos Crimes contra a Criança, o Adolescente e o Idoso, onde ainda está na fase de oitiva.

Davi da Silva morava em um conjunto de casas populares do bairro do Benedito Bentes. E estava acompanhado de Ranier Victor Oliveira da Silva, quando foram abordados pelos policiais. Única testemunha do caso, Raniel foi assassinado com dois tiros nas costas e pedradas, em novembro de 2016, após pedir para sair do programa de proteção a testemunhas.

CULPA DA IMPUNIDADE

Para o advogado Cláudio Beirão, assistente de acusação e advogado da família de Davi da Silva, o processo não consegue andar na 14º Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Alagoas, após a demora de quase um ano para o MP formalizar a denúncia. A ação penal ainda está na fase de oitiva de testemunhas, quase três anos após o ingresso de seu ingresso na Justiça.

Promoção publicada no DO

Com o juiz titular Odilon Marques Luz em tratamento quimioterápico, sem seu substituto atuar na ação penal na 14ª Vara, Beirão vê o caso caminhando inevitavelmente para a impunidade, ainda mais depois de a testemunha chave ter sido assassinada.

O advogado  lamenta que o Estado e a Corregedoria da PM não tenham o controle suficiente para avaliar este tipo de promoção e destaca que o caso esteja em segredo de justiça, mesmo fora das hipóteses motivadoras da proteção das informações.

“Isso que aconteceu, a promoção, é fruto dessa demora de o processo caminhar. É um processo que, pelo visto, vai dar em impunidade. Não consegue andar, fazer audiência, demorou a fazer a denúncia, a principal testemunha foi assassinada. E nada justifica que o caso tramite nesta velocidade e em segredo de Justiça, longe os olhos da sociedade”, disse Cláudio Beirão, ao afirmar existir um padrão de impor segredo a processos envolvendo policiais, mesmo sem a emissão do decreto do juiz.

PROVAS E DEFESA

O MP se baseou em provas técnicas, da quebra de sigilo telefônico indicaram a presença dos militares no local do crime, e no relato da testemunha que sobreviveu à abordagem. E concluiu que o crime de tortura se configurou com emprego de violência e grave ameaça, causando sofrimentos físicos e mentais nas vítimas, em plena via pública, onde algemaram Davi, colocaram-no dentro do camburão, sequestrando e torturando até a morte.

O MP divide a culpabilidade igualmente entre os quatro integrantes, quanto à tortura. Mas Nayara teria sido protagonista de um momento importante do ato violento, de acordo com o relatório policial, tendo reagido violentamente ao nervosismo de Davi, quando o jovem deixou cair a maconha. O jovem era gago não teria conseguido se explicar à policial, que ainda se ofendeu com a droga no chão, segundo o relato da testemunha.

“Nota-se que, pela dinâmica dos fatos, que a morte da vítima Davi Silva deu-se a título de culpa, já que a intenção dos indiciados era torturar para obter informações dos traficantes da região, sendo o caso de crime preterdoloso”, diz um trecho da denúncia do MP, se referindo ao tipo de crime que ocorre quando se pratica uma conduta dolosa, menos grave, como a tortura, mas chega-se ao resultado danoso mais grave do que o pretendido.

A reportagem não conseguiu contato com o advogado dos policiais, Napoleão Júnior. Mas, em outubro de 2016, o advogado disse ao Diário do Poder que o ponto central da defesa é a demonstração de que os jovens não foram abordados pela guarnição Radiopatrulha, com base nos dados das Estações Rádio Base (ERBs), que rastreiam e indicam local e horário do uso dos telefones celulares dos acusados; bem como em depoimentos colhidos na fase de investigação. “A gente consegue provar que eles não estavam no local. E, se não estavam no local, logo, não abordaram”, argumentou o advogado dos militares.

Ele afirma ainda que uma perícia técnica forense dentro da viatura não conseguiu detectar nenhum resíduo capaz de provar serem pertencentes a nenhuma das vítimas.

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