Valores e interesses na nova era Trump

acessibilidade:

O mundo está menos propenso a alianças estratégicas e longevas; país aliado de hoje poderá ser feroz adversário amanhã

Mesmo ausente, Donald Trump dominou Davos 2025. Sua primeira semana trouxe poucas surpresas, mas lançou alguma luz sobre o que Washington pensa para as relações internacionais.

Para o bem ou para o mal, há contrastes entre este Trump e aquele que adentrou a Casa Branca em 2017. Hoje conhece melhor a máquina estatal e suas personalidades. É aceito como líder inconteste do Partido Republicano. Foi menos titubeante na montagem de sua equipe, onde priorizou lealdade e alinhamento inabaláveis.

O mundo também mudou. Guerra na Ucrânia. Oriente Médio sob precário cessar-fogo. Relações mais próximas entre Rússia, China e Coreia do Norte. Populismo nacionalista ganhando terreno, especialmente na Europa. Economia norte-americana em expansão, contrastando com uma Europa semiletárgica e uma China em plena desaceleração. Nada trivial para um mero quadriênio.

No entanto, permanecem firmes alguns dos eixos centrais da visão de Trump. A China continuará sendo vista como a maior ameaça à hegemonia americana. As tarifas serão instrumento de alavancagem negocial em temas que extrapolam o domínio econômico-comercial. É o caso concreto da Colômbia, por haver recusado o retorno de imigrantes. As tarifas escoram até ambições de expansão territorial – veja-se a Groenlândia. O imigrante seguirá sendo acusado de debilitar o tecido social norte-americano. As políticas climáticas e ambientais continuarão sendo tratadas como obstáculo ao crescimento econômico dos EUA. Finalmente, em lugar da cooperação internacional, prevalecerá o unilateralismo transacional, sustentado pelo poderio econômico e militar do país.

Ao mesmo tempo, existem percepções errôneas sobre Trump e sua visão de mundo. Apesar da postura conflituosa na Otan, é equivocado pensar em um Trump “isolacionista”. Ele não quer as guerras “dos outros” mas, quando necessário, empregará a musculatura econômica e militar de seu país nos conflitos de seu interesse direto.

Erro crasso: imaginar que Trump é hostil às big techs. Na verdade, ele as deseja vicejando aceleradamente, dominando os fluxos globais de informação, mas ao seu lado e alinhadas com o “Maga” (acrônimo para “make America great again”, ou “façam os EUA grandes de novo”, em inglês).

Trump é anticomércio. Errado. Ele tem perfeita consciência da integração global das cadeias de valor. O que busca é desequilibrar o campo de jogo em favor dos bens e serviços americanos.

Trump tem visões fortes e inabaláveis. Outro equívoco. Poucos líderes mundiais têm sua capacidade de mudar de ideia e de rumo com tamanha velocidade, seguro de que sua base eleitoral o acompanhará sem pestanejar.

O Brasil, como outros, deve buscar relações com Washington que privilegiem interesses mútuos, mais que valores comuns. O mundo está menos propenso a alianças estratégicas e longevas. Os ciclos políticos e eleitorais tornaram-se mais curtos, com dramáticas oscilações ideológicas. O país aliado de hoje poderá ser feroz adversário amanhã.

O cenário é desafiador. Dois passos são essenciais. Primeiro: identificar os valores centrais e perenes da nação, em meio a sociedades polarizadas e fragmentadas. Segundo: sem abandonar esses valores, viabilizar acordos prementes, ainda que efêmeros, com parceiros que podem prezar princípios estranhos aos seus. É necessário objetividade no primeiro passo e pragmatismo no segundo. Boa sorte!

Roberto Azevêdo é embaixador, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), consultor e presidente global de Operações da Ambipar. Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

Reportar Erro