Urgência para resolver a emergência climática

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O Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas feito sob os auspícios das Nações Unidas traz alertas impressionantes, como: a) Até o fim do Século 21 poderá ocorrer um aquecimento global acima de 1,5 ° C e 2 ° C, a menos que haja reduções profundas nas emissões de CO2 e outros gases de efeito estufa nas próximas décadas; b) As temperaturas globais podem levar entre 20 a 30 anos até que se estabilizem; c) As consequentes mudanças na temperatura e nos extremos climáticos afetam todas as regiões do mundo e serão irreversíveis daqui a séculos ou milênios; d) As mudanças mais destacadas serão em oceanos, geleiras e no nível global no mar; e) Entre os efeitos nos oceanos estão o aquecimento, a frequência de ondas de calor marinhas, a acidificação e a baixa dos níveis de oxigênio afetando ecossistemas dos mares e pessoas que dependem deles; f) Em cidades, fenômenos como calor e inundações fortes podem piorar com a maior precipitação em todas as regiões e haverá mais ondas de calor, maior duração de estações quentes e menos frio; g) As secas serão mais intensas em muitas regiões e a precipitação deverá aumentar em outras zonas;

O mundo moderno já enfrentou desafios ambientais e climáticos causados pelo ser humano e os resolveu. Exemplos ambientais: o abandono do uso de DDT e o uso de chumbo-tetraetila na gasolina. E climáticos como o uso do Freon. Nesses casos houve mobilização da sociedade reagindo contra esses usos e até boicotes em certas regiões. Porém, a indústria não foi levada ao seu término, simplesmente foi forçada a fazer ajustes e encontrar substitutos.

A substituição de combustíveis fósseis por outras formas de energia , no entanto, até este momento, não resulta em simples ajuste da indústria de combustíveis. Essa indústria tem tentado vender a ideia de que a captura do CO2 emitido pode permitir continuar o uso dos fósseis, mas ainda não conseguiu viabilizar  tal solução. E a expectativa é de que, mesmo caso isso seja possível, o prazo para seu uso ainda deve demorar décadas e sua utilização poderia reduzir apenas pequena parcela das emissões.

Essa substituição de fósseis por outras fontes traz uma reação muito forte pois significaria praticamente a extinção de uma indústria de valor estimado em 40 trilhões de dólares americanos. Isso é muito difícil

Mesmo a sociedade não está adotando tal substituição. Assim, o consumo de combustíveis fósseis nos últimos 10 anos aumentou 9.4%. Enquanto o consumo de carvão ficou estável, o de petróleo aumentou 2% e o de gás natural 19%.  O preço do barril de petróleo que no período 1976 até 2006 oscilou entre 20 e 30 dólares, passou a partir de então a oscilar entre 40 e 120 dólares tendo nos últimos três anos registrado a médias de: US$100,93 em 2022; US$82,49 em 2023 e US$ 82,5 em 2024. Portanto, o uso de fósseis é bastante resiliente.

As ações resultantes das diversas COP (Conference of the Parties) para seguimento e atuação para atender as recomendações do Relatório do Painel Intergovernamental para enfrentar essa Emergência climática têm sido concentradas em ações governamentais.

Até agora, poucos avanços se materializaram.

Além da dificuldade acima indicada quanto ao encerramento de uma fortíssima indústria, a situação geopolítica nos últimos anos também se modificou bastante. Em diversos países, alguns com forte poder nas decisões multilaterais, mudanças têm resultado em Governos com políticas contrárias a acordos multilaterais resultando em posições de maior oposição a decisões de interesse global e concentração em políticas de defesa de interesses nacionais e locais dentro desses países. Isto leva a maiores dificuldades quanto a decisões do tipo daquelas necessárias de consenso como as da COP.

Além disso, aquelas mudanças já havidas, e acima referidas (como DDT e Freon), ocorreram com forte apoio das comunidades. No caso da emergência climática essa consciência ainda não existe.

Especialistas[i] indicam que para formar tal consciência é necessário que as pessoas identifiquem em tal emergência três aspectos fundamentais, os três “Ps”: (i) ser PERCEPTÍVEL por cada indivíduo; (ii) ser do interesse PESSOAL do indivíduo; e (iii) ter uma solução PRÁTICA, não complexa.

Para ser PERCEPTÍVEL faz-se necessário criar-se campanhas de mobilização, educação, alerta e conscientização para os efeitos do aquecimento global. Para ser PESSOAL faz-se necessário que nessas campanhas as pessoas sejam alertadas que podem e muito provavelmente serão afetadas por esses efeitos. O que ocorre em outras regiões vira para a região de outros também. Para ser PRÁTICA faz-se necessário iniciar a executar aquilo que já conhecemos como efetivo para diminuir emissões e que inclua tecnologia já disponível para mostrar resultados de curto prazo.

Assim, merece atenção, separarmos nosso foco em três horizontes.

A curto prazo: Iniciar o quanto antes ações de Descarbonização da geração de energia elétrica, transportes e da indústria. Apoiar melhorias na geração, rede e consumo de energia elétrica e na transição de todas as formas de transporte e da indústria para caminhos de baixas emissões.

A médio prazo: planejar ações para restaurar a atmosfera, protegendo a terra e os oceanos; desenvolver tecnologia para remover ou armazenar gases com efeito de estufa já emitidos para a atmosfera. Desenvolver programas para capacitar as comunidades da linha da frente, desenvolvendo soluções climáticas para apoiar as populações mais vulneráveis.

A longo prazo: mudar a forma de vida, desenvolvendo ações para adaptar cidades para serem mais saudáveis ​​e resilientes, concebendo soluções urbanas para uma nova realidade climática e adequar os transportes, infraestrutura urbanística e arquitetura. Criar novas estruturas e incentivos institucionais visando estabelecer mercados de carbono, nas finanças e na política comercial. Procurar soluções não convencionais e abordagens pouco ortodoxas para os desafios climáticos.

Portanto, a parcela da humanidade que está realmente consciente da necessidade urgente de ações para reduzir os efeitos da emergência climática necessita criar movimentos para conscientizar o restante das populações. Não continuar a exigir dos governos mas sim criar pressão sobre os governos e os oponentes.

Isso não é um movimento ideológico ou filosófico. É uma luta pela sobrevivência.

Faz-se necessário identificar os eventos climáticos que já estão ocorrendo e usar os efeitos negativos dos mesmos para uma ação positiva de educação e alerta para todas as populações. Inundações, furacões, secas, incêndios florestais estão ocorrendo e irão ocorrer com maior frequência. Apesar de desastrosos e maléficos, esses eventos criam empatia e podem ser usados também para alertar as pessoas quanto às suas causas.

Necessário fazer com que as pessoas PERCEBAM esses eventos e suas consequência, seria o primeiro “P”. Necessário também alertar que esses eventos não devem ficar restritos aos locais onde ocorrem, eles podem ocorrer em muitos outros locais e portanto podem afetar qualquer PESSOA, o segundo “P”. Finalmente, devemos ser pragmáticos e adotar as medidas de curto prazo referidas acima para demonstrar ser PRÁTICA a nossa ação, e obtermos resultados, o terceiro “P”.

Armando Ribeiro de Araujo é Engenheiro Eletricista com Mestrado e Doutorado, foi Diretor de Procurement Policy do Banco Mundial, Secretário Nacional de Energia do Ministério de Infraestrutura, Presidente da Eletronorte, Membro do Conselho de Administração de Itaipu, Furnas, Chesf e Eletronorte. Atualmente presta serviços de Consultoria.
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