Uma reflexão que se impõe
A grave crise global que afeta a Humanidade será superada quando as pessoas, os povos, se unirem, aceitando como princípio de união e ação uma crença moral comum. O controle da crise climática, os planos econômicos, as propostas de organização política, surtirão efeito quando os povos estiverem majoritariamente apoiando as proposições, acreditando e participando das ações preconizadas.
Foi no espaço geográfico do Ocidente que aconteceram, pelo ambiente de convivência e de reflexão acadêmica criado pelo cristianismo, a quase totalidade das descobertas científicas e das manifestações artísticas inovadoras, as modernas reflexões teológicas, filosóficas, jurídicas, políticas, econômicas e sociais. Paralelamente, o desenvolvimento tecnológico transferia a ciência para o aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho na agropecuária, indústria e serviços, com extraordinários ganhos de produtividade. As sociedades começaram a surgir na Europa, prosperando e se estruturando, com intensos debates, (muitas vezes sangrentos), sobre o como organizar a convivência, como distribuir a riqueza gerada e como estruturar o processo de decisão dos assuntos que interessavam a todos: o exercício do poder político e econômico.
A Civilização Ocidental, (surgida na Europa e migrada para as Américas, na esteira dos conquistadores), paradigma de organização política e econômica, que foi e continua a ser, para todo o planeta, tem, inegavelmente, “um sangue cristão”, como afirmava Fernand Braudel, seguido por tantos outros cientistas sociais, (poucas são as divergências acadêmicas sobre esta constatação): “O Cristianismo Ocidental foi e continua a ser o componente maior do pensamento europeu, mesmo do pensamento racionalista que se constituiu contra ele, e também a partir dele. De um extremo ao outro na história do Ocidente, o cristianismo permanece no amago de uma civilização que ele anima, mesmo quando se deixa levar ou deformar por ela, e engloba, mesmo quando ela se esforça por escapar-lhe. Porque pensar contra alguém é permanecer em sua orbita. Ateu, um europeu continua sendo prisioneiro de uma ética, de comportamentos psíquicos poderosamente arraigados numa tradição cristã. Ele é de “sangue cristão”, poderíamos dizer como Monterlant afirmava ser, referindo-se a si mesmo, de sangue “católico”, embora tenha perdido a fé, (Gramática das Civilizações, Martins Fontes, pág. 309/310).
O ambiente de convivência citado, criado pelo pensamento cristão, (católico e protestante), estruturado em torno das fortes crenças da sacralidade da vida e da dignidade inerente a todas as pessoas, das virtudes da solidariedade e da compaixão, tiveram como companhia constante a ganancia e o egoísmo de crescentes parcelas das populações, que conquistaram o poder político e econômico, passando a ditar as normas de comportamento coletivo que mais lhes convinham. Começa, então, a distinção entre os muito ricos e os muito pobres, entre os que dominam e os que são dominados.
Nos últimos dois séculos as Igrejas Cristãs históricas perderam espaço nas sociedades ocidentais. A ânsia desmesurada pelo gozo amplo das recém conquistadas liberdades políticas, sociais e de expressão pessoal, alteraram as seculares formas de estruturação e de comportamento familiares, lugar onde os princípios morais de comportamento eram solidamente repassados, alijando a ética cristã do centro de referência para os comportamentos individuais e sociais, deixando de ser uma diretriz para o viver coletivo. A densidade ética, que permeava as sociedades ocidentais, vem se enfraquecendo. As referências da ética cristã começaram a ser entendidas como obstáculos para a liberdade e a felicidade das pessoas.
A Democracia como forma ideal de organização e de funcionamento das sociedades, reconhecendo a primazia da liberdade, da sacralidade da vida e da vocação de participação das pessoas nas decisões coletivas de interesse comum, não soube encaminhar soluções justas para os problemas sociais da desigualdade, da fome, da miséria e da efetiva igualdade de oportunidades para todos. As normas de comportamento, ditadas pelas classes dominantes, sobrepujaram a pregação cristã da fraternidade e da justiça social. A Democracia também se encontra em crise.
Recuperar a Humanidade da crise global, que ela mesmo engendrou, é voltar às origens desta Civilização Ocidental. Hoje esta Civilização é também composta com os inúmeros e preciosos achegas de outras nobres culturas, constituindo o cerne do que se pode afirmar como o início da inescapável futura Civilização Universal. Resgatar o sentimento da Solidariedade e da Compaixão, da esquecida Lei Natural, (uma das fontes mais importantes dos sistemas jurídicos contemporâneos), enxergando no próximo um irmão ou uma irmã, com verdadeira intenção de fazer vingar este espírito do Bem Comum presidindo a convivência social, é a primeira ação a ser providenciada, pelo que ainda resta do pensamento cristão. Caso isto não aconteça é impossível visualizar um futuro prospero, justo e pacifico para a Humanidade. Teremos sim a visão da crise global a se alastrar e a se aprofundar, liquidando com todos nós, pela não resolução, por exemplo, da crise climática e do desnível na repartição da riqueza gerada.
Isto não é uma afirmação piegas e não científica. Isto é uma tentativa de denunciar as ações grosseiras de desmerecimento e de deboche da força espiritual maior que movimentou a história. Considerar que as crenças religiosas são dispensáveis, no mundo moderno, que as mesmas são descartáveis e disfuncionais, como está acontecendo, é um erro trágico.
Para este papel pedagógico histórico, de recuperação dos principais fundamentos da Civilização, estão convocadas as Universidades, os Intelectuais, as Igrejas Cristãs Históricas, o Judaísmo, o Islamismo, as vetustas Religiões Orientais e os povos unidos de toda a Terra. A pregação deste movimento renovador seriam os ideais do Amor e da Paz, da Solidariedade e da Compaixão, como a forma de poder renovar os quadros políticos, com novas gerações competentes, honestas, comprometidas com a perspectiva da Fraternidade Universal. Seria a maneira de fazer cessar as disputas mesquinhas na economia ou na organização do poder político, de tal forma que as necessárias e justas alterações nas formas de organizar e fazer funcionar as sociedades sejam feitas pacificamente, fixando, deste já, os princípios da inexorável marcha em direção da constituição da grande pátria comum, o ameaçado Planeta Terra.