Um caso de vida ou morte
A Eletrobras foi criada em 1962 segundo o modelo difundido no pós-guerra europeu, quando um continente devastado iniciou sua reconstrução com um intenso programa de industrialização e urbanização. São dessa época a criação de grandes empresas de petróleo, eletricidade e transporte. Alguns exemplos são a EDF, na França; a CEGB, na Inglaterra e as italianas ENEL e ENI.
No Brasil, o problema não era a reconstrução de um país devastado e sim a construção, o que trazia um desafio adicional: a falta de mão-de-obra, técnicos e engenheiros especializados, além da carência de capitais privados para impulsionar a modernização do país. O governo então criou empresas como Petrobras, Eletrobras, Telebras e outras que, nas décadas de 70 e 80, mudaram o panorama da infraestrutura brasileira. Na década de 90 muitas delas foram privatizadas e, de modo geral, seus grandes técnicos e empregados foram mantidos. Haviam sido treinados e possuíam uma performance notável na modernização desses setores.
Ao atrair jovens promissores para o ingresso nestas empresas, aquelas estatais criaram políticas de treinamento, crescimento profissional e garantia de aposentadorias e pensões similares àquelas oferecidas pelo governo federal para seus funcionários e por multinacionais atuantes no país. Isso foi essencial para a constituição deste corpo técnico e administrativo de elite.
Na Eletrobras, aproximadamente 630 remanescentes de tal geração, com idade média de 80 anos, que foram admitidos na empresa com estes benefícios, estão hoje sendo condenados a um final de vida imerecido. A combinação de mudanças na legislação e portarias de superintendências de seguros com um injustificável preconceito a uma geração que prestou tão bons serviços ao Brasil está levando a que estes antigos funcionários estejam recebendo contracheques negativos (considerando custos do seguro saúde). Esta situação foi bem descrita na matéria publicada pelo jornal O Valor Econômico em 23 de janeiro de 2025. Não é apenas uma questão de indecente interpretação de portarias. É um verdadeiro assassinato coletivo. Estas pessoas trabalharam por décadas contribuindo com sua parte no plano de previdência, recusando oportunidades de outros setores e confiantes em contratos legais e razoáveis em termos de mercado. Hoje a grande maioria vive à beira de uma situação de penúria. Com efeito, tal situação foi levada à Justiça, que resguardou integralmente o direito dos aposentados defendidos pelo escritório Ulhoa Canto, Rezende e Guerra Advogados. A decisão, porém, foi revertida em instância superior e agora se encontra nos entraves típicos do nosso sistema legal. Neste mês de janeiro, os aposentados começaram a receber cobranças e serem descontados de valores que impactam enormemente seu rendimento mensal. Ressalta-se que desde o início de tais questionamentos, 123 membros do grupo original já faleceram.
Um aspecto relevante do problema é a cobrança a título de recomposição da reserva matemática para aposentadorias e pensões administrada pela Eletros, cujo executivo principal é apontado pela patrocinadora Eletrobras. Para dar apenas um exemplo, em 2023 as aplicações renderam apenas 0,2% do capital investido, o qual, entre outros absurdos, tem quase 19% do seu montante investido em renda variável. Detalhe: ao longo de toda a vida do Fundo de Pensão, a decisão final do “onde investir” coube a gestores indicados pela Patrocinadora, que agora se exime de qualquer responsabilidade e foge aos seus deveres éticos em relação a quem confiou a sua vida e por ela trabalhou com afinco. No processo de privatização da Eletrobras, a importância do déficit atuarial foi devidamente abatida pelos potenciais compradores, então cientes da decisão na primeira instância, ou seja, já consideravam altamente provável que teriam que honrar tal compromisso.
Enfim, este grupo luta pelo seu direito à sobrevivência. São poucos, são velhos, são pessoas que integravam as mais diversas posições no organograma da Eletrobras em seus tempos de estatal, da base até o nível dos dirigentes. Todos aderiram nas décadas de 70 e 80 ao plano de previdência gerido pelo Fundo de Pensão da Eletrobras, que hoje quer desrespeitar o que foi contratado. A solução é acompanhar o que foi feito em outros Fundos de estatais.
Recente declaração de Ricardo Pena, diretor superintendente da Superintendência Nacional de Previdência Complementar, aponta a necessidade de revisão de comportamento por parte das patrocinadoras de Fundos semelhantes: “Tivemos um regramento muito regressivo, sem observar o direito dos participantes e dos assistidos. E direito adquirido. A pessoa adere com a expectativa de receber até a data de falecimento e do dia para a noite a empresa diz que não tem mais compromisso com esse plano? Não é bem assim” (Valor Investe 23/01/25). Um grupo de trabalho foi criado pelo governo para rever as normas sobre retirada de patrocínio e enviará um novo texto para aprovação do Conselho Nacional de Previdência Completar nos próximos meses. Eu, como ex-presidente da Eletrobras e um dos assistidos, espero que a empresa tenha a decência de se antecipar ao que será obrigada a fazer e honre a sua tradição de respeito aos seus colaboradores e compromissos éticos assumidos.
Esperemos que até lá o número de mortes dentre os assistidos pela Fundação Eletros não aumente.