Transição energética e o setor elétrico nacional

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O mundo vive um grande dilema no enfrentamento do aquecimento do clima. Após décadas de negações sobre a existência do problema, e após o relatório específico das Nações Unidas, parece que hoje existe maioria da população convencida de que existe risco real à sobrevivência humana e que todos os países devem adotar medidas para eliminar as emissões de gases causadores desse aquecimento.

As análises técnicas demonstram que essas emissões provêm de várias fontes, sendo, no entanto, a queima de combustíveis fósseis a maior delas. Nesse campo, identifica-se como maiores produtores desses gases o transporte por motores a combustível fóssil e a geração de eletricidade a carvão, gás natural e óleos combustíveis.

Assim, vários países têm desenvolvido programas para progressivamente desativar suas usinas a combustível fóssil e implantar novas usinas que não produzam emissões.

Dessa forma, os parques deveriam se concentrar em usinas hidrelétricas, nucleares, solares (fotovoltaicas e térmicas), eólicas, e combustível neutro (biocombustível ou usando captura de carbono).

O Brasil possui uma matriz de energia elétrica das mais limpas do mundo. No ano de 2022 da capacidade instalada de 206.451 MW apenas 13,4% (27.828 MW) correspondiam a usinas a combustíveis fósseis. Porém em termos de geração essa participação foi ainda menor (8,6%)  funcionando como reserva operando de forma complementar quando necessário, pois a geração por fontes limpas representou 91,3%.

Nesse mesmo ano de 2022 a capacidade instalada em geração hidrelétrica representou 50% da capacidade total e a de fotovoltaica centralizada alcançou 11.8% e eólica terrestre outros 11,5% da capacidade instalada total do país. Para o futuro da geração de eletricidade, o Brasil ainda dispõe de potencial para usinas hidrelétricas, nucleares, usando biomassa, e vasto potencial para novas usinas solares e eólicas terrestres. Dispõe também de oportunidades para instalação de usinas reversíveis e outras fontes de reserva.

Portanto um espectador externo diria que estamos no melhor dos mundos. Mas isso não corresponde à realidade. E por que?

Primeiro, as tarifas do consumidor residencial estão em níveis muito elevados. A tarifa de um consumidor da Light no Rio de Janeiro é de 1,16952 R$/kWh com impostos e 0,84173 R$/kWh sem impostos. Portanto um acréscimo de tributos de 38,9%. Porém mesmo antes dos impostos essa tarifa é 36% mais elevada do que a de um consumidor residencial em Virginia (nos EUA) e 48% superior à da residência na Flórida. Locais onde boa percentagem da geração de eletricidade é de origem usando combustíveis fósseis (mais cara).

Segundo, a já existente alta participação de fontes fotovoltaicas e eólicas, e seu crescimento fortíssimo esperado para o futuro, traz preocupações quanto à confiabilidade operacional. Pessoalmente já publicamos artigos a respeito (*) e recentemente o brilhante engenheiro Altino Ventura publicou no âmbito da Academia Pernambucana de Engenharia um artigo de Título “Impactos da Geração Eólica e Solar Fotovoltaica no Sistema Elétrico Brasileiro” que detalha em minúcias esses impactos e levanta a pergunta:

A expansão da Geração Eólica e Solar Fotovoltaica pode continuar sendo desenvolvida no Sistema Elétrico Interligado Nacional nos montantes elevados dos últimos anos? O Brasil pode adotar prioritariamente estas fontes renováveis intermitentes para expandir seu sistema gerador nos próximos anos?

Depois de apresentar análise detalhada em seu artigo o autor responde: NÃO

Além dos aspectos operacionais e riscos à confiabilidade detalhados sobejamente no artigo do Eng. Altino, a expansão da geração baseada em eólicas e fotovoltaicas também traz efeitos econômicos.

Apesar de essas fontes de energia terem custo unitário de implantação bastante baixos e menores do que as outras fontes, por terem a natureza intermitente, elas não podem atuar isoladamente. Explicando. Uma usina fotovoltaica somente funciona com a presença de radiação solar, portanto, o sistema deverá forçosamente ter que investir adicionalmente em outra fonte de energia (de igual potência) para suprir a carga quando a fotovoltaica pare de gerar. O mesmo ocorre com as eólicas que em momentos de calmaria podem parar de gerar. Esse duplo investimento acaba se refletindo no custo da energia.

Outro fator de aumento de custo tanto das eólicas quanto das fotovoltaicas se refere a localização dessas fontes em relação ao mercado. É sabido que as regiões de maior potencial tanto para energia solar quanto para eólica situa-se em áreas do nordeste brasileiro e as cargas de maior porte no Sudeste. Portanto, essas usinas exigem fortes investimentos em sistemas de transmissão de alta capacidade, como tem havido recentemente os sistemas em HVDC.

Outra razão de aumento de custos para os consumidores residenciais são uma série de subsídios. O consumidor residencial paga em sua tarifa valores para subsidiar outros consumidores que são: (i) energia gerada por fontes solar e eólica; (ii) geração distribuída (solar de telhado); (iii) Conta Combustível de sistemas isolados; (iv) tarifa social; (v) usos de irrigação; (vi) uso rural; (vii) suprimento para água e esgoto; (viii) carvão mineral. Difícil entender a lógica de vários desses subsídios. E pior, atuações existem para criar novos subsídios como para Hidrogênio verde e eólicas offshore.

Então, como solucionar? A resposta lógica seria: (a) eliminar os subsídios não justificáveis; e (b) implantar as novas usinas seguindo um planejamento técnico que indique o menor custo global.

No entanto, não é fácil. A dificuldade reside no poder de reação dos beneficiários desses subsídios e que o modelo do setor, apesar de possuir um planejamento, o mesmo é apenas indicativo e a decisão das usinas a serem construídas resulta dos leilões, onde naturalmente ganham as usinas de menor custo de investimento – eólicas e fotovoltaicas. A transmissão vem a reboque.

Portanto, os agentes do setor devem considerar que os interesses individuais embora muito importantes não devem ser prejudiciais ao entendimento para solução do conjunto que caso não seja adequadamente equacionado poderá resultar em prejuízos para cada um desses agentes.

(*) Confiabilidade do Setor Elétrico Experiência da California  Texas, publicado no LinkedIn
Armando Ribeiro de Araujo é Engenheiro Eletricista com Mestrado e Doutorado, foi Diretor de Procurement Policy do Banco Mundial, Secretario Nacional de Energia do Ministério de Infraestrutura, Presidente da Eletronorte, Membro do Conselho de Administração de Itaipu, Furnas, Chesf e Eletronorte.

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