Quando chove no sertão

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Chuvinha boa. Essa é a expressão que mais se tem ouvido no sertão da Paraíba e possivelmente em outros estados do Nordeste. Pois “aqui em nóis” é assim: choveu… é só alegria. Não importa que a roupa do varal não seque, que as vielas fiquem enlameadas, estradas vicinais fiquem intransitáveis, as goteiras – há muito esquecidas – voltem a incomodar, que tenha que de repente sair correndo para comprar um guarda-chuvas; nada disso tira do homem sertanejo a alegria em ver cair do céu a tão esperada chuva. É tempo de euforia quando já se pode dormir ouvindo a orquestra sapônica; os rios voltaram a correr em seus leitos naturais, a juriti e nambu entoam seus acordes despertando o homem do campo, a macambira e xique-xique já estão verdes e já se pode esperar pelo regresso das asas-brancas, ave símbolo do sertão.

Ao cair da tarde, vemos fileiras de cadeiras de balanço – que aqui chamamos de espreguiçadeiras – espalhadas pelas calçadas em frente às residências, onde se pode jogar um pouco de conversa fora, pitando um cigarrinho de palha, enquanto se espera a vinda “do vento do aracati”, a lendária brisa que acode o sertanejo nas noites mais quentes do ano. O aracati agora é esnobado, não por soberba, mas por não ser necessário. Com a chuva vem o clima ameno, e a temperatura baixa dos trinta. Assim, tem gente capaz de tirar do fundo do baú aquele casaco “que os meninos mandaram de Sun Paulo”. Aqui, nesta época, raio é visto como colírio para os olhos, trovões soam aos ouvidos como a mais suave das melodias e a chuva não molha apenas a terra, enche rios e mananciais, mas também lava a alma do homem do sertão, enchendo-o de esperança e de alegria.

Em alguns lugares as pessoas não se contentam em apenas proteger-se e apreciar a chuva, é preciso fazer parte dela. Assim, muitos saem às ruas tomando homéricos banhos de chuva, que parece que lhes lavam a alma. São homens e mulheres de todas as idades, deliciando-se com as gotas que caem do céu sobre seus corpos. É assim que o sertão festeja a chegada das chuvas, com um misto de felicidade e esperança. Os mais contidos limitam-se a irem para cima das pontes e pinguelas apreciar a passagem da água barrenta que lava o leito dos rios. À tarde, a natureza oferece um espetáculo ímpar: revoada de andorinhas vindas “sei lá de onde”, fazem um ballet frenético, capturando insetos que voam no cair da tarde com a rapidez de um raio e a precisão de míssil, a refeição não lhes escapa do bico, mesmo porque, aquele que tentar esconder-se no solo, será alvo fácil para a saparia que saiu da hibernação.

À noite, a brisa convida as pessoas a saírem de suas casas e caminharem pelas ruas e avenidas. As praças ficam cheias de transeuntes, barzinhos lotados, escolas bem frequentadas… É o milagre da estação chuvosa. No campo, os pastos outrora marrom coberto pela poeira da estiagem, agora dão lugar a verdes brotos que formam um colorido esverdeando a paisagem. O verde no sertão enche os olhos e a alma do sertanejo, esse que é o verde da esperança em dias melhores, o verde que traz de volta as arribaçãs, também o sertanejo que abandonou seu torrão e migrou para outras regiões. É hora de rasgar a terra e introduzir as sementes, estas que representam o nascimento, a vida que está de volta neste rincão, onde homens e mulheres com a pele curtida pelo sol representam em cores vivas o lindo cartão postal que é o sertão.

Ocino Batista é advogado  e professor. Email: obsantos@globo.com

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