Passos perdidos* – Orçamento de Estado e o triângulo (pouco) amoroso
Quando tomou posse como Primeiro-Ministro, Luís Montenegro assumiu que cada diploma, cada iniciativa, seria negociada caso a caso. Não haveria alianças preferenciais ou acordos parlamentares. Não haveria conversas de bastidores. Esta posição sempre foi vista como um “quase” convite para a dissolução do parlamento e a convocação de umas eleições clarificadoras. Mas, para já, a política portuguesa vive num triangulo amoroso entre a coligação PSD/CDS, PS e Chega. Triangulo com geometrias variáveis. Governo e PS juntam-se e aprovam outros diplomas, contra a vontade do Chega. PS e Chega juntam-se e aprovam diplomas, contra a vontade do governo. A discussão e votação do Orçamento de Estado de 2025, que está a chegar, vai testar os limites (e a geometria) do triangulo.
A opinião generalizada, nos media e nos corredores do parlamento, é que o orçamento será sempre aprovado. Parte-se do princípio de que PS e Chega não querem ser responsabilizados por uma crise política. Que vão reclamar e protestar, mas no fim vão sempre aprovar. Especialmente o PS, partido com mais responsabilidades. Esse é o prognóstico racional.
Quando foi a eleição do Presidente da Assembleia da República, que precisava de uma maioria no parlamento, também deram a aprovação como garantida. Chega ficou convencido que o PS votaria favoravelmente. O PS ficou convencido que o Chega votaria favoravelmente. Só na terceira votação o nome de Aguiar-Branco passou. Depois de Pedro Nuno Santos (PS) ter negociado pessoalmente o voto com o PSD.
A política é feita de pessoas. No caso do Chega e do PS, é a vontade individual dos seus líderes que conta. E é da (boa) vontade de Pedro Nuno Santos (PS) e André Ventura (Chega) que o governo depende. Quem são estes dois homens?
André Ventura foi um excelente aluno de direito numa das mais antigas universidades do país. Fez carreira como advogado, mas foi como comentador de futebol que começou a aparecer ao grande público. Inteligente e esperto (duas qualidades raras de combinar). E bom na televisão. Aproveitou o mediatismo do futebol para tentar a sua sorte na política. Primeiro no PSD. Depois, sentindo-se pouco apreciado, fez o seu próprio partido. Somou nichos eleitorais, fez trabalho de formiga e finalmente ganhou dimensão numa linha de populismo em tudo semelhante com Bolsonaro ou Trump. Pediu para se juntar ao governo, pediu para fazer um acordo parlamentar, mas Ventura é a “linha vermelha” que ninguém quer passar. Não falta quem o acuse de “fascismo”, “autoritarismo” e “extremismo”. Nada que o incomode. Ventura adora protagonismo. Vive do protagonismo e para o protagonismo. Percebe, como ninguém, que a política não se faz na bolha das colunas dos jornais ou no Twitter. Se o Chega aprovar o Orçamento, será, estranhamente, uma espécie de derrota para o Governo.
Do outro lado está Pedro Nuno Santos. Foi secretário de estado de António Costa, foi ministro de António Costa, foi demitido por António Costa e sucedeu a António Costa. Tem 47 anos. Faz política, a tempo inteiro, desde os 15 anos. Vantagens de ser filho de um industrial abastado. A disponibilidade, e o carisma, permitiram-lhe conquistar a juventude socialista. Capaz de gerar lealdades nos outros, trabalhou sempre numa lógica de grupo. Apoiou Costa, foi chamado para junto de Costa, e puxou todo o seu grupo com ele. Ministros, Secretários de Estado, Chefes de Gabinete. Pedro Nuno Santos mandava mais no governo que o próprio Primeiro-Ministro. Mesmo depois de ser demitido. O que lhe permitiu vencer as eleições internas. O que lhe permite não ser contestado.
Fundamental é compreender a visão que tem do Partido Socialista. Pedro Nuno Santos acredita que o eleitorado do PS está envelhecido – e os números confirmam isso mesmo. Que o PS deixou de ser o partido das elites urbanas para passar a ser o partido dos pensionistas, reformados e funcionários públicos. E quer mudar isso. Custe o que custar. Mesmo que cause uma crise política, mesmo que vá a eleições, Pedro Nuno Santos não será contestado no partido. E se for vencerá sempre qualquer adversário interno. Pelo menos por enquanto.
Temperamental, impulsivo, senhor de uma visão única de si próprio, afastou-se da linha moderada do socialismo para se aproximar das políticas mais radicais da extrema-esquerda urbana. Faz o discurso da luta de classes, da economia dirigida, da luta contra as grandes corporações. Não só faz o discurso, como concretiza. Foi assim quando nacionalizou a TAP. Com um custo de 3.5 mil milhões de euros.
O Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, dificilmente alterará o seu rumo. A aprovação do orçamento depende da boa-vontade destes dois homens. E estes dois homens acreditam que não precisam de ter boa-vontade. Não querem derrubar o governo, mas não querem que o governo continue. Complicado. Como todos os triângulos amorosos.
Calendário Orçamento de Estado 2025
10 de setembro – data em que o Presidente da República passa a ter o poder de dissolver o Parlamento.
10 de outubro – data-limite para a apresentação do Orçamento de Estado.
Novembro – A votação do Orçamento de Estado tem que decorrer no prazo de 50 dias após a sua entrada no parlamento.
Rodrigo Manuel Botelho Moita de Deus é Diretor do NewsMuseum, consultor e comentador da RTP. Foi publicitário, jornalista e mais tarde fundou uma agência de comunicação. Em 2016 foi um dos coordenadores do projeto do NewsMuseum (em Sintra), nomeado para o Prémio de Museu Europeu do Ano, do qual continua a ser diretor. Desempenhou, igualmente, o cargo de CEO da Associação Portuguesa de Centros Comerciais. Moita de Deus é presença frequente na televisão portuguesa. Foi e é orador em diversas conferências nacionais e internacionais. Publicou o seu primeiro livro aos 23 anos: “Será que as mulheres ainda acreditam em príncipes encantados)”, da Editora Bertrand. Em 2022 publicou o livro Pax English – A nossa tribo.
*Nome antigo para “sala de espera”. E nome comum para o corredor que dá entrada à sala do plenário na Assembleia da República Os passos de quem espera são dados como perdidos.