Passos perdidos*: Como a imigração tomou conta debate político

acessibilidade:

Quase tudo começou com uma ação policial (rusga) no centro de Lisboa. A imagem de vários imigrantes encostados à parede pela polícia deu origem a várias críticas nos media e dos partidos de esquerda. Críticas ao governo e à própria polícia. Até foi realizada a uma manifestação de protesto de movimentos cívicos e partidos.

Durante décadas, até à entrada de uma nova legislação em 2017, o tema da imigração era bastante consensual. Mas a nova legislação mudou quase tudo. Os números são avassaladores. Nos últimos cinco anos a população estrangeira residente passou para os 800 mil. A estes acrescem outros 400 mil que ainda esperam autorização de residência. Ninguém terá certeza nos números, mas estamos a falar de mais de 10% da população residente.

Portugal sempre foi um país recetor (e emissor) de migrantes. A novidade foi a chegada recente (nos últimos dois anos) de milhares indostânicos. Normalmente muçulmanos que apresentam mais dificuldades de integração. Não conhecem a língua, vivem em comunidades fechadas e chegam sem família. Rapidamente o assunto virou tema do partido mais à direita (Chega) associando a imigração à segurança. Os partidos mais à esquerda associaram restrições à imigração com racismo e xenofobia.

Apesar de Portugal continuar a estar nos dez países mais seguros do mundo o nosso debate político ficou parecido com o que se passa nos Estados Unidos ou a Alemanha. O governo avançou mesmo com restrições a entradas e pediu à polícia para realizar ações (rusgas) com maior visibilidade. A rusga no Martim Moniz foi uma dessas. Socialistas e os outros partidos de esquerda ficaram de um lado acusando o governo de xenofobia. O governo e os partidos de direita ficaram do outro.

Em poucas semanas saíram as primeiras sondagens de opinião sobre o tema. A grande maioria dos portugueses apoiava as rusgas e o governo. Pior. Uma outra sondagem colocava a candidata do Partido Socialista à prefeitura de Lisboa, Alexandra Leitão, a 20 pontos do atual presidente, o social-democrata Carlos Moedas. Alexandra Leitão tinha sido uma das líderes da manifestação e quer fazer uma plataforma eleitoral de esquerda para vencer Carlos Moedas.

Terá sido por causa destas sondagens que o líder socialista teve que corrigir o discurso. Numa entrevista reconheceu erros na política de imigração do governo de 2017, do qual fez parte, falou da necessidade de defender a “cultura portuguesa” e de integrar os imigrantes. Também falou que o país não estava preparado para receber tanta gente em tão pouco tempo e que isso causou problemas no serviço nacional de saúde e na educação. Foi uma surpresa completa que lhe valeu críticas na esquerda e no seu próprio partido.

Depois de ter visto as sondagens, Pedro Nuno Santos quer voltar ao centro. Precisa de voltar ao centro. Há eleições autárquicas em setembro e presidenciais em janeiro. Mas aconteça o que acontecer a imigração passou a ser tema obrigatório da agenda política.

E as presidenciais?

Apesar das eleições autárquicas de setembro o grande tema tem sido as eleições presidenciais onde os cenários começam a ficar mais claros.

O independente Gouveia e Melo (Almirante) lidera em todas as sondagens e deve apresentar a sua candidatura nas próximas semanas. Luís Marques Mendes avança com o apoio do governo e do partido social-democrata. António Vitorino e António José Seguro, dois socialistas, devem também avançar. Isto significa que vamos ter três ou quatro candidatos disputando e dividindo o mesmo espaço eleitoral ao centro. A segunda volta é quase inevitável. Mas tantos candidatos dividindo o mesmo espaço também significa que os candidatos dos extremos podem ser beneficiados. Nestas condições, André Ventura, que também vai avançar com o apoio do Chega, pode sonhar com uma passagem à segunda volta.

*Nome antigo para “sala de espera”. E nome comum para o corredor que dá entrada à sala do plenário na Assembleia da República Os passos de quem espera são dados como perdidos.

Reportar Erro