Silvia Caetano

O perigo mora na Suprema Corte

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Lisboa – Derrotar Donald Trump nas eleições presidenciais de novembro pode não ser suficiente para livrar o mundo do trumpismo. Será necessário preciso ultrapassar obstáculos extras. Os democratas podem vencer as eleições, conquistar maioria no Senado, manter a atual supremacia na Câmara e, ainda assim,Joe Biden encontrar dificuldades para administrar o país, a exemplo do que ocorre com governadores democratas debilitados pela ação de juízes republicanos .

A duas semanas da disputa, apesar da vantagem de Joe Biden em vários Estados, alguns cenários devem ser considerados. Trump pode vencer o que seria uma tragédia para a democracia em todo o mundo. Se perder e mantiver a atual maioria republicana no Senado, Joe Biden pode contar com uma sabotagem fiscal desmedida durante seu governo, capaz de travar iniciativas para alavancar a economia e o nível de vida da população atingida pela crise sanitária.

Contudo, mesmo que o candidato democrata seja vitorioso e conquiste maioria nas duas Casas do Congresso, Trump pode atrapalhar iniciativas do seu governo, com o beneplácito da maioria conservadora na Suprema Corte dos Estados Unidos. Ansioso por consolidá-la, correu para indicar, antes do pleito, Amy Coney Barrett para uma cadeira na mais alta instância do Judiciário. Originalista carimbada, sua visão de mundo compara-se à do seu mentor e ex-chefe, o Juiz conservador Antonin Scalia.

Trump não quis correr o risco da escolha de Amy ser vetada caso o democrata sejam vitoriosos. Por isso, seu esforço para aprovar a indicação antes de 3 de novembro. Ao mesmo tempo, revela seu interesse em reforçar a maioria conservadora na tribuna, o que acredita poderá protegê-lo de eventuais investigações criminais. Com Barrett sentada na Corte, a atual vantagem passará para 6 a 3, o que Trump julga garantir votos a seu favor se tiver de sair da Casa Branca.

Até aqui, a composição da Suprema Corte era de quatro na ala liberal e cinco indicados por presidentes conservadores, do Partido Republicano, entre eles dois nomeados por Trump, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh. Apesar disso, em várias decisões recentes o Presidente da Corte, John Roberts, escolhido por Bush, surpreendeu e acompanhou o voto dos liberais.

Com a morte da icônica juíza libera Ruth Bader Ginsburg, a situação tornou-se mais adversa aos democratas, abrindo-se oportunidade para Trump aumentar a bancada dos juízes conservadores, o que certamente terá impacto negativo na evolução da democracia e na vida da população dos Estados Unidos por muitas décadas. Os juízes são vitalícios e Amy Barrett tem apenas 48 anos.

Apesar da composição da Suprema Corte poder afetar decisões futuras sobre questões como aborto, liberdades e direitos individuais, saúde e muitos outros tão importantes, não é com isso que o mundo deve se preocupar. A maior ameaça mora na Suprema Corte dos Estados Unidos, com número suficiente para referendar medidas contrárias ao meio ambiente, prejudicando não só o país como o planeta.

Quem prestou atenção na sabatina de Amy Barrett no Senado deve ter percebido a ambiguidade das suas respostas sobre questões fundamentais para os valores democráticos. Indagada pelo senador democrata Richard Blumenthal, se concordava com a opinião do presidente Trump sobre as mudanças climáticas, esquivou-se da objetividade e disse não ser cientista, permitindo diversas interpretações.

Eis, provavelmente, uma antecipação de voto. O fato de ter alegado não ser cientista pode indicar desapreço por orientações científicas sobre o meio ambiente na hora de votar questões dessa natureza. Nada surpreendente para quem se alinha a um chefe que, em função de interesses particulares, pulou fora do Acordo do Clima, assinado em Paris, no dia 12 de dezembro de 2015 e que entrou em vigor em quatro de novembro de 2016.

Embora as eleições presidenciais no Brasil estejam distantes, o capitão Bolsonaro mais uma vez copia a estratégia Trump.Ele também teme os resultados das investigações criminais que estão em curso e que ainda certamente virão sobre seu núcleo familiar e dos amigos do alheio.Por isso, antecipa-se. Joga o futuro do Brasil na  reeleição e acautela-se aparelhando o Supremo Tribunal Federal com seus apaziguados.

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