O patético ataque psicótico mundial

acessibilidade:

O ataque psicótico é mundial. Surto geral. Deu a louca e o mundo começou a rodar ao contrário, engatou a ré, está virando o pescoço e vomitando bílis, dominado pelas forças do mal. Chamem um exorcista – que isso tudo não é de cramulhão bonitinho de novela – para enfrentarmos o segundo semestre que começa semana que vem, a carruagem está bem desgovernada e a gente não quer que recolham nossa viola. Quer?

Já que agora virou moda e todos que aprontam feio, matam, espancam, estupram, babam se justificam com momentos de surto, engano, ideologia ou, pior, ataque psicótico, o mundo resolveu copiar. Senão, como explicar as duas últimas decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos, uma liberando o porte de armas em locais públicos – uma ode ao bangbang, ao faroeste; outra, suspendendo o direito ao aborto após 49 anos? – deixem o corpo e as decisões das mulheres em paz! Deixem-nos viver em paz. Aqui, lá, acolá.

Como explicar mais de 120 dias de destruição, em plena Europa, essa guerra cruel que sacode os alicerces do planeta, aumentando a fome e ampliando toda sorte de consequências e medo?

Como explicar toda essa série de ordens sem sentido? Decisões controversas? Atos violentos? Falas deploráveis? Será 2022 o Ano da Besta? Aqui temos uma (besta) para chamar de nossa, nacional, bem grande, inspirada nos moldes da ignorância, e que faz parte dessa absurda guinada que soterra todos os avanços da tecnologia, da Ciência e do bom senso, e que ao menos estamos querendo soterrar, mesmo que com tão poucas opções, e em uma escolha única quase que obrigatória dadas as forças políticas em combate, mais uma vez apenas dual.

Não há otimismo que se sustente quando se tem um mínimo de consciência das mudanças e fatos, e desde que, claro, nos mantenhamos informados, mesmo que pouco, pela imprensa que ainda nos resta, mesmo aos trancos e barrancos, ela mesma desgraçada, e que agora, para piorar, as pesquisas demonstram que grande maioria esteja fugindo do noticiário, preferindo viver sem saber – uma das coisas mais perigosas que presencio em toda minha vida, jornalista que sou há 46 anos. Observem as redes sociais e vejam que presenciamos ali os debates mais miseráveis, pobres, perdidos, despropositados; até nojentos, se me permitem definir. Nos portais, a busca pelos cliques em frufrus, a superfície, patéticas confissões pessoais e sexuais, onde todos querem ser pioneiros do que sempre existiu e que tinha melhor qualidade.

A juíza que pergunta à criança estuprada e grávida se ela suportaria mais um pouco, querendo colher dali mais um desnecessário ser infeliz. Ver que há quem justifique isso porque o estuprador também era uma outra criança, aliás, mais uma sem a orientação sexual, silenciada, essa educação fundamental a eles negada, por religiões e homens. O homem que entra armado com faca e do nada mata três pessoas dentro de um ônibus de uma pacata cidade do interior, e o caso tem menor repercussão do que qualquer massacre com menos requintes coberto ao vivo em outro continente.

Não há mais parâmetros, inclusive na cobertura jornalística. Parece tudo se resumir a informar que o que houve foi um ataque psicótico, que a Justiça é assim mesmo, que a corrupção nunca será vencida, que há fome de milhões, que morreram mais outros que tentavam modificar a situação, que o homem falará ou fará uma besteira ainda mais cabeluda amanhã, que um dia apaga o outro, que o crime organizado domina, que soluções não solucionam. As manchetes de primeira página dos jornais impressos já nascem velhas e desinteressantes – olhe todos nas bancas. Eu, que ao sair desço as escadas, as leio jogadas nos capachos das portas de meus vizinhos, assinantes. Chego ao térreo desconsolada, sempre lembrando de algum dia vivido em tempos áureos, de edições extras, jornais esgotados, manchetes inesquecíveis.

Assim, vamos em frente com essa comunicação truncada, e uma infeliz constatação: aconteça o que for, a mediocridade continuará – já a conhecemos bem, e às suas propostas, vindas de quaisquer direção, ditadas por lideranças que não se renovam.

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

Reportar Erro