O investidor ativista

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A primeira vez que a humanidade viu o planeta Terra como uma globo na negritude do espaço foi em uma fotografia tirada pelos astronautas da Apolo 8 em 1968. Pode ser algo trivial, sequer digno de menção, diriam alguns. No entanto, essa icônica fotografia foi obtida graças a campanha de um grupo de jovens liderados pelo então estudante universitário Stewart Brand, atualmente editor do The Whole Earth Catalog. Sua relevância vai além do pioneirismo na medida em que apresentou essa esfera azul, com o marrom esverdeado dos continentes, como a morada de todos nós, a despeito de nossas contornáveis diferenças. De fato, a foto da Nasa pode ser pensada como um chamamento à solidariedade e harmonia que deveríamos ter ao compartilhar – tanto quanto se saiba – esse único e frágil lar.

Fragilidade que é retumbantemente alardeada mundo afora neste dia 29 de julho que marca a data em que a demanda da humanidade por recursos e serviços ecológicos excede o que a Terra é capaz de regenerar. Neste dia o consumismo superará o que o planeta é capaz de suportar, sendo requeridos 1,7 planetas par atender as demandas. A necessidade por conscientização é, portanto, de tal ordem que questões éticas e morais são adicionadas aos clássicos interesses econômicos de investimento.  Progressivamente a cartilha de investimento tem considerado critérios outros como questões políticas, sociais e ambientais.

De fato, países que não possuem instituições sólidas, que não usufruem de estabilidade política e social e que degradam seus recursos naturais não são atraentes para investimentos. Pragmaticamente, capitais vão à procura de condições promissoras em países em haja sólida estrutura institucional, livres de corrupção, capazes de garantir respeito às leis e contratos e que possuam ambiente social estável. Em contrapartida, as empresas contribuem com responsabilidade social e sustentabilidade. Assim, os governos entram fazendo seu papel e garantindo estabilidade política, social e econômica e as empresas atuando com rigor na obediência das leis e das regras de compliance. As empresas usufruem de uma ambiente estável de risco reduzido, com mercado consumidor e mão de obra qualificada e o país com a prosperidade garantida pelos empregos e impostos.

Tudo muito obvio, muito lógico e muito razoável. Todavia, a realidade comumente desrespeita obviedades daí porque indicadores que buscam medir a estabilidade e a qualidade social, política e econômica, além do respeito ao meio ambiente, vêm tendo relevância crescente. Como resposta surgiu os chamados indicadores ESG (do inglês, environmental, social e governance) para a necessidade de mensurar a qualidade da governança, do respeito às questões sociais e ambientais.

O ESG atua no contexto de que os interesses das empresas e dos governos não deveriam, em absoluto, ser antagônicos. Desconsiderar esse necessário alinhamento coloca em risco investimentos que não se realizarão pela ausência de adequada estruturação institucional. Além dos consagrados indicadores econômicos o ESG assinala as condições políticas, sociais e ambientais existentes em um dado país de tal forma a orientar investidores quanto a mitigar riscos ao aportar investimentos. Os critérios ambientais, sociais e de governança (ESG) são um conjunto de padrões para as operações de uma empresa usadas pelos investidores socialmente conscientes para selecionar os investimentos potenciais.

Nesse contexto, a dimensão ambiental responde pela sustentabilidade, ou seja a manutenção, uso e renovação dos recursos naturais que afetam o meio ambiente e o clima. Já a dimensão social representa a diversidade, inclusão e equidade dos variados extratos da sociedade. No que tange a questão governança a questão passa pelo respeito às leis vigentes com regras claras e livres de corrupção que garantam ética e cumprimento de contratos.

Recentemente, editorial do Financial Time cunhou o termo Ativismo Investidor ao se referir a pressões internacionais sobre o governo brasileiro na questão do desmatamento da Amazônia. Especificamente, 29 organizações do Japão, Estados Unidos da América, Reino Unido e Noruega, representando grupos investidores com carteira de mais de 7 trilhões de dólares, uniram forças para solicitar – ou demandar – ações concretas para limitação das queimadas recordes na Amazônia brasileira.

O Brasil tem esse tremendo diferencial ambiental que carece de racional gestão tanto no que se refere ao mais acachapante humanismo, quanto no econômico. Racionalismo que o país exerce não cedendo a interesses meramente conjunturais, de curto prazo, míope a sua inerente importância estratégica. Considerar pressões internacionais no terreno do ESG é mera questão de bom senso econômico em prol da atuação protagonista do Brasil nas questões ambientais, por sinal cada vez mais relevantes. Desconsiderá-las é dar um tiro no pé na saúde econômica do país e no próprio futuro de nossa espécie nesta joia azul que flutua no espaço.

Dagoberto Alves de Almeida ex-Reitor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) nos mandatos 2013-16 e 2017-20, professor titular de Gestão da Unifei, graduado em Engenharia Mecânica pela Unifei, mestre em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ e PhD em Manufacturing System Engineering pela University of Cranfield – UK

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