O dilema do modelo de mercado do setor elétrico no Brasil

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O setor elétrico brasileiro tem sido manchete em várias Mídias com uma quantidade grande de atores criticando, reclamando, sugerindo, propondo soluções, defendendo consumidores, defendendo setores, fazendo lobby por benefícios.

Por outro lado, vemos também ações da agência reguladora, do ministério das minas e energia e muitas ações das casas do congresso. Infelizmente por vezes no caminho equivocado.

Antes de discursar sobre nosso setor, gostaria de recapitular os princípios básicos que deveriam nortear o funcionamento de mercados de eletricidade.

 Mercados desregulados: Promovendo Competição e Inovação. As principais características de Mercados Desregulados devem ser:

  • Concorrência de Mercado: Os mercados desregulados conferem aos consumidores a liberdade de escolher seus fornecedores de energia. Esta concorrência obriga as empresas a inovar, desenvolver soluções de energia mais limpa e oferecer preços competitivos para atrair e reter clientes. Os consumidores já não estão confinados a um modelo único para todos; eles podem selecionar planos de energia que se alinhem com suas preferências, quer envolvam fontes renováveis, taxas fixas ou serviços personalizados.
  • Inovação e Avanços Tecnológicos: A desregulamentação incentiva um aumento em avanços tecnológicos. Com diversas entidades disputando participação de mercado, a inovação torna-se uma vantagem competitiva. Desde redes inteligentes que otimizam a distribuição de energia até painéis solares domésticos que permitem aos consumidores gerar sua própria eletricidade, a desregulamentação atua como um catalisador para o desenvolvimento de soluções de ponta que remodelam o sistema energético.
  • Dinâmica de Preços: os defensores dos mercados desregulados argumentam que a concorrência diminui preços eliminando preços monopolistas. Os consumidores podem comparar tarifas e escolher a opção mais econômica, reduzindo efetivamente o potencial de aumento de preços que poderia ocorrer num mercado regulado. Esta transparência e escolha capacitam indivíduos e empresas a tomarem decisões informadas sobre o seu consumo de energia.

Mercados Regulados: Promovendo Estabilidade e Confiabilidade de Suprimento. As principais características de Mercados Regulados devem ser:

  • Desenvolvimento e Planejamento da Infraestrutura Setorial: Os mercados regulados oferecem um ambiente controlado onde as concessionárias recebem direitos exclusivos para operar dentro de áreas designadas territórios. Esta exclusividade permite o planejamento e investimento em infraestrutura de longo prazo, o que é crucial para manter uma rede confiável e resiliente. As concessionárias são obrigadas a investir em infraestrutura, atualizações e manutenção para atender à crescente demanda e garantir o fornecimento de energia ininterrupta.
  • Previsibilidade de Preços: Um mercado regulado visa fornecer previsibilidade de preços e acessibilidade. As agências de regulação definem estruturas de preços, muitas vezes com base em fatores como custo de produção, investimento em infraestrutura e margens de lucro pré-estabelecidas. Embora isso possa limitar flutuações imediatas de preços, também pode retardar a adoção de novas tecnologias e desencorajar a inovação devido à falta de pressão competitiva.
  • Obrigação de Serviço Universal: Os mercados regulados priorizam o conceito de obrigação de serviço universal, onde as concessionárias são obrigadas a fornecer acesso à eletricidade para todos os possíveis consumidores, incluindo aqueles em áreas remotas ou economicamente desfavorecidas. Isso garante que os serviços essenciais sejam estendidos a todas as partes da sociedade, promovendo equidade e inclusão

O debate desregulado versus regulado está longe de ser uma escolha clara, e ambos os modelos apresentam seu próprio conjunto de desafios. Os mercados desregulados, ao mesmo tempo que promovem a concorrência, podem levar a potencial manipulação de mercado, falta de investimento em infraestrutura de longo prazo e confusão dos consumidores devido ao desconhecimento do setor e depender de agentes comercializadores. Por outro lado, os mercados regulados poderiam sufocar a inovação, desencorajar a eficiência de custos e não dar escolha ao consumidor.

Em resposta a estes desafios, alguns locais (em estados nos EUA) decidiram adotar modelos híbridos, combinando elementos de ambas as abordagens. Por exemplo, mantendo regulada a distribuição, onde são atendidos os consumidores de baixa tensão (venda de eletricidade no varejo), permitindo, ao mesmo tempo, concorrência desregulada nos níveis de geração, onde a concorrência pode trazer mais benefícios de redução de custos e venda a consumidores de muito alta tensão (venda de eletricidade no atacado). Esta estratégia híbrida visa atingir equilíbrio entre estabilidade e inovação, aproveitando os pontos fortes de ambos os modelos, ao mesmo tempo mitigando suas fraquezas.

No Brasil tivemos por um século o modelo regulado e no final do século passado, início do presente, mudamos para um modelo desregulado.

Porém, devido a uma série de particularidades da nossa sociedade, seja pela existência de áreas isoladas, cujo atendimento resulta em custos mais elevados, seja pela existência de parte da sociedade com baixo (e as vezes baixíssimo) nível de renda, seja por poder de pressão de parte dos agentes do setor elétrico — desde o início da reforma, existiram subsídios e regras de investimento e remuneração conflitivas com um modelo desregulado puro.

Mais recentemente, com a entrada de fotovoltaicas, tanto em instalação de consumidores como concentradas em fontes do sistema, e das eólicas, ambas com custo de instalação muito menores que as outras fontes, resultou em forte concentração e crescimento da capacidade instalada dessas fontes intermitentes.

A intermitência dessas fontes exige investimentos em outras fontes para cobrir o mercado na ausência das intermitentes. Isso resultou em sobre-capacidade instalada e falta de reserva de energia.

Estamos agora iniciando um processo de LEILÕES DE CAPACIDADE que resultarão em ainda aumentar mais a sobre-capacidade instalada.

Evidentemente tudo isso resulta em custo de eletricidade mais elevado e reclamações.

O diagnóstico desta narrativa é que nosso modelo não se compactua nem com os conceitos clássicos de Mercado Regulado nem com os do Mercado Desregulado como descrito no início deste artigo. Muito menos com o modelo híbrido usado em alguns estados americanos.

Estamos em um limbo. Resta saber como será o futuro.

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