Necessário reformular o Setor Elétrico
O Setor Elétrico Brasileiro (SEB) passa por um período que exige medidas para implantar mudanças profundas e de grande alcance.
Porque? Colocamos alguns pontos para reflexão.
Por ter tido um passado de grandes investimentos em geração hidrelétrica, complementada por térmicas modernas (ciclo combinado) o SEB caracterizou-se por ter atendimento adequado das cargas, planejamento harmônico entre seus agentes, operação colaborativa e por mais de um século ter atendido o crescimento das cargas geradas pelo desenvolvimento do país.
Essa característica de base hidrelétrica, marcou o país por ter uma matriz de geração de eletricidade de muito baixas emissões de gases causadores do aquecimento ambiental.
Nos últimos dois decênios, o mundo tem buscado implantar a chamada transição energética com o propósito de, no curto prazo diminuir, e no longo prazo zerar, as emissões de gases causadores do aquecimento ambiental.
Esse movimento mundial resultou em queda substancial dos custos de instalação de centrais geradoras eólicas e fotovoltaicas.
Coincidentemente, nesses mesmos dois últimos decênios, o SEB passou por reforma substancial, que, entre outras mudanças, eliminou o planejamento determinativo antes existente, implantou um planejamento indicativo, e, instituiu um sistema de licitações por leilão para decisão das próximas usinas e serem construídas.
Como resultado desses dois movimentos, a queda dos custos de eólicas e fotovoltaicas, e as mudanças no SEB, os novos investimentos em geração, naturalmente, passaram a ser baseados nessas duas fontes, eólica e solar.
O que temos hoje?
Como resultado desse desenvolvimento do SEB, a capacidade instalada no sistema Interligado Nacional (SIN) atual é de 231,6 GW para demanda máxima registrada e de 102,5 GW, portanto uma capacidade instalada mais que o dobro da demanda.
Em termos de geração de energia (GWh) , dados obtidos no portal do ONS nos indicam os valores do quadro a seguir:
Dessa tabela podemos verificar que nos últimos três anos para um aumento de 27.858 GWh de geração total no SIN, as fontes eólica mais solar geraram um adicional de 70.124 GWh (16.768+53.356). Isto seria ótimo se esse aumento se destinasse a atendimento de novas cargas ou substituição de geração térmica. Mas não foi isso. A geração térmica aumentou em 3.237 GWh e a hidrelétrica diminuiu em 45.503 GWh.
Portanto o aumento de novas instalações de usinas de fontes renováveis não estão substituindo térmicas e diminuindo as emissões, já que a geração térmica aumentou. Estão sim substituindo geração hidrelétrica, cujo investimento já tinha sido feito e cujo custo operacional é baixo e sem emissões. Embora as novas instalações sejam de usinas de custo muito inferior às anteriores, as tarifas dos consumidores não baixaram e nem estão diminuindo as emissões. Faz sentido?
Pior, devido ao excesso de capacidade instalada e a falta de flexibilidade operativa, tanto das eólicas como das fotovoltaicas, em determinados momentos, além da diminuição da geração hidrelétrica, as próprias renováveis são obrigadas a desligar algumas unidades. E o chamado “curtailment” ou “constrained-off”, para os que gostam de anglicismo, ou “corte de geração”.
Pior ainda mais, os investidores das renováveis sentem-se prejudicados pelo “corte de geração” e acabam de obter liminar na justiça obrigando a ANEEL a reembolsar esses geradores pelo valor da energia cortada. Mais um custo a ser acrescido às contas de eletricidade do consumidor cativo.
O consumidor já arca com a Conta de Desenvolvimento Energético que embute uma lista grande de subsídios que são transferidos aqueles que em sua maioria não necessitam de tais concessões. E agora ainda arcarão com mais custos por serviços que não lhes são prestados. Repito, faz sentido?
Infelizmente o SEB está passando por um período de falta de governança e ao mesmo tempo regulado por um modelo que necessita urgente ajuste. Esse modelo, embora tenha sido implantado a apenas duas décadas, necessita mudanças, por um lado para corrigir deficiências como a falta de um planejamento determinativo, e por outro lado para modernização devido à grande participação de fontes renováveis porem intermitentes (ou variáveis) que trazem a necessidade de uma série de novos serviços de sistema, anteriormente promovidos pelas fontes hidrelétrica e térmica.
Os sistemas de energia hidrotérmico sempre gerenciaram a variabilidade da demanda, porém a participação de energia renovável intermitente, ou variável (VRE), como a eólica e a solar fotovoltaica, introduz variabilidade na oferta dependendo do clima. Esta variabilidade exige o aumento da flexibilidade de todo o sistema energético, incluindo a geração despachável, modificações na rede, armazenamento e resposta da demanda.
Em níveis de penetração de VREs, os desafios em termos de estabilidade e flexibilidade em todos os tempos operativos tornam-se mais agudos. Estes sistemas muitas vezes podem ter a maior parte da sua geração por fontes VRE durante mais de um dia, necessitando de soluções inovadoras em termos de operação, planeamento e financiamento do seu sistema de energia.
A integração de elevadas quotas de VRE exige repensar a forma como os sistemas de energia são operados, planejados e financiados. Os elementos essenciais incluem a modernização das práticas de operação do sistema, a modificação das técnicas de planjeamento e a revisão dos ditames regulamentares, bem como, incluir um novo papel da geração convencional como fornecedora de serviços de sistema essenciais alem do suprimento de energia.
Conclusão: O SEB enfrenta dificuldades que caso não adequadamente endereçadas e resolvidas pode colocar em risco o suprimento de eletricidade, fator crucial para o desenvolvimento e a transição energética. A eliminação dos subsídios, existentes e em fase de criação, a implantação de um planejamento determinativo que permita ter-se uma matriz de geração adequada aos requisitos da demanda (sem excedentes nem deficiências) e com a diversificação de fontes que permita obter-se a redução de emissões e ao mesmo tempo confiabilidade e economia de suprimento de eletricidade. A integração de elevadas quotas de VRE exige a modernização das práticas de operação do sistema, a modificação das técnicas de planejamento e a revisão da regulação.